Meu imaginário sobre o Quênia justificava minha excitação antes de embarcar. Além de ser minha primeira viagem internacional pós-pandemia, o país africano é considerado a segunda casa da minha mãe, Corinna Sagesser, publisher de UNQUIET, que já viajou muitas vezes para lá. Ela própria não retornava desde 2019. A aventura, porém, era inédita para nós: uma viagem de carro pelo Quênia, explorando a combinação de vida selvagem, cultura e cotidiano. Com tudo meticulosamente planejado – vacinação em dia, incluindo as doses necessárias contra a covid-19, malas pensadas à risca e algumas incertezas dentro delas –, partimos em direção à África. Eu só não sabia que aquela jornada seria também emocional.
O Quênia é um país localizado no leste africano, cortado pela linha do Equador e cercado por Sudão do Sul, Etiópia, Somália, Tanzânia e Uganda. Pousamos em Nairóbi, sua capital, que se parece com muitas outras africanas: trânsito caótico, concentração máxima de pessoas e proximidade com parques nacionais habitados por muitos animais.
Nossa passagem pela cidade seria breve, já que o objetivo era percorrer o norte do país em quatro rodas. Aproveitamos para sacar uma boa quantidade de dinheiro, tendo em vista, pelo caminho, a compra de mercadorias locais e o ingresso em parques nacionais, estaduais ou áreas de preservação de vida selvagem.
Viajar de carro pelo Quênia num 4×4
No dia seguinte, fomos apresentadas ao que seria nossa casa pelas próximas semanas: um carro 4×4 estilo safári, com três sequências de bancos, teto retrátil, cooler e litros de água potável. Era tudo de que precisávamos. Por mais que grande parte das estradas locais seja boa, existem alguns momentos em que a sensação ao dirigir é a de estar em uma montanha-russa. Além de dar conta dessas instabilidades, a versatilidade do veículo nos permitiu percorrer, nele mesmo, os parques nacionais e estaduais durante os game rides. Conosco, os melhores guias locais com quem poderíamos contar: os irmãos Paul e Samy Kasaine, que organizaram todo o nosso roteiro, inclusive fazendo as reservas.
Segera
Benefício expirado
Ponto de partida
Nossa casa móvel partiu em um domingo nublado rumo ao estado de Laikipia, no planalto central do país. Todo o percurso da estrada é beirado por vida. Um misto de pequenos estabelecimentos, barracas de feira, várias comunidades e animais domésticos, vacas, cabras e até camelos.
Ansiosos após 5 horas a bordo e 300 quilômetros dirigidos, avistamos o portão do Segera Retreat. “O resort mais luxuoso da África Oriental, situado numa gigantesca área de mais de 22 mil hectares”, nas palavras do publisher Fernando Paiva, em seu texto sobre o hotel publicado na edição 01 de UNQUIET. De fato, o lugar se parece com um oásis encravado na savana, com decoração de cair o queixo e um jardim que surpreenderia qualquer paisagista, além do conforto fora do comum. A comida, só de lembrar, é garantia de água na boca.
Munidos com máscaras, tentamos conter abraços saudosos e lágrimas de felicidade, sem sucesso. Aquela chegada representava uma espécie de volta para casa. Dos quatro integrantes do grupo, eu era a única a estar ali pela primeira vez, e nem por isso fiquei indiferente à energia contagiante do lugar. A emoção também foi grande por ser a hora de nos despedirmos de Samy e Paul, já que o hotel oferece carro para safári.
Experiências com o Segera Retreat
Quase sempre tendo o Monte Quênia no horizonte – o segundo maior da África, com mais de 5.199 metros de altitude, atrás apenas do Kilimanjaro, na Tanzânia, com 5.895 metros –, avistamos muitos grupos de elefantes, girafas, zebras. Mas o momento mais impactante aconteceu nos primeiros minutos do nosso safári, quando avistamos uma leoa se alimentando de uma zebra. Na manhã seguinte, também descobrimos dois leões indo à caça. Quem já fez safári sabe a raridade que esses momentos representam.
