Cerca de 60 pinturas do artista estadunidense expatriado John Singer Sargent (1856-1925), considerado o “principal pintor de retratos de sua geração”, estão expostos na Tate Britain, em Londres, a partir desta quinta, 22 de fevereiro. O conjunto da exposição ‘Sargent’s Style: Portraits and Fashion’, distribuído por nove salas temáticas, inclui grandes retratos, que raramente são deslocados, e várias peças de vestuário e acessórios de época, estrategicamente expostos ao lado dos retratos correspondentes.
Para deleite de uns e olhares revirados de outros, a exposição lança uma nova abordagem sobre a obra de John Sargent ao explorar a forma como o pintor atuava também como um estilista para definir a imagem de seus retratados – com quem muitas vezes tinha relação próxima –, escolhendo e ainda ajustando partes da indumentária vestida por eles nos quadros. Sargent chegava a criar detalhes e mudar cores dos trajes nas pinturas, até obter o resultado desejado. Não à toa, Andy Warhol (1928-1987) observou certa vez que Sargent fez todo mundo parecer glamouroso. Mais alto. Mais esguio.
A abordagem gerou controvérsia no meio artístico – como um convidado bem-vestido que chega a uma festa monótona, trazendo uma animação necessária e provocando levantadas de sobrancelhas entre os presentes. Enquanto parte da crítica de arte argumenta que a mostra é obcecada pela moda (presumivelmente ofuscando a profundidade artística e o impacto emocional das pinturas de Sargent), a mídia especializada em moda ergue brindes orgulhosos a essa mistura inovadora, com seus champanhes metafóricos.
Para estes últimos, o ângulo da mostra atrai dimensões antes inexploradas ao entendimento do trabalho de Sargent – ainda que esse novo olhar aconteça somente um século após a sua morte.
Crítica mordaz
No ‘The Guardian’, que classificou a exposição como “farsa tragicômica”, a curadoria de ‘Sargent’s Style: Portraits and Fashion’ foi criticada por não entender a arte do pintor, tratando-o como um retratista de moda, em vez de um artista relevante da vida moderna. Esse ranço é provavelmente alimentado em parte pelo fato de que arte e moda raramente são abordadas lado a lado em uma instituição de peso, ainda mais do porte da Tate Britain. Sem contar os longos séculos de descaso com detalhes e informações sobre o vestuário dos retratados em grandes obras.
Já o cerne da apreciação positiva da imprensa de moda reside na habilidade de Sargent em capturar a opulência de sua época – não apenas por meio de seus retratados da alta sociedade, mas também pela representação meticulosa de tecidos e roupas: sua habilidade em retratar vividamente texturas, como a fluidez dos vestidos, é destacada em vários trabalhos expostos.
“Como jornalista de moda, o que me impressiona é a beleza da técnica de Sargent”, cravou Sarah Mower na Vogue Britânica, em uma longa e elogiosa reportagem sobre ‘Sargent’s Style: Portraits and Fashion’.
“A maneira como ele captura as texturas, a cor e o fluxo dos vestidos; o sussurrar quase sinestésico da seda, as dobras pesadas do cetim, a vibração do chiffon, a profunda palpabilidade do veludo que ele evoca. E todo esse movimento!”… “Como a exposição revela, Sargent manipulou a moda com a mesma fluência que usou seus pincéis de cabo longo para se gabar e correr em suas telas”, concluiu a jornalista.
+ Descubra exposições, hotéis e passeios em Londres publicados na UNQUIET
Vogue + Sargent + Kidman e Meisel
Falando em Vogue e Sargent, em junho de 1999, a edição norte-americana da revista de moda publicou um editorial espetacular, pelas lentes do aclamado Steven Meisel. Nicole Kidman encenou uma série de reinterpretações dos retratos de John Singer Sargent, alternando entre a fidelidade e a imaginação – com o adendo da própria personalidade da atriz.
Já em 99, a confluência entre arte e moda esboçava uma perspectiva singular e atemporal do trabalho de Sargent.
Identidade e personalidade
De acordo com a apresentação da Tate, Sargent usava a moda como ferramenta poderosa para expressar identidade e personalidade. E esse uso inovador do traje foi central em sua arte, permitindo a ele expressar sua visão como artista.
Vale lembrar que, apesar de ter nascido em Florença e começado carreira em Paris, John Sargent, filho de pais estadunidenses, considerava Boston e Londres seus lares. E outra curiosidade: a alta costura surgiu em Paris durante o século XIX e foi estabelecida (e denominada) formalmente no início do século XX, coincidindo com a trajetória do pintor.
‘Sargent’s Style: Portraits and Fashion’ certamente ilumina as complexidades intrigantes do trabalho de John Singer Sargent e também a própria exposição da Tate. Independentemente das críticas, a mostra promete renovar a percepção da vida e da obra do artista, atraindo um público fascinado por moda e também admiradores de arte. Entre abotoaduras de ouro e laços de neón, todos encontram seu espaço.