Tão logo entrei na rodovia, que conecta o aeroporto de Austin ao centro, eu já notei mudanças drásticas na cidade. O motorista, muito animado, me contou que estava feliz em ver o SXSW florescer novamente. Para ele, é uma época de bastante trabalho e muita troca com seus passageiros. Até o português ele já arriscava um pouco. Mas não há como estranhar, o Brasil é um dos países estrangeiros com mais participantes no festival. E este ano, mais de 2 mil brasileiros desembarcaram na capital texana.
Enquanto no Brasil o SXSW é o festival de inovação que muita gente sonha conhecer, na Alemanha as pessoas mal ouviram falar dele ou torcem o nariz por ser nos Estados Unidos. Morando em Berlim há 3 anos, me dei conta de que a cultura estadunidense é beeeem menos relevante por aqui. No dia a dia, pouco olhamos para o outro lado do oceano.
Decidi voltar ao SXSW por estar num momento turbulento da vida. Retornar a um lugar tão especial, onde aprendi muito e vivi tantas coisas boas por mais de uma década, poderia ser a dose de otimismo que estava precisando. E não estava errada.
No último dia 11 de março, embarquei de Berlim rumo a Austin para a 36ª edição do SXSW. Na mala, uma agenda concorrida, muita animação e altas expectativas.
Foram 7 dias ouvindo conversas muito inspiradoras, assistindo a palestras que me trouxeram novas perguntas, conhecendo bandas, assistindo à estreia de filmes e reencontrando pessoas que eu não via desde antes da pandemia e conhecendo um monte de gente.
O conteúdo apresentado durante os 10 dias de festival soa infinito com seus 5 mil painéis, mas sorte a nossa que as palestras principais são todas gravadas e ficam disponíveis para serem assistidas posteriormente. Esse ano rolou também um grupo só para trocar áudio de palestras menores gravadas via Otter.Ai, que também é uma boa ferramenta para rever conteúdos que gostamos de ouvir. Olha a inteligência artificial já inserida na rotina do evento.
Mas se é possível ter acesso aos conteúdos mais relevantes sem precisar ir até o Texas, vale a pena investir tanto dinheiro para participar do SXSW? Para se ter uma ideia, o valor médio de investimento para ir ao festival é de R$ 20 mil, entre ingresso, hospedagem, passagem e alimentação.
Dá para aproveitar bastante do conteúdo já devidamente mastigado sem precisar sair de casa, mas há algo especial em estar lá: as pessoas que encontramos.
Foi num longínquo SXSW que conheci um dos meus melhores amigos na fila de um show. E a cada ano que volto, trago uma nova amizade especial. Esse ano um dos meus objetivos era reestabelecer meu networking, amortecido desde que me mudei do Brasil. E o fiz!
Por lá, as pessoas estão mais abertas para conversas e oportunidades não faltam. São festas, filas, esperas entre uma palestra e outra, balcão do bar, lobby do hotel e muitos outros lugares onde facilmente reconhecemos os “nossos”, que estão por lá, com o crachá do SXSW, nada discreto, pendurado no pescoço. Além disso, diversas comunidades vão se formando no WhatsApp, ambiente perfeito para cultivar os novos contatos.
No fim das contas, o SXSW é principalmente sobre pessoas e conexões. E essa foi uma das edições mais humanas que já fui, com o presente mais discutido do que o futuro.
A cada ano navego o festival de maneira diferente. Em 2019, foquei em música e tive uma experiência espetacular. Já este ano, decidi focar nos keynotes e nas featured sessions, que fazem parte da curadoria oficial do festival, em temas como inteligência artificial, sustentabilidade, cultura, política e Web3.
