W México City
Benefício expirado
A paixão por lugares é igual à paixão por pessoas. Acontece subitamente, sem explicação. Mesmo tendo viajado muito, em nenhum momento pensei em ir ao México.
Na tradução que fiz do fascinante livro Em busca do prato perfeito (Companhia das Letras), de Anthony Bourdain (1956-2018), o enfant terrible da culinária desbocada escancara seu amor ao México e seus cozinheiros. Depois da tradução, me deu vontade de conhecê-los ao vivo. Por razões familiares, em menos de dois anos lá estive três vezes. E só penso em voltar. A terra dos antigos astecas virou obsessão.
A primeira viagem foi um impacto. Ficou tatuada na memória. Saí do aeroporto e fui direto comer, ignorando a altitude e diversas recomendações. No México, nenhuma comida é rudimentar, grosseira, nada é agressivo. Utiliza-se do multicor universo das pimentas de maneira magistral. A refinada culinária local ali se disfarça de simples. Tão poucos produtos, tantos modos de prepará-los, há exemplo do mole – molho –, espinha dorsal da culinária mexicana.
O mole, o caldo arquetípico, escuro como a negra obsidiana (a célebre pedra vulcânica dos astecas), segue milhares de receitas. Cada residência guarda a sua. Em comum está o fato de serem sempre complexos, demorados para fazer, levarem dezenas de ingredientes e durarem para sempre. De uma mole madre, a exemplo da massa-base dos pães de fermentação lenta, surgem molhos novos.Em busca do mole perfeito e de outras especialidades da cozinha mexicana, percorri alguns restaurantes na Cidade do México. Indico aqui quatro excelentes endereços.
4 restaurantes indispensáveis na Cidade do México
Pujol
Na Cidade do México, o Pujol, de Enrique Olvera, um dos grandes restauradores do mundo, serve o mole madre e aquele do dia. É normal entre quem lá comeu perguntar: “Que número era o seu?”. O meu estava na casa dos quatro dígitos, 1.272. Como me lembro? Uai, achei no cardápio que guardei, mais de mil dias do início da receita. Hoje, deve andar no número 2.500.
Não se pode falar na culinária mexicana atual sem mencionar Olvera. Além do Pujol, instalado numa elegante casa reformada no bairro chique de Polanco, ele mantém outra, em Nova York. Das suas cozinhas saíram discípulos brilhantes. O ‘segredo’ do Pujol é simples; utilização de ingredientes locais com técnicas de haute cuisine.
Ok, o Pujol é indispensável, mas não foi minha melhor refeição. Ele é a matriz, geradora de diversos chefs. É ainda um centro que deu início à cozinha contemporânea do México. Importante, fundamental, sim. Mas não o melhor.
Quintonil
Ah, você quer algo acima. Então anote: Quintonil. Jorge Vallejo, ex-sous chef de Olvera, resolveu abrir seu próprio negócio, também em Polanco. Serve o mais suculento menu degustação que provei nas três viagens. A dica é chegar lá já com reserva feita. Sempre faço isso, almoçar para rebater o jet lag.
Destaco o ceviche de nopal (cacto que lembra as orelhas de Mickey Mouse) e a torrada de salpicão de jaiba azul (siri-mole azulado e saborosíssimo). Prove sem medo nem nojo as escamoles, ovas de formiga, e qualquer prato que leve cuitacloche (o fungo prateado do milho). Amigo, eles são respectivamente o caviar e a trufa mexicanos. Se for temporada, vá de flor de abóbora recheada com microcamarões. Hmmmm… Para acompanhar, peça sem receio o Chasselas Mogor-Badan, branco da Baja California.
Maximo Bistrot
Eduardo García, outro excepcional discípulo de Olvera, comanda o Maximo Bistrot, na charmosíssima ‘colônia’ Roma (os velhos bairros da cidade do México são conhecidos como colônias). Pense numa esquina simpática, num lugar sem qualquer pretensão – com pratos magníficos e preços amigáveis. García faz uma comida de técnica francesa (passou pelo Le Bernardin, em Nova York). Trata-se de outro estilo, mais a la carte. Provei um timo de vitela perfeito.
Nicos
Tradicional mesmo é o Nicos, restaurante que eu gostaria de ter ao lado da minha casa. Gerardo Vazquez herdou o lugar, inaugurado pela mãe em 1957. Nem é preciso dizer que se trata de comida caseira genuína. É onde as famílias se esbaldam, em mesas enormes, em libações que duram horas. Slow food, como convém. Na minha visita mais recente, ficamos da hora do almoço ao anoitecer.
No Nicos, vários pratos são preparados na hora. É caso do guacamole, com cebola e pimentas ao gosto do freguês. Escamoles, quando na temporada, são igualmente salteados no salão. Há inclusive um carrinho para degustação de mezcales de vários tipos e regiões – uma aula.