Outro ponto alto da nossa estadia, desta vez literalmente, foi uma experiência extra de helicóptero. Optamos por contratar a Tropical Air e percorremos, no condado Samburu, a vastidão do Ewaso Nyiro – terceiro rio mais extenso do Quênia, com 700 quilômetros, atrás do Tana (mil quilômetros) e do Omo (760 quilômetros) –, na direção norte do hotel. Uma paisagem espetacular apreciada de cima, pontilhada pelos animais. Fizemos uma parada emocionante para o café da manhã em uma montanha e seguimos voo para conhecer e nos emocionar no Reteti Elephant Sanctuary, abrigo de elefantes de zero a cinco anos de idade, que aos poucos são reintroduzidos na natureza.
A última parada – e a mais remota da minha vida – aconteceu na Cratera de Magado, preenchida com piscinas de sais que significam o sustento do povo local, o meru. Foi como entrar em outro mundo, onde vivem pessoas muito curiosas, abrigadas em casas encravadas no entorno da cratera, como cavernas. Como sempre, muito receptivas e orgulhosas do trabalho com os sais formados ali para vender nas redondezas.
Cores, dança e emoção
De volta ao lodge, aproveitamos ao máximo as experiências, que se renovavam a cada dia. Além de estar em total contato com a natureza, existe a possibilidade de interagir com a comunidade que forma o projeto Satubo, em uma aldeia de pastores de gado. A sigla é formada pelas sílabas iniciais de três etnias locais: samburu, turkana e borana, compostas apenas por mulheres. Financiado pela Fundação Zeitz, o projeto se desenvolveu para criar um negócio autossustentável e estimular o aumento da renda e da autoestima de suas integrantes. Foi um dos dias mais emocionantes que vivi. Vinte mulheres belíssimas, adornadas com múltiplas cores, visivelmente curiosas e felizes com nossa chegada, se aproximaram de nós cantando. Quando me dei conta, recebi um colar de uma delas, aparentemente representando uma coroa: um tecido branco impecável com os dizeres Naserian, que significam paz. Foi inevitável dançar, cantar e chorar. Uma energia cujo idioma é universal.
Após quatro dias, Samy voltou para nos buscar. O próximo destino ficava a pouco mais de 50 quilômetros dali. Pouco mais de 50 minutos de viagem e avistamos a entrada seguinte, no condado de Laikipia, entre o sopé dos Aberdare e o Monte Quênia: a OL Pejeta, uma área de preservação de vida selvagem sem fins lucrativos espalhada por 360 quilômetros quadrados. O lugar abriga os últimos rinocerontes-brancos-do-norte e cerca de 140 rinocerontes-negros, espécies seriamente ameaçadas de extinção, dada a atividade da caça ilegal.
Elefantes e búfalos
A caminho do camp, assim como aconteceu em todos os safáris que fizemos, avistamos mães de várias espécies acompanhadas de seus filhotes. Nossa escolha foi o Sweetwaters Serena Camp, uma propriedade cercada, com 50 tendas simples e confortáveis espalhadas pela savana, e um restaurante bem no centro delas, em um ponto estratégico, em frente a um bebedouro gigante, que foi palco de momentos memoráveis. Um deles aconteceu quando um bando de elefantes se aproximou com um filhote com poucos dias de vida, que brincava muito enquanto se encontrava em seus primeiros passos. O segundo, quando uma manada com mais de 500 búfalos passou perto, formando uma fila quase interminável: queriam se refrescar e beber água.
