Por um ano e meio, Giovanna e eu seguimos à risca as recomendações da Organização Mundial de Saúde. Vivíamos aquela série de abstinências: os amigos, a família, o trabalho e, além de tudo isso, a viagem. Sentia uma saudade gigante de sentir saudades de casa. Foi Alexandra, minha sogra, quem deu a ideia: “Quando é que vocês vem para Araguari?”
Giovanna, minha companheira, nasceu no Triângulo Mineiro, onde seus pais moram até hoje. O leitor talvez conheça sua cidade por esta piada batida. “O Triângulo Mineiro”, diz o engraçadinho, fazendo sotaque caipira, “tem três Bs: Beraba, Berlândia e a bosta de Araguari.” A piada, além de velha, é injusta. Arrisco dizer que, das cidades do Triângulo, Araguari é a mais charmosa, justamente por não almejar o status de metrópole ‒ que Uberlândia sempre almeja, sem grande sucesso.
Ao contrário das irmãs mais populosas, Araguari preserva sua natureza exuberante. Ela está cercada de cachoeiras por todos os lados. Reza a lenda que são 150, só no município. Além disso, sua população negra produz uma das festas de congado mais bonitas do país. Vale conferir, em outubro, no Dia de Nossa Senhora, ou Dia das Crianças. Como se não bastasse, o Bosque JK, uma homenagem dupla, a John Kennedy e a Juscelino Kubitschek, garante um espaço de floresta densa no coração da cidade, com um ótimo parquinho de crianças e um restaurante delicioso.
Dito isso, resolvemos fugir da pandemia para visitar a avó em Araguari, e aproveitar para trazer de lá um carro que o meu sogro tinha dado de presente à filha. Fazia tempo que precisávamos trocar nosso Fiat 500 por algum carro que não nos obrigasse a ficar de cócoras para entrar. Giovanna e eu somos baixinhos, então aguentamos por um tempo. Mas a chegada da Marieta foi a gota d’água. Não havia bebê-conforto que coubesse espremido no banco de trás. O Fiat 500 é um carro que funciona para um solteiro baixinho e contorcionista, e não para uma família com uma criança de 3 anos.
De Araguari ao Rio de Janeiro, de carro, são 14 horas, segundo o Google… Mas a gente fez em uma semana. Primeiro paramos por três dias na Serra da Canastra. Você talvez conheça a serra só pelo queijo. Já bastaria para visitá-la. Além disso, também nasce ali o Rio São Francisco. E não nasce discretamente, mas com uma queda-d’água monumental: a Cachoeira Casca d’Anta.
Dali descemos para Tiradentes, não pela BR, mas pelas MG, estradas sinuosas que cruzam o estado de cabo a rabo. Passamos um dia inteiro zanzando em ziguezague – perder-se faz parte da experiência mineira. Não tem nenhuma cidade em Minas que não tenha uma especialidade imperdível que não se encontra em nenhum outro lugar. Almoçamos uma carne de lata inesquecível na cidade de Formiga, lanchamos um delicioso pão com linguiça num bar em Morro do Ferro e no final do dia jantamos um leitão no Ateliê Gastronômico, em Tiradentes – peço desculpas aos veganos, mas o mineiro é movido a proteína animal.
Empanturrados, fomos dormir em Desterro do Melo, onde amigos fizeram uma comunidade chamada Refazenda. A casa coletiva abriga toda sorte de exilados da cidade grande: artistas, ativistas, foragidos. Passamos dois dias intensos, ouvindo e contando histórias, e jogando jogos sem tabuleiro.
Voltamos para casa preenchidos de histórias (e leitão). A pandemia ainda duraria alguns meses. Mas tínhamos ganhado um tesouro. Sabíamos que, quando estivéssemos cansados da cidade grande, sempre teríamos as montanhas mineiras e sua gente iluminada. Como diz o filme: “We’ll always have Minas”.
Crônica publicada na edição 11 da Revista UNQUIET.