A data é 25 de fevereiro de 2024. Por volta de oito horas da manhã. Após dois dias navegando rumo ao extremo sul pela temida passagem de Drake, desperto e corro para abrir a cortina, para finalmente deparar com a paisagem mais esperada dos últimos meses: a do sétimo continente. É impossível conter a emoção, ainda mais quando observo que, em um dos inúmeros icebergs com as montanhas brancas ao fundo, dezenas de pinguins me dão boas-vindas.
Sim, cheguei à Antártica!
O início da aventura
Esta é uma daquelas viagens da vida. Lembro-me que, quando decidi que iria, com meu pai, velejador vidrado pela água e pelo vento, já senti um frio na barriga. Para explorar o continente branco, minha escolha foi a imbatível Quark Expeditions, empresa focada em expedições nos polos há mais de 30 anos, a bordo do Ultramarine, que tem como maiores diferenciais dois helicópteros e um time de expedição fora do comum. Já sabia, no fundo da alma, que aqueles dias transformariam partes de mim.
A jornada começou, de fato, quando embarquei rumo a Buenos Aires, onde dormiria por uma noite, antes de me encontrar com meus companheiros de expedição, o que aconteceu já na manhã seguinte, ainda no hotel. Juntos, voamos para Ushuaia, a cidade mais austral do mundo, onde embarcamos na casa flutuante que ocuparíamos pelos nove dias seguintes.
Experiência a bordo
Ficar na cabine? Claro que não! Saí explorando tudo o que o Ultramarine tinha a oferecer: academia, dois restaurantes, sauna, spa, sala de ioga, um lounge inteiro de vidro para observar a vista e até uma loja polar. Cada canto do navio é preparado para enriquecer a viagem, mas o que mais me encantou foram as palestras dos especialistas. Virou meu passatempo: entre trocas com pessoas de todos os cantos do mundo, goles de cerveja e páginas de livros viradas, historiadores, geólogos e biólogos nos preparavam com introduções sobre o que íamos ver nos próximos dias, o que tornava toda a experiência mais completa.
Como a Quark é também muito focada em segurança, os briefings diários eram obrigatórios e prendiam a atenção de todos — mas, claro, quando os primeiros icebergs gigantes despontavam, conseguiam desviar nosso foco: todos corriam para a janela, gritando: “uau”!
E em meio a essa jornada, tive sorte de principiante: apesar das famosas intempéries da passagem pelo Drake, nossa travessia pode ser considerada gentil. Eu diria que foram dois dias de Drake praticamente “lake”, com ondas tranquilas, embora suficientes para provocar leves desequilíbrios (e tombos), adicionando um pouco mais de aventura ao nosso trajeto.
O despertar na terra do gelo
E aqui estou eu, então, no momento em que me vejo chegando à Antártica. A animação para a descida no primeiro zodíaco (o melhor bote possível para oceanos imprevisíveis) era tanta que, após o café-da-manhã, corri para esperar a minha vez em um dos diversos decks. Comecei a avistar, longe no horizonte, barbatanas subindo para respirar. Tentei identificar a espécie, mas ouvi meu grupo sendo chamado pelo microfone. Nosso guia, Juan, avisou: “vocês vão ter uma grande surpresa”.
E não é que o que eu estava vendo eram alguns grupos de orcas?
O maior predador do continente, bem na nossa frente, nadando selvagem e livre, seguindo seu caminho. Em um mundo tão cruel, foi realmente emocionante ter o privilégio de admirar, por pelo menos 1 hora, esses animais tão dramáticos.
Do mar ao céu
À tarde, para aproveitar o dia inacreditável de sol, a líder de expedição trouxe mais um presente inesquecível: o aguardado voo de helicóptero. De repente, todos os passageiros ficaram enlouquecidos aguardando a vez de voar e ver, de cima, o branco da Antártica. Ganhei o assento da frente, com vista panorâmica para os icebergs, ao lado do piloto Simon. Foram 15 minutos de contemplação de natureza pura, de presença, de perceber o quanto somos pequenos nesse mundo tão gigante.
Descobertas diárias
As experiências acontecem duas vezes ao dia, quando as condições climáticas permitem. O segundo dia já começou com altas expectativas. Na primeira descida, navegamos por cerca de 2 horas por entre os icebergs — que formam obras de arte naturais com seus 20% de massa acima da água —, avistamos pinguins, os animais mais populares, e a foca-leopardo, o segundo maior predador desses mares. Também pudemos observar a grandiosidade das montanhas, misturadas entre gelo, neve e pedras vulcânicas. Pois é, descobri nesse dia que a Antártica possui centenas de vulcões, inclusive ativos.
