A ancestralidade é a grande protetora da Ilha de Boipeba. Situada na Bahia, entre Salvador e a encantadora Península de Maraú, ela possui uma história indígena secular. Seu povo nunca a abandonou. Pelo contrário, fez e faz de tudo para proteger suas verdadeiras raízes. Com um meio ambiente intocado, pessoas conectadas com seus costumes e tradições e um turismo organizado, a ilha é um exemplo raro e inspirador de como o desenvolvimento turístico pode coexistir harmoniosamente com a preservação ambiental e o bem-estar comunitário.
Aqui a terra pode respirar. Segundo Felipe Beltrame, fotógrafo e realizador do documentário Um Cochicho à Resistência (assista ao fim deste post), “quilombolas e pescadores souberam cuidar do território com tradições maravilhosas, que respeitam e promovem a comunhão com a natureza”. O tratamento nobre da terra e das águas são como extensões de seus corpos, o que garante a pesca, a mariscagem e as colheitas, e que é passado de geração em geração. Categorizada como uma biosfera, Boipeba concentra áreas preservadas de mata atlântica, restingas e manguezais importantíssimos para o equilíbrio do planeta. A ONG Salve Boipeba também apoia e dá suporte às causas ambientais.
As práticas culturais também são perpetuadas. Duas associações quilombolas, a Aquimomo e a Associação Quilombola de Boipeba, lutam para garantir seus direitos e assegurar suas tradições. Segundo Murilo, forasteiro de Boipeba: “A cultura da ilha é farta: bumba meu boi, zambiapunga, capoeira, festejos do padroeiro da ilha, que é o Divino Espírito Santo, festejos do Dia de Iemanjá. E hoje temos também o Flipeba, que é uma feira literária, que está crescendo cada vez mais”.
O povo continua autêntico, mesmo com o aumento de visitantes. O turismo já é hoje a maior economia da ilha, porém ele é atento, coletivo e reduzido. Com consciência e participação ativa dos moradores, os passeios têm preços tabelados e são fiscalizados, os quadriciclos não podem entrar nos povoados, o lixo é reciclado, os corais são respeitados e os visitantes são convidados a se envolver com as práticas sustentáveis.
A educação e a união são o futuro da ilha. Murilo enxerga que “ela tem um povo unido para as causas sociais. Quando o petróleo atingiu a costa do Nordeste, vi muitas pessoas ajudando a retirar o óleo”. A possibilidade da construção de um complexo de luxo também uniu grande parte dos moradores da ilha para debater o assunto e não deixar o turismo predatório engolir o território. E a educação é passada adiante, juntamente com projetos como os da ONG Vivá Moreré, com cursos de capacitação para jovens e adultos.
Em um mundo em que “comunidade” é a palavra da moda, seus adeptos e entusiastas deveriam passar uma temporada com a comunidade tradicional de Boipeba. O passado ancestral, unido ao presente consciente, é o ingrediente ideal para a manutenção de um legado e para as mudanças necessárias. Como diz o morador Raimundo Siri: “Se Boipeba tem o potencial de ser um paraíso, o mérito é todo de seus guardiões, de suas formas de viver a vida, de se desenvolver”.
Ilha de Boipeba: Documentário
Assista ao documentário Um cochicho à resistência (2023), de Felipe Beltrame, com relatos de 13 moradores de diferentes comunidades da Ilha de Boipeba. O trabalho mescla paisagens incríveis, tradições, atividades extrativistas e depoimentos que perpassam a história do Brasil nos últimos 500 anos.
Matéria publicada na edição 16 da Revista UNQUIET.