Só quem vive o dia a dia do continente africano, com suas dores e delícias, suas maravilhas e tragédias, é capaz de explicar o sentimento avassalador e urgente de salvar o planeta que a África desperta. Dereck e Beverly Joubert vivem, há décadas, movidos por essa sensação pungente. Sul-africanos, exploradores e conservacionistas natos, desde muito cedo encontraram nas savanas as respostas para suas vidas. Dereck é cineasta e cinegrafista. Beverly, fotógrafa. Juntos contabilizam mais de 40 produções para a National Geographic, além de Emmys e outros prêmios, que os confirmam como dois dos mais importantes nomes do segmento, registrando minuciosamente os momentos mais impressionantes e raros da vida selvagem. Testemunhas da barbárie da caça ilegal, do abandono dos animais diante do crescimento das cidades ao redor de áreas de savana e das causas de comunidades que habitam essas áreas, Beverly e Dereck foram movidos pela necessidade de ir além dos registros. Juntos criaram a Great Plains Conservation, uma fundação que supervisiona, conserva e administra reservas de vida selvagem no Quênia, em Botsuana e no Zimbábue por meio do turismo. Hoje o grupo conta com 19 lodges e camps, que recebem viajantes do mundo inteiro para experiências de hospedagem e safáris inesquecíveis, em áreas completamente isoladas e abundantes em vida selvagem.
Na entrevista a seguir, Dereck conta um pouco sobre os desafios da conservação dos territórios africanos onde atua, dos planos da Great Plains e de como o grupo já conseguiu impactar positivamente a África com as suas ações de conservação.
![Great Plains Conservation](https://revistaunquiet.com.br/wp-content/uploads/2023/09/Selinda-Camp-otsuana.jpg)
![](https://revistaunquiet.com.br/wp-content/uploads/2023/09/Dereck-Great-Plains.jpg)
Como surgiu a necessidade de criar a fundação Great Plains Conservation?
Dereck Joubert: Por causa dos nossos trabalhos com a NatGeo, e com os nossos filmes, Beverly e eu tivemos um acesso incomparável e muito profundo às necessidades de conservação – e suas localizações. A partir disso, conseguimos compreender quais eram as ameaças e onde poderíamos desempenhar o papel de preservação. Assim, decidimos estabelecer a fundação para salvar esses corredores vitais e proteger áreas, bem como dar acesso a viajantes que queiram nos visitar e partilhar a nossa visão.
Como nasceu a ideia?
Na verdade, começou como uma ramificação da National Geographic Big Cats Initiative, um programa de mapeamento dos grandes felinos, que estuda onde esses animais estavam 15 anos antes, dez anos antes e cinco anos antes, e onde poderiam estar no futuro, em cinco, dez e 15 anos. Ficou óbvio para nós que os corredores vitais estavam sob ameaça e que, para salvar os leões, precisávamos mudar. Em vez de salvar um leão de cada vez, era preciso salvar áreas para os leões. Então a Great Plains foi o caminho.
Como o turismo se tornou parte do conceito da Great Plains Conservation?
Sempre acreditei que todo o conceito de preservação necessita de boas parcerias. A conservação das comunidades também precisa de financiamento, por isso as receitas baseadas no turismo comercial são importantes. Assim, o nosso modelo e os seus pilares combinam a conservação, as comunidades e o turismo. Um dos pilares fundamentais é que essa não é uma relação vertical e, para a nossa melhor saúde, precisamos de mentes saudáveis em corpos saudáveis, num ambiente saudável. Se cuidarmos do ambiente, e ele estiver numa boa relação com os seres humanos, prosperamos.
Como surgiu o primeiro acampamento? Pode nos falar um pouco sobre o processo?
Beverly e eu compramos primeiro uma área numa região chamada Selinda, em Botsuana. Não tínhamos dinheiro suficiente, mas arranjamos recursos e contraímos empréstimos para começar. Era uma área de concessão de caça, por isso tivemos de reconstruir os números da vida animal, bem como construir os acampamentos do zero. O acampamento foi fácil, mas demorou seis anos para que a vida selvagem se reinstalasse.