Vida selvagem na Antártica
E chegou a hora de riscar mais um item da bucket list: pisamos no continente, em uma charmosa (e um pouco fedorenta) colônia de pinguins. Curtimos o fim da tarde observando os animais mais engraçados e curiosos no seu habitat natural. Os pinguins migram para a Antártica para procriar. Os filhotes nascem perto do Natal, para terem tempo suficiente para aprender a sobreviver na próxima migração antes do inverno. Portanto, observei os grupos de pinguins já crescidos, ainda trocando as penas e se alimentando da regurgitação dos pais. Uma cena bem divertida para uma tarde qualquer.
Para coroar a pegada no continente, foi a vez de o sol e a lua cheia revelarem seus mistérios. As luzes douradas do pôr-do-sol tocando o branco são fascinantes. Enquanto contemplava esse fenômeno mágico da natureza, meu pai me avisou: “a lua cheia está nascendo”. Nos viramos e a bola gigante amarela parecia brotar do mar, nos presenteando com a abundância de sua luz e a potência de sua força.
Navegação e preservação
Depois de todas as descidas, navegamos. Não permanecemos em um mesmo lugar, em nenhum momento. O roteiro começou pelo norte e fomos descendo mais ao sul. As travessias, aliás, também são momentos encantadores. Em uma delas, avistamos mais um grupo de orcas. A preservação ambiental é prioridade no maior deserto do mundo. O Tratado da Antártica, assinado em 1959, estabelece o continente como uma reserva natural dedicada à paz e à ciência, proibindo atividades militares. Quando deparo com esse tipo de situação, em que estou totalmente imersa na natureza pura, vendo animais livres concluindo seus objetivos de vida, sinto um misto de felicidade extrema, integrando todo o meu privilégio de estar aqui, com uma tristeza profunda ao saber que muitos outros não terão essa oportunidade. Basta observar e ser muito grata por estar aqui.
Aventura de caiaque
Podemos concordar que os dias estão se superando. No terceiro dia, mais ao sul na Baía Charcot, para minha surpresa, foi a vez de subir no caiaque e remar pelas águas quase congeladas. A Antártica tem, no verão, 1,5 vezes o tamanho dos Estados Unidos. No inverno, isso se torna 3 vezes, pois parte do mar congela totalmente. O velejador Amyr Klink ficou 7 meses imobilizado na Baía Dorian — estar tão perto da água, do gelo e dos animais dá um certo medo, confesso.
Não à toa, levamos um susto com uma das focas, que mergulhou e apareceu bem perto de um dos caiaques. Outra coisa que chamou atenção foi o silêncio. Ficamos alguns minutos apenas escutando os sons das ondas nos icebergs, do gelo batendo no caiaque, dos próprios icebergs craqueando. Uma melodia da natureza, tão sensível e poderosa, rara nos dias barulhentos de hoje.
Surpresas da natureza
E então a imprevisibilidade do tempo chegou. Desci ao encontro de mais uma colônia de pinguins, onde vi o único abrigo. A história da Antártica tem seu lado cômico: como não existiam moradores aqui, o que tornava mais difícil a documentação da chegada, qualquer um que desembarcasse podia afirmar que era uma conquista sua. Oficialmente, os russos e britânicos chegaram, quase juntos, em 1812. Na volta para o navio, ondas gigantes e ventos fortes deram um susto no bote, mas retornamos em segurança para o conforto de nossa casa.
As majestosas Jubartes
Se não bastassem todos esses momentos inesquecíveis, quem veio nos acompanhar no último dia foram as jubartes. Já no café-da-manhã avistamos inúmeras. O tempo fechado e gelado nos permitiu algumas horas no bote para observarmos o baleal se alimentar com krill (pequenos crustáceos) e questionar: como o segundo maior animal do mundo (o primeiro é a baleia-azul) consegue ser tão imenso e ao mesmo tempo sutil e suave? Na volta, fomos avisados do momento mais temido e aguardado: o Polar Plunge, ou mergulho nas águas polares. Com uma música animada e um shot de vodca no final, é uma experiência empolgante, até encostar a primeira parte na água e congelar tudo.
Fim da jornada
A última descida em terra foi distraída pelas jubartes. Mais uma colônia de pinguins, hora de nos despedirmos dos animais que mais nos fizeram companhia. Nesse trajeto, havia tantas baleias que o guia nos permitiu escolher qual grupo gostaríamos de observar. Ouvir seus sons e esperar pelos segundos fora da água são momentos que nunca vou esquecer. Quase não conseguimos voltar para o navio, porque uma baleia estava no meio do caminho.
Os dois dias de navegação na volta fizeram toda a diferença. Poder viver alguns dias em um lugar tão inóspito e selvagem me tirou um pouco da órbita da Terra. Parece que vivi um sonho, um universo paralelo, é até difícil imaginar a cidade.
Uma expedição pela Antártica nos faz questionar a vida, repensar atitudes, mergulhar na alma. Foram dois dias para poder ter a última conversa, abstrair os últimos detalhes e fazer as derradeiras reflexões antes de voltar para casa. Porque a gente volta diferente, mesmo. E com vontade de retornar quantas vezes pudermos, de novo e de novo.