Se na Idade Média os perigos da travessia eram uma parte integrante das provações, hoje você pode encarnar o peregrino moderno percorrendo o Caminho de Santiago português, começando em Lisboa ou no Porto, mas de carro. Embarquei com dois amigos em um percurso de uma semana, escolhendo meticulosamente caminhadas em locais para a reflexão e a introspecção, e condensando em poucos dias uma viagem que oferece o potencial de ser transformadora.
O itinerário foi marcado também pela rica culinária galega. O polvo ‒ servido com batatas em Vigo, espetado com limão em Pontevedra ou gratinado com queijo Tetilla em Ribadavia ‒ esteve sempre presente e harmonizado com encantadores vinhos brancos Albariños. Um prazer adicional para os brasileiros é ouvir e ler o galego, o idioma local, que para nós, brasileiros, é mais fácil de entender que o próprio português de Portugal.
A jornada começou em Vigo, uma cidade moderna de origem romana, onde o antigo se encontra com o novo no Casco Vello, um bairro medieval vibrante, que tem como ponto central a Praça Porta do Sol, cercada de restaurantes e bares.
A noite, como em toda a Espanha, começa bem tarde e o Roy Bleck, o principal clube gay, bomba em plena madrugada de terça-feira. Combarro é uma parada essencial: esse pitoresco vilarejo medieval de pescadores, erguido sobre um rochedo à beira-mar, tem como marco os hórreos, tradicionais celeiros de pedra elevados do solo por pilares, próximos do oceano. Na vizinha Cambados, o destaque é a Rúa Real, uma via espaçosa e imponente, ladeada por edifícios que contam séculos de histórias e abrigam ótimos restaurantes.Pontevedra, uma linda cidade, que mergulha numa quietude sonolenta durante a siesta, revive com uma energia vibrante quando as ruas se enchem, após as 5 da tarde. Peregrinos e moradores retomam as atividades num ritmo frenético, que observamos da varanda de uma charmosa sidrería vizinha da imponente Capela da Virxe Peregrina. Outra atração é o histórico Mercado de Abastos, que aguça os sentidos com seus aromas e cores.
Noites infinitas
A chegada a Santiago de Compostela é o ápice da viagem. A majestosa catedral, um farol espiritual, nos recebeu com um arco-íris tocando suas torres. No interior, o famoso fumeiro balança com seu incenso durante as missas diárias, uma tradição medieval. A cidade vibra com a energia dos peregrinos, oferecendo lindas praças, uma infinidade de restaurantes, lojas de sapatos e meias (como não?) e o tocante Museu do Peregrino.
Quando os sinos anunciam a noite, a movida de Santiago ganha vida. Bares e clubes LGBT+ são um agito só, com rapaces lindos, superabertos, e pistas lotadas, onde nossa Anitta reina absoluta. Mas atenção: nada acontece antes das 2 da manhã. Os pontos nevrálgicos são o belíssimo café Flor, o alternativo inferninho Corruncho, e seu vizinho Tarrasca, e o clubão gay Bloom.
Na última parte da viagem, ficamos em uma charmosa estalagem rural nas margens do Rio Minho, em Laias, próxima de Ribadavia. A antiga sede do reino da Galícia fica dentro de conservadas muralhas do século XI e abriga uma das mais antigas e bem preservadas juderías (bairros judeus) da Europa. Finalizamos nas revigorantes Termas de Prexigueiro, frequentadas até tarde da noite por um público mais adulto.
Assim nos despedimos da Galícia, com o coração mais leve, a alma mais rica e a sensação de um banquete dos sentidos na bagagem.
Matéria publicada na edição 14 da Revista UNQUIET.