![Great Plains Conservation](https://revistaunquiet.com.br/wp-content/uploads/2023/09/Great-Plains-Food-and-School.jpg)
![Great Plains Conservation](https://revistaunquiet.com.br/wp-content/uploads/2023/09/great-plains-2.jpg)
Quais foram os maiores desafios no início? E os de hoje?
Acho que foi o trabalho de trazer a área de volta à vida após muitos anos de abuso. Quando começamos, os elefantes fugiam de nós, em pânico. Hoje você pode dirigir entre eles. Demoramos cinco anos para avistar um leopardo e hoje possivelmente podemos ver três ou quatro por dia. Como sempre, essas são operações dispendiosas, então precisamos cobrir esses custos, e convencer as pessoas a gastar menos dinheiro com elas mesmas é sempre um desafio. As pessoas nas áreas em que operamos precisam de trabalho, então temos gastado muito tempo e dinheiro construindo camps e lodges, principalmente para que possamos gerar trabalho e empregos.
Você pode nos falar sobre o conceito de conservação aplicado pelo grupo de uma forma prática, na rotina dos acampamentos? No início, o que nos importava era cultivar áreas para os grandes felinos. Vivemos diariamente com isso, protegendo-os. No momento, um cálculo aproximado é que protegemos cerca de 2% dos leões e chitas, elefantes e búfalos do mundo. Mas cada camp tem seu próprio programa, sempre baseado nos projetos da Fundação Great Plains. Em um acampamento, trata-se de arrecadar dinheiro para os rinocerontes, por exemplo. Em outro, o fundamental são os recursos para a educação das crianças. Varia conforme a necessidade de cada área. Na causa dos rinocerontes, por exemplo, identificamos que os animais estavam sendo escalfados na África do Sul a uma taxa de um a cada seis horas e começamos a movê-los por meio do programa Rhinos Without Borders. Movemos 87 e, desses animais, que teriam sido mortos, tivemos 68 filhotes nascidos em seus novos habitats. No Zimbábue, movemos 100 elefantes e 200 outros animais para locais seguros, e agora estamos monitorando todos diariamente.
![Great Plains Conservation](https://revistaunquiet.com.br/wp-content/uploads/2023/09/Rhynos-Without-Borders.jpg)
![](https://revistaunquiet.com.br/wp-content/uploads/2023/09/great-plains-1.jpg)
Quais mudanças foram alcançadas, tanto na natureza quanto no que diz respeito às comunidades, com os programas de conservação nas áreas de concessão do grupo?
Posso dar muitos exemplos: financiamos mulheres de comunidades para passarem seis meses na Índia aprendendo tecnologia solar, para trazerem de volta e iniciarem um negócio comunitário de energia solar em Botsuana. Agora as famílias podem fazer as coisas mais simples, como carregar um celular em casa sem que a bateria seja roubada em uma estação de troca comum, ou não pisar em escorpiões e cobras à noite. Também construímos pontes que permitem que as crianças cheguem às escolas durante as inundações. Nosso projeto Energia em um Pote, dado às crianças nas escolas, fez com que a frequência e as notas disparassem, porque agora elas podem estudar em casa com essas “lanternas”, depois de escurecer. Além disso, consideramos o trabalho associado aos leões um marco, tendo salvado 4,5 mil deles ao longo de cinco anos, e desempenhado um papel nas mudanças de legislação e na expansão das áreas de conservação.
Vocês têm projetos voltados para as comunidades, como escolas e hospitais?
O programa Solar Mamas apoia a educação das mulheres em energia sustentável, e a fabricação de painéis solares é um deles. Financiamos 25 professores e nosso esquema de alimentação atende 11,8 mil crianças necessitadas, todos os dias. Estamos financiando o prédio para uma escola na região do Maasai Mara com instalações de alta tecnologia. Há programas de bolsas de estudo e temos uma clínica oftalmológica móvel, que trazemos regularmente para Botsuana e para o Quênia.
Qual é a situação da África pós-pandemia no que diz respeito à conservação da vida selvagem?
Houve duas pandemias, a viral e a da caça furtiva. Esta explodiu na África. Por isso, precisamos dos olhos do turismo para o “nosso chão” e também do dinheiro proveniente dele.
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