A World Pride é uma celebração global que acontece a cada dois anos em uma cidade diferente, e reúne pessoas de todo o mundo em uma celebração do amor, da inclusão e da diversidade.
No distante agosto de 2021, aglomerações e grandes eventos causavam enorme estranheza. Isolados por um severo lockdown, australianos não foram a Copenhagen, que celebrava sua primeira World Pride, para comemorar a escolha de Sydney como sede do maior evento LGBTQIAP+ do planeta em 2023.
Corte seco e cá estou na nação “down under” para conferir os preparativos da World Pride 2023. Dias melhores vieram. E pode parecer óbvio, mas a ultra-gay-friendly Sydney foi escolhida como sede da World Pride 2023 devido ao seu histórico na manutenção dos direitos LGBTQ+ e sua vibração como destino turístico, há décadas, fora do armário.
Seu Mardi Gras é um evento que remonta à década de 1970, quando um grupo de ativistas LGBTQ+, inspirados por Stonewall, marchou pelas ruas da cidade em protesto pelos direitos civis da comunidade. Desde então, cresceu em tamanho e importância, tornando-se uma das maiores celebrações LGBTQ+ do mundo. Trata-se de um grande carnaval de diversidade e inclusão, com programação das mais variadas, promovendo a igualdade e o respeito pelos direitos LGBTQ+. E, pasme, é até televisionado.
No momento em que exploro a cidade, no começo de janeiro, os termômetros registram média de 35 graus com um pouco de umidade. A previsão para as semanas queer, entre 17 de fevereiro e 4 de março, é de 5 graus a mais. O Sydney Festival, entre 5 e 29 de janeiro (consulte datas para 2024), dedicado às artes em geral forma pequenas multidões ao ar livre em cenários como a Ópera e centros culturais como o The Cutway. Além da música ao ar livre, concertos de música clássica, shows pop e exposições como a dedicada à Frida Khalo disputam minha atenção com dias relaxando nas areias de Bondi Beach, a mitológica praia dos sydneysiders.
Todas as noites, cumpro um ritual que começa na descoberta de restaurantes nos charmosérrimos bairros de Darlingthurst e Surrey Hills ou do CBD, o distrito comercial de Sydney. Surpreendo-me com a quantidade de speakeasies em ruas recém transformadas em peatonais como a imensa George St. À primeira vista, suponho que o público do Double Deuce Lounge, nesta noite de sexta, seja formado pelo pessoal das start ups e financeiras instaladas nos prédios que vejo ao longo da baia. Um grupo puxa papo quando peço minha primeira gin-tônica e confirmo meu prognóstico.
Tudo junto e misturado
A galera que conheço me conta que não vê a hora da World Pride. Sim, apesar do bar secreto que me enfio não ser propriamente um ambiente queer, estou cercado por um clã formado por dois caras gays-cis, uma menina não binária e quatro héteros-cis, masculinos e femininas, bem-humorados, em relação à imensa confusão que a discussão de gênero e sexualidade fluida ainda causa.
E pelo que me contam, fica claro os muitos preparativos para receber a World Pride, incorporada ao Mardi Gras este ano. Com expectativa de mais de 500.000 visitantes, o mega-evento promete ser um dos maiores e mais vibrantes festivais de orgulho LGBTQ+ da história com uma série de festividades e atividades, que incluem desfiles, shows, festas e conferências. Muitas organizações, empresas – incluindo os unicórnios instalados nos arranha-céus da baía de Sydney – se juntam ao desfile, mostrando seu apoio e solidariedade à comunidade.
Fico sabendo que a Oxford Street, resposta da Oceania à Castro de San Francisco, voltou com tudo este ano. Durante a pandemia, muitos dos estabelecimentos da rua gay de Sydney fecharam as portas para reformas. Alguns encerraram as atividades definitivamente, abrindo espaço para novos clubes e restaurantes que se jogam à sorte dos novos tempos, em que a noite disputa as atenções do público multietário com os apps de encontro.
Aceito o convite dos meus novos amigos e sigo em um mini êxodo rumo a Oxford. Nem bem cruzamos o parque Hyde Park e já avisto um mar de cores e luzes, com bandeiras arco-íris ondulando em todos os bares, restaurantes, karaokês, cafés, cassinos, livrarias, sexshops e até farmácias. A rua é o ponto alto das paradas – sim, serão duas: a World Pride sairá de North, para encerrar o megaevento no dia 5 de março, cruzando a inconfundível Sydney Bridge, passando pelo centro da cidade até chegar a Surrey Hills; e o Mardi Gras, no dia 25 de fevereiro, como sempre, concentrará montadas e representantes de todas as letras da sigla LGBTQIAP+ na região da Oxford Street.
O público que lota a pistinha do Universal, o primeiro bar onde paramos é uma amostra do que a cidade espera atrair para os eventos com pessoas de todas as idades, origens e orientações sexuais desfilando em uma atmosfera de amor e inclusão ao som, de bem, muitas divas pop.
Por falar nisso, Kylie Minogue, que em sua terra natal é maior que Madonna e Beyoncé juntas, participa do Live and Proud, o concerto de abertura da World Pride, agendado para dia 24 de fevereiro. Além dela, Charli XCX, Jessica Mauboy e überdrags como Courtney Act, australian-darling que ganhou o coração do filho trans da Cher e de todo mundo na histórica sexta temporada de RuPaul’s Drag Race.
Depois de dançar dois remixes diferentes de “Spinning Around”, sigo pela mesma rua e descubro o Stonewall Hotel, um complexo com bar e balada com três pistas diferentes. Na sexta nenhuma delas está tão agitada quanto a do Universal, mas fico sabendo que tudo muda no sábado à noite.