Nesta edição, a inteligência artificial, assunto presente em Austin há pelo menos uma década, virou a estrela do SXSW. Todos ávidos para ouvir sobre o impacto da inteligência artificial generativa, capaz de criar textos e imagens, música e vídeo a partir de solicitações feitas em linguagem comum:
Nomes de plataformas de inteligência artificial como ChatGPT, Midjourney, Stable Difusion e Dall-E eram ouvidos em todos os corredores, palcos e filas. Um frisson correndo solto entre o entusiasmo de como a inteligência artificial chegou no nosso dia a dia de uma maneira muito mais palpável e de como as pessoas estão com medo de perder o emprego. Essa foi uma discussão que persegui bastante, porque desde que descobri o ChatGPT em novembro do ano passado, não consigo mais viver sem ele. Claro que há diversas implicações a serem resolvidas, desde ética e regulamentação até discursos de ódio e direitos autorais.
Uma das palestras sobre inteligência artificial que mais gostei foi do Kevin Kelly, fundador da revista Wired, bem didático ao apresentar diferentes tipos de IA e explicar o quanto essas novas tecnologias são um recurso para automatizar nossas tarefas relacionadas à produtividade. Assim nós, seres humanos, nos concentramos em tarefas mais complexas e criativas.
Como disse Greg Brockman, um dos criadores do ChatGPT, a boa performance das máquinas depende do humano que está por trás dela. Já a futurista Amy Webb, numa das palestras mais concorridas do SXSW, falou que a inteligência artificial só ameaça quem produz conteúdo sem significado.
Depois de alguns dias trancada em salas de palestras, que ainda seguem o modelo tradicional, chegou o dia mais aguardado para mim: O festival de música é quando o SXSW muda completamente de cara. Fica menos careta, mais divertido e vibrante.
Diferentemente da maioria dos festivais, o SXSW não é sobre artistas conhecidos. Tem um ou outro artista famoso contratado por grandes marcas e plataformas, como o New Order e The Zombies, destaques desta edição.
Mas esta é a parte mais legal: Conhecer novos artistas e estilos musicais. Precisa ir de coração e ouvidos abertos para curtir. São cerca de 1.400 artistas e bandas se apresentando em cinco dias em todos os cantos da cidade. Tudo em Austin vira um palco para shows, onde a cerveja esse ano inflacionou, custando até 15 dólares (fora do SXSW custa 4 dólares).
Austin estava bem mais vazia que o habitual e encheu somente no fim de semana, quando já estava de partida. Enquanto estive por lá, resgatei minha alma rock and roll e assisti a ótimos shows de punk e rock. Me entreguei à noite islandesa e assisti ao Vök, uma banda de indie-electro que fez o icônico hotel Driskill tremer.
Encerrei o festival numa grande festa cercada de grandes amigos que me fez concluir que, de fato, o SXSW é sobre pessoas.
Sobre o SXSW
Para quem está um pouco perdido sobre o que se trata, vamos lá: O SXSW é considerado o maior festival de inovação do mundo e se divide em três grandes festivais: Música, TV & Cinema e Comédia, além de uma grande conferência que converge 25 grandes temas, todos eles para discutir inovação e o futuro. Tecnologia, psicodélicos, saúde, cultura, design, política, sustentabilidade, comida, esportes, viagem e lazer, games, metaverso e realidades estendidas são alguns dos tópicos discutidos.
Este ano teve também um tema dedicado ao ano 2050 com conversas que parecem saídas de um filme de ficção científica, mas que são ideias em desenvolvimento. Realidade sobre extensão radical da vida, física quântica, biologia sintética, nanotecnologia, inteligência artificial, agricultura da próxima geração, entre outras coisas, discutidas num outro patamar.
Em 2024, o SXSW acontecerá entre os dias 8 e 16 de março e os ingressos começam a ser vendidos em agosto de 2023. Os valores variam entre US$895 a US$1.495 no primeiro lote, pois é possível comprar apenas para um dos festivais ou para todos. De qualquer forma, todos os tipos de ingressos têm acesso a toda a programação, a diferença está nas prioridades de entrada.