Em São Sebastião da Grama (SP), na divisa de Minas Gerais, ficam as fazendas Irarema e Rainha, que produzem azeites e cafés de qualidade graças ao clima e ao relevo de terras altas e solo vulcânico. Ambas estão situadas dentro da Caldeira Vulcânica de Poços de Caldas, uma formação típica de caldeira de um vulcão que teria existido há cerca de 80 milhões de anos.
Nosso roteiro pela Serra da Mantiqueira passa pela Capela Santa Clara, projetada por Oscar Niemeyer, e ruma ao norte, em direção a Botelhos (MG), até um jequitibá milenar na Fazenda Sertãozinho. De lá, segue para as vinícolas Estrada Real e Bárbara Eliodora, nas cidades mineiras de Caldas e São Gonçalo do Sapucaí, produtoras de vinhos finos de inverno. Além da emocionante roadtrip a bordo de uma Mitsubishi Pajero Sport, trata-se de uma viagem afetiva, que mistura paixão pela terra, história, tecnologia e sustentabilidade.
Vem com a gente!
FAZENDA IRAREMA
Do café ao azeite com energia solar
Ao entrar na Irarema, que durante dois séculos foi produtora de café, as primeiras oliveiras remetem à história de Maurício e Mônica Carvalho Dias, que em 2014 recompraram a propriedade, que havia sido da família, para iniciar o cultivo orgânico de oliveiras.
Em 2015, sob a supervisão do filho Moacir Carvalho Dias, olivicultor e azeitólogo, foram plantadas 5 mil oliveiras. Três anos depois, a primeira safra resultou em 260 garrafas de azeite. Curioso para avaliar seu blend e incentivado pela irmã, Gabriela, Moacir mandou uma amostra para o New York International Olive Oil Competition. Resultado: o Irarema foi escolhido o melhor azeite da competição, recebendo o prêmio Best in Class.
Hoje a Irarema tem uma linha completa de azeites condimentados, sendo o carro-chefe o Azeite de Oliva Extra Virgem Suave, feito com azeitonas recém-colhidas, que apresenta aromas herbáceos e acidez de apenas 0,2% (medalha de ouro de 2022 no EVO IOOC, na Itália).
A Irarema ainda mantém uma pequena produção de cafés especiais, em homenagem a seus antepassados, mas toda a família se dedica ao turismo rural e à produção sustentável. O Irarema é o primeiro azeite do Brasil a ser produzido exclusivamente com energia solar. Mauricio, o simpaticíssimo pai de Moacir, mostra com orgulho o aplicativo que controla a eficiência dos painéis solares. “Olha aqui”, diz, apontando a tela de seu celular, “em três anos, já gerou energia para 466 mil banhos de chuveiro e evitou mais de 64 toneladas de emissão de CO₂. E faz um ano que eu pago zero de energia.”
Além disso, os excedentes e subprodutos da fábrica de azeite são usados na elaboração de cosméticos e sais de banho 100% naturais, vendidos na loja administrada por Mônica, mãe de Moacir. Na produção de azeites da Irarema, nada se perde. Quem ganha é o planeta
fazendairarema.com.br
FAZENDA RAINHA
Pioneira em olivicultura no Brasil
A Rainha, em São Sebastião da Grama, é uma das cinco fazendas do Grupo Sertãozinho, reconhecido por seus cafés especiais, da marca Orfeu. Apesar da boa produção, algumas áreas em regiões mais altas e frias estavam inativas. O proprietário, Roberto Irineu Marinho, pediu para que uma nova cultura fosse plantada e a sugestão do engenheiro agrônomo e atual diretor das Fazendas Sertãozinho, José Renato Gonçalves Dias, foi apostar na produção de azeite, um produto pouco explorado pelo Brasil na época.
Em 2009 foi feito o primeiro plantio de oliveiras e, em 2013, a primeira colheita, de apenas 100 kg. Cinco anos depois, a produção saltou para 140 toneladas. Hoje o azeite Orfeu acumula prêmios internacionais e duas medalhas de ouro no concurso italiano EVO International Olive Contest.
O engenheiro agrônomo da Rainha, Alexandre Marchetti, atribui o sucesso dos azeites Orfeu, 100% extravirgem e com acidez abaixo de 0,2%, a vários fatores, como o terroir, o conjunto de condições de solo vulcânico, a topografia e o clima da região, as variedades de suas oliveiras e a extração a frio, em menos de duas horas após a colheita, o que exige uma logística primorosa. O resultado do esforço compensa. O Orfeu está no segmento premium de azeites e sua embalagem sofisticada é um item de design, ideal para ser presenteado.
No alto de um morro da Fazenda Rainha fica a Capela Santa Clara, uma das últimas obras de Oscar Niemeyer. Inaugurada em 2008, ela é inteiramente branca, contrastando com o verde da paisagem. Seu interior é simples e, atrás da porta, há uma frase assinada pelo arquiteto: “Trata-se de um homem a olhar, surpreso, este universo fantástico que nos cerca. Neste, uma cruz se destaca, a lembrar aos que chegam a ideia de Deus, que tudo criou”.
Da capela, o administrador, Lucas Franco, nos levou para visitar um jequitibá-rosa de 1.500 anos, com quase 50 m de altura, que se ergue majestoso numa encosta íngreme, entre os milhões de pés de café de outra fazenda do grupo, a Sertãozinho, na cidade de Botelhos. O jequitibá fica numa área de propriedade privada e a visitação é restrita a convidados, para preservar a árvore. Mesmo de longe é possível apreciar sua grandiosidade.
cafeorfeu.com.br
VINÍCOLA ESTRADA REAL
A revolução que gerou os vinhos de inverno
Até o ano 2000, os estados do Sudeste e Centro-Oeste só produziam uvas e vinhos de mesa. As regiões eram inadequadas ao plantio de uvas viníferas, cuja colheita acontece no verão, a estação em que as chuvas encharcam o solo e trazem doenças para os frutos.