Minha comadre, jovem mamãe, que mora na Austrália há alguns anos, queimou seu vale night comigo na noite seguinte. E o que seria uma via sacra pelos bares da Oxford até a ARK – mega clube símbolo da cidade que reabriu em janeiro para o pré-World Pride – se torna um samba de uma Britney só. Rememorando nossas noites de anos atrás em São Paulo, começamos descobrindo um restaurante pequeno, um achado chamado Gilda, em Surry Hills. Como na frase imortalizada no filme com Rita Rayworth, “nunca ouve uma mulher como Gilda”, o menu de tapas, com ótimos vinhos orgânicos espanhóis (juro que bebi toda a cota de vinhos do novo mundo durante os quase 30 dias que passei no país), dava sinais de que não haveria outra igual para nós.
Dançamos até de madrugada. Adiantando o frisson causado por Rihanna no último final de semana, ela, eu não, foi até o chão com “Bitch Better Have my Money” e outros hits da musa de Barbados. De pista em pista, fomos ficando. Com exceção dos mega clubes, Sydney tem essa característica de bares da Europa, com opção de pular de um em um sem pagar entrada. Até demos uma passadinha na ARK, mas, assim como na noite anterior na Universal, encontramos nosso lugar no Stonewall Hotel junto a uma drag australiana e um novo amigo vestido de freira.
Ferveção, ativismo e cultura
Além da ferveção das megafestas, a World Pride também inclui uma Conferência dos Direitos Humanos, de 1° a 3 de março, que reúne líderes e ativistas LGBTQ+ de todo o mundo para discutir questões relevantes e propor soluções para problemas enfrentados pela comunidade. A conferência oferece uma plataforma para líderes e ativistas da comunidade compartilharem suas experiências, ideias e soluções para questões relevantes como saúde, direitos humanos e igualdade.
Em algum momento da noite, esbarramos num grupo que organiza um festival de cinema open air queer chamado Swarmdrive.in, no dia 23 de fevereiro, parte da programação dos grandes eventos que começam neste final de semana. Não me recordo se era ao som “Toxic” ou “Gimme me More” – essa foi a noite do samba de uma Britney só – mas quando vi, estávamos conversando sobre a cultura queer brasileiras. Jenn Atherton ficou estarrecidos quando mencionei os vergonhosos números das taxas de mortalidade da comunidade trans do nosso país, projetados na minha cara quando estive na conferência da World Pride de Copenhagen. E a julgar pelas previsões, vamos, novamente, liderar o ranking que será apresentado no painel.
Jenn assina como Garden Reflexxx e é responsável pela curadoria dos filmes do festival junto com Xuela e Jackie De Lacey, também, envolvidos na produção de filmes de vanguarda da cidade. Indico a ele “Bicha Travesti” da Linn da Quebrada e ele promete considerar para uma próxima edição.
Além do cinema, as artes visuais são contempladas em uma série de mostras que invadem diversos museus, galerias e espaços abertos durante as duas semanas do orgulho. A apresentação de bandas e artistas que se identificam com a sigla LGBTQ+ também. São tantas opções que é impossível listar aqui (veja o site do evento no serviço desta matéria). A World Pride Sports, a Olímpiada Gay, vai de 17 a 28 de fevereiro, para dar tempo dos atletas se recuperarem a tempo da grande parada de encerramento.
E como Sydney é a mais solar das cidades “down under”, imensas e concorridíssimas pool e beach parties estão programadas. As mais concorridas são o Mardi Gras Paradiso Pool Party, dia 20 de fevereiro; e em Bondi Beach, dia 4 de março. Fui informado que a festa em Bondi Beach, aliás, é antológica. Todas as extensões da praia são tomadas, tornando a faixa de areia mais famosa da Austrália em um imenso beach club com música eletrônica, shows de drags e muitos hits pop.
Quem eleger Sydney como destino nas próximas semanas terá que se virar para dar conta de tanta atração. Reforço aqui, o Mardi Gras e a World Pride são eventos que vão além da celebração. Pride = protesto. Eles são uma oportunidade de apoiar a luta pela igualdade, a inclusão e os direitos civis da comunidade LGBTQ+. O evento é uma oportunidade para pessoas de todo o mundo se unirem em um esforço comum de amor, aceitação e respeito.
Em resumo, a World Pride em Sydney em 2023 promete ser um evento emocionante e vibrante, que celebra a diversidade em meio a muita ferveção em uma das únicas cidades do mundo que, como brasileiro orgulhoso que sou, podem competir com o Rio de Janeiro em beleza.
Para mais informações sobre os eventos da Sydney World Pride 2023: sydneyworldpride.com
Onde ficar:
Kimpton Margot Sydney
Localizado no distrito fashion, a poucos passos do CBD e de Darlinghurst, o Kimpton Margot Sydney é das melhores surpresas da cidade. O estilo industrial contrasta com art deco em ambientes charmosos e iluminados. Destaque para o concorrido pool club e para o Luke’s Kitchen, restaurante assinado pelo celebrado chef australiano Luke Mangan que reabriu recentemente a tempo da World Pride.
Essa matéria faz parte de um especial UNQUIET que inclui também Bondi Beach, Melbourne e Tasmânia.
Para se programar: a cidade de Amsterdam foi escolhida como sede da próxima World Pride. Conhecida por uma das prides mais expressivas do mundo, com duas semanas de duração, encerra sempre com uma parada no canal Prinsengracht que mais parece tirada de um conto de fadas escrito pela fada madrinha de Shrek. Fique de olho!