A ideia de viajar para lugares distantes e isolados sempre me fascinou. E, por sorte, a profissão de jornalista já me levou para alguns cantos do mundo aonde pouquíssimas pessoas um dia pensaram em ir. É o caso de Kivalina, uma das vilas mais isoladas do estado norte-americano do Alasca, a cerca de 100 km do Círculo Polar Ártico e com um catastrófico destino traçado: nos próximos três anos, ou seja, até 2025, ela será coberta pelo mar e se tornará o primeiro lugar a desaparecer em consequência do aquecimento global.
Eu estive em Kivalina oito anos atrás e os moradores já sabiam que teriam que abandonar suas casas. O governo tentava realocar as famílias, mas elas resistiam ‒ e resistem até hoje.
Meu voo até a vila aconteceu em janeiro de 2014. Confesso que eu estava apreensiva, ansiosa e curiosa sobre a experiência que viveria por lá. A aventura começou no avião, que eu não indico para quem tem medo de voar. Do lado de dentro, a aeronave, entre oito e dez lugares, tinha uma aparência descuidada, com todas as poltronas danificadas de alguma forma. Do lado de fora, no lugar das rodas do trem de pouso, estavam dois esquis enormes, pois não teríamos exatamente uma pista, e sim um enorme volume de neve como única opção para pousar.
E lá estava eu, sobrevoando a região ártica, no topo do mundo. Pela janela, se viam imagens da tragédia anunciada: na camada de gelo, sobre o oceano, que deveria estar totalmente congelado, muitas rachaduras e buracos profundos.
Logo após o pouso, tive meu primeiro contato com os inuítes, moradores de Kivalina, pertencentes a uma comunidade indígena de esquimós. A temperatura estava em -2⁰ C, com a sensação térmica de -10. O normal seria -30, -40⁰ C.
E eles riam de me ver muito agasalhada, mas muito mesmo. Afinal, se sentiam na temperatura de primavera. Mais uma mostra do quanto os termômetros na região estão subindo.
Saio pela vila e é impossível não ficar angustiada sabendo que tudo está fadado a desaparecer. Um enorme muro foi construído pelos próprios moradores para tentar segurar as ondas, cada vez mais intensas. É que o degelo provocado pelas temperaturas mais altas está deixando a camada de gelo que cobre o mar cada vez mais fina. O solo, já frágil na região, sofre cada vez mais erosão. E vai chegar um momento, dizem os especialistas, em que não será mais possível conter o avanço das águas, que levarão Kivalina para o fundo do oceano.
O dia só dura três horas nessa época. Amanhece ao meio-dia e, às 3 da tarde, está escuro novamente. Eu olho as crianças aproveitando cada segundo da luz solar para brincar ao ar livre, pensando que nem de longe imaginam a ameaça que paira sobre todos. O aquecimento da região altera cada vez mais os hábitos dos animais, dificultando a sobrevivência da maioria dos moradores, que dependem da caça e da pesca para viver. Quem continuar ali, além da ameaça de a vila ser invadida pelas águas, vai passar fome e não terá emprego.
Os pesquisadores não param de alertar: se Kivalina desaparecer, o planeta inteiro sofrerá as consequências. A história dessa vila vai se repetir em outros lugares? Será que um dia ficaremos todos sem ter para onde fugir? Do que podemos ter certeza é que o problema de Kivalina não é só de seus habitantes. É de todos nós.