Em 2001, porém, o agrônomo Murillo de Albuquerque Regina, pós-doutor em viticultura e enologia pela Université de Bordeaux, na França, e pesquisador da Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais), criou a técnica da dupla poda: uma primeira poda é feita em agosto e uma segunda em janeiro. A planta reinicia seu ciclo e as uvas são colhidas entre o final de julho e o início de agosto, escapando das chuvas. Murillo “hackeou” as videiras forçando um reboot no ciclo de produção da planta.
Murillo implantou a dupla poda em sua vinícola, em Três Corações (MG) e, em 2003, colheu sua primeira safra. O resultado foi um sucesso: nascia o “vinho de inverno”, uma revolução na vitivinicultura do Brasil.
O primeiro vinho produzido por dupla poda a entrar no mercado foi o Primeira Estrada Syrah safra 2010. Desde então, a Vinícola Estrada Real coleciona prêmios. Em 2020, o rótulo Primeira Estrada Syrah Gran Reserva 2018 foi premiado como o melhor Syrah brasileiro na Wines of Brazil Awards. A visita à Estrada Real, em Caldas (MG), é uma experiência completa, das videiras à cave de espumantes e wine bar e restaurante, com uma vista belíssima da região e um menu criado especialmente para se harmonizar com os principais rótulos da vinícola.
vinicolaestradareal.com.br
AVENTURA RURAL COM CHUVA E LAMA
Saindo de Caldas pela BR-459, encontramos uma interrupção no km 68, entre Ipuiuna e Senador José Bento. Pegamos o desvio pelo bairro dos Florianos, uma estrada rural inteiramente de terra. A chuva intensa, porém, tinha transformado a estradinha, sinuosa e estreita, em um lamaçal, com carros nos dois sentidos, e alguns atolados. Foram 5 km de muita atenção, mas nenhuma tensão. A Pajero Sport Mitsubishi tem um Off Road Mode, com quatro opções de piso. Acionamos o botão “lama” e vivemos uma aventura segura, de belas paisagens, até voltar ao asfalto.
VINÍCOLA BARBARA ELIODORA
O melhor do enoturismo em São Gonçalo do Sapucaí
O endereço é simples: km 788 da Rodovia Fernão Dias. O destino é sofisticado. A Vinícola Barbara Eliodora fica numa área privilegiada, um “terroir mineiro”, que proporciona aos vinhos finos ali produzidos sabores e aromas únicos. O visitante se depara com uma imensa alameda, sombreada por árvores que formam a entrada principal da propriedade. Ali começa a visita, guiada pelo professor de sociologia e geografia Franklin Batista Pedro, que conta que a vinícola surgiu em razão da amizade entre Guilherme Bernardes Filho e Murillo Albuquerque Regina, o criador da dupla poda e proprietário da vinícola Estrada Real.
Em 2010, Murillo serviu uma garrafa da primeira safra de uvas Syrah para o amigo provar. Guilherme ficou surpreso com a qualidade do vinho ‒ era inacreditável que fosse o fruto de uma produção local. Animado com a descoberta, Guilherme decidiu criar a sua própria vinícola, com a supervisão de Murillo, em 2015 se iniciava a história da Vinícola Barbara Eliodora, cujo nome homenageia a poetisa e heroína da Inconfidência Mineira, que morou em São Gonçalo do Sapucaí.
Três anos depois, a vinícola produziu o primeiro vinho. Em 2020, ela participou do International Wine Challenge 2020, ganhando a Medalha de Bronze para o Barbara Eliodora Syrah 2018 e a menção honrosa para o Barbara Eliodora Sauvignon Blanc 2019.
Tudo na propriedade é sustentável, reciclável ou adaptável. A área do restaurante é a única estrutura construída para a vinícola. Todo o resto foi reaproveitado de antigas instalações usadas na produção leiteira, incluindo a capela e a futura sala de cinema. Eucaliptos plantados na propriedade viram serragem, que é misturada ao adubo. Se qualquer árvore precisar ser removida, novas árvores são plantadas, e 70% de toda a energia da fazenda vem de energia solar. A visita vai das videiras à produção e culmina com a degustação de três rótulos comercializados pela vinícola, servidos com queijos especiais. Terminado o tour com o competente Franklin, o ponto alto é almoçar no charmoso Winebar Barbara Eliodora, cujo menu oferece ao visitante uma experiência gastronômica que desperta o desejo de voltar.
vinicolabarbaraeliodora.com.br
Toda viagem produz memória, aprendizado, contemplação e reflexões sobre a nossa presença no planeta. Foi surpreendente descobrir que cruzamos uma área onde milhões de anos atrás existiu um vulcão, ver o Sol se pondo sobre a imensidão de um vale repleto de pés de café, dimensionar o tempo ao lado de um jequitibá milenar, aprender que o azeite é extraído das azeitonas em tão poucas horas, caminhar entre as videiras e acompanhar o processo que transforma suas uvas em bons vinhos.
O mais incrível é pensar que tudo isso está ao nosso alcance e começa bem ali, na garagem. É só abrir a porta do carro, partir e viajar, com a mente pronta para descobrir e a certeza de poder voltar.
Clique aqui para ler a matéria na íntegra na edição 11 da Revista UNQUIET.