A caminho do Elephant Bedroom, nossa hospedagem seguinte, atravessamos áreas de pequenas tribos samburu e logo avistamos um portão com o desenho de uma girafa. Era a entrada da Reserva Nacional Samburu, com seus 165 quilômetros quadrados de área cortada pelo Rio Ewaso Nyiro, condição geográfica que muda o ambiente completamente: fica mais colorido, com vegetação mais abundante e clima mais quente. As espécies de alguns animais também mudam: encontramos entre eles zebra-de-grevy, com linhas mais finas no corpo, girafas-reticuladas, também conhecidas como girafas-da-somália, e gerenuks, que são antílopes também também chamados de gazelas-girafas. Foi também a primeira vez na viagem em que avistamos avestruzes.
À procura dos leopardos
Horizontes diferentes se sucederam ao longo de novos 170 quilômetros de estrada no sentido leste, rumo ao Parque Nacional Meru, o mais distante de todos. Na área imensa, de 870 quilômetros quadrados, apenas um lodge, o Elsa’s Kopje. De longe, era possível enxergar a montanha onde ficaríamos, mas impossível avistar seus quartos. Motivo: por terem sido projetados em sintonia com o entorno e respeitando o meio ambiente, são facilmente confundidos com pedras.
Agora, só nos faltavam os leopardos. Enquanto parte do grupo estava no topo da montanha para assistir ao nascer do sol, eu, minha mãe e Samy dirigíamos pela savana, quando enxergamos dois leões adolescentes e sua mãe, em busca do, digamos, café da manhã. Logo à frente, uma manada de zebras desavisadas aguardava por eles. Ficamos observando por mais de meia hora, até decidirem tentar ataque, que, ao acontecer, não teve sucesso. Mas a adrenalina por ter visto a poeira levantar, as zebras gritarem e os leões arquitetarem todo o plano, foi a mil. Uma cena inesquecível para terminar nossas buscas pelos animais.
Final da viagem de carro pelo Quênia
Na manhã que sucedeu um jantar à luz da lua, começaram os preparativos para nossa volta a Nairóbi. O último dia foi ocupado pela visita a Sheldrick Wildlife Trust, fundação de elefantes bebês e adolescentes nos arredores da capital. Com horário marcado, tivemos uma hora para vê-los de perto, conhecendo as histórias emocionantes de seus resgates. E descobrimos que é possível ajudá-los por meio de uma adoção, através da qual você recebe notícias mensais sobre o bem-estar dos animais.
Observar o cotidiano de um país com a maior parte dos 2.285 quilômetros rodados cheios de vida, chegar a lugares inóspitos, inacessíveis por avião, e viajar por horas e horas com dois habitantes locais garantem descobertas que trazem aprendizados para uma vida inteira.
Se você optar pela aventura de viajar pelo Quênia de carro, pode ter certeza: vai voltar transformado. Escrevo essa frase diretamente do último trajeto. Agora, se rodar o país de carro não faz parte dos seus planos, opte pelos aviõezinhos, que encurtam as distâncias. Mas para que pressa quando pode-se aprofundar-se em um país?
Clique aqui para ler a matéria na íntegra na edição 06 da Revista
Sammy Kasaine – kasaine@gmail.com
SEGERA
• O projeto e a administração do Segera se inspira no equilíbrio de 4 conceitos principais, os 4Cs: Conservação, Comunidade, Cultura e Comércio.
• Apoio à criação de fazendas solares, escolas Waterbank e uma academia de guarda-parques voltada à formação de mulheres.
• Os quartos usam energia solar e o hotel faz a reciclagem de água cinza com recursos biológicos, além de produzir adubo a partir da compostagem do lixo orgânico.
• Sistema para destilar e engarrafar água, com e sem gás, com o objetivo de reduzir o consumo de embalagens de plástico.
• Proteção ao Wild Dog na área de Laikipia, evitando a extinção da espécie.
• Proteção e cuidados com monitoramento dos macacos Patas.
• Proteção e monitoramento das Chitas.
• Plantio de 250mil mudas de acácias na área.
Site: www.zeitzfoundation.org