Ir ao Berlin Atonal requer certo desapego para quem aprecia dias longos e ensolarados tão comuns durante o verão europeu. O festival tem uma longa história datada dos anos 1980, antes mesmo da queda do muro. Criado pelo alemão Dimitri Hegemann, o nome por trás do clube de techno mais antigo da capital alemã e um dos mais emblemáticos, o Tresor, que abriu suas portas em 1990, em funcionamento até os dias atuais.
Após a abertura do Tresor, a atenção de Hegemann se voltou para o clube fazendo-o encerrar as atividades do Atonal. Em 2013 o festival retornou com nova direção e num novo lugar, o Kraftwerk, uma antiga usina elétrica, hoje uma das locações mais incríveis de Berlim, famoso pelo pé direito de 20 metros de altura e pela amplitude de sua área de mais de 8 mil metros quadrados.
A minha primeira ida ao Berlin Atonal foi sozinha em 2016. Quem em sã consciência ia querer se enfiar comigo numa caixa preta num final da tarde para sair de lá só no começo da madrugada, enquanto fora dela o sol batia alto até umas 22 horas? Não consegui companhia e encarei 5 dias sozinha. Foi ótimo, afinal não é um festival para conversar.
O Atonal não é um evento para qualquer pessoa. Ele é difícil e diferente da maioria dos festivais de música eletrônica que se possa imaginar. Participam anualmente cerca de 170 artistas, entre produtores, artistas visuais e artistas sonoros, muitos deles comissionados para criarem uma obra específica para o evento.
No line-up muitos nomes conhecidos do techno, em especial do alemão, divididos em alguns palcos, sendo apenas um deles com clima de pistinha. O palco principal, que fica no grande salão com pé direito a perder de vista, apresenta as obras audiovisuais comissionadas. É sempre uma vertigem. É uma experiência de escuta e não de pista de dança. “Atonal” significa uma nota desarmônica fora do tom ou escala. E o festival rompe com o normal criando novas sonoridades e explorando novas fronteiras visuais. É um evento de estranheza sonora e de uma beleza de cair o queixo. É contemplativo, por isso, os mais agitados costumam estranhá-lo.
Eu preciso confessar, sou grande fã da música experimental e adoro me embrenhar por novas frequências sonoras. O Atonal promove tudo isso de maneira vanguardista. Claro, depois de horas de apresentações cabeçudas, a festa corre solta no OHM e no Tresor, dois clubes que ficam dentro do prédio do Kraftwerk. No ano seguinte eu retornei ao festival, desta vez com uns dez amigos a tiracolo, porém foram poucos os que gostaram do que viram e preferiram trocar o palco principal pelas pistinhas que rolavam paralelamente.
Com a pandemia, o festival voltou a acontecer em 2021, mas totalmente renovado incluindo um novo nome e num formato mais compacto: The Metabolic Rift. Não sabemos ainda o que será de 2022, se continua no formato que rolou em 2021 ou se retorna ao original ou se acontecerão nas duas versões. Mas, diferentemente do Berlin Atonal, o Metabolic Rift promoveu 7 dias de shows usando apenas o palco principal, que funcionou de diversas maneiras de acordo com o dia e com a programação. A cada dia um grupo de artistas se apresentava, contando com parcerias inéditas e estreias globais de turnês. Foi concorrido e a maioria dos dias tiveram seus ingressos esgotados. Foram vendidos separadamente, deixando toda a experiência mais cara. O tempo chuvoso e frio foi propício para se abrigar dentro do Kraftwerk.
Além dos concertos, criaram uma bela exposição de arte sonora e arte contemporânea com mais de 20 obras site specific de grande escala, ocupando de maneira inédita todo o prédio do Kraftwerk, incluindo áreas nunca utilizadas.
No fim das contas, o resultado do novo modelo se mostrou um sucesso e bem contemporâneo mantendo seu lado mais vanguardista. Eu, agora moradora de Berlim, torço para que em 2022 a gente tenha as duas edições. Torço ainda mais para que revejam a data do festival, porque quem mora em uma cidade como Berlim, sabe como os dias ensolarados são preciosos. Irresistível trocar qualquer pista por um dia no lago.
Quem se interessar, sugiro acompanhar o Instagram do Berlin Atonal – @berlinatonal.