Mais livros

Romances clássicos, relatos de um marinheiro, um roteiro de iguarias e mais leituras que me fizeram companhia em vários lugares do mundo

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Aqui mesmo neste espaço já fiz um roteiro de livros que inspiram viagens. Juntei volumes que sempre me provocaram, seja pela paixão com que os autores descrevem determinados lugares, seja pelo espírito de aventura (modo “unquiet”!) que eles sugerem. 


Em títulos como Grande Bazar Ferroviário (Paul Theroux), Viagem a Portugal (José Saramago) e Na Patagônia (Bruce Chatwin), reuni narrativas fortes e originais que evocavam diretamente a experiência de viajar. Mas há outras obras que por caminhos inesperados já foram grandes companheiras de viagem.

Nesta nova seleção que fiz aqui para você, vamos falar indiretamente de itinerários. Nem sempre, nesses livros que escolhi agora, você vai encontrar uma referência direta a um canto do mundo. E quando ela existe, como a gloriosa Istambul de Orhan Pamuk, serve mais como pano de fundo do que como personagem principal.


O que nos desperta a vontade de viajar pode estar num romance clássico, nos relatos de um marinheiro, num roteiro de iguarias. O que interessa nessas leituras que indico é a companhia que esses livros me fizeram em vários lugares pelo mundo. E eu espero de verdade que, aceitando minhas sugestões, eles se tornem também bons parceiros nos seus próximos destinos.

livros que inspiram viagens - morro dos ventos uivantes
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livros que inspiram viagens - o museu da inocência

O morro dos ventos uivantes
Emily Brontë

Toda a trama desta obra-prima do século 19 se desenvolve de maneira tão lenta, que seria fácil introduzir este clássico como um antídoto perfeito para esses tempos onde todos estamos tão conectados que as emoções humanas são celebradas e destruídas com a rapidez de um twitter. Mas o livro, claro, é muito mais do que isso. 


Esta é a saga mais apaixonante e apaixonada jamais criada, de um personagem inesperado chamado Heathcliff. O patriarca de uma família que vive numa granja em Yorkshire, na Inglaterra, traz um menino órfão de uma viagem e ele se torna o centro das atenções da história, atraindo as coisas mais positivas, como o amor de Catherine, e negativas, como o ciúmes dos Hindley, seus irmãos adotivos.
Banido da casa quando os pais de Catherine e Hindley morrem, ele volta milionário, mas o amor da sua vida já estava casada. Segue então uma tristeza atrás da outra. Tudo acaba mal, mas tudo é sublime e numa paisagem tão evocativa quanto o título da obra sugere.

O museu da inocência
Orhan Pamuk 

Outra história de amor, esta mais contemporânea e num cenário mais urbano: a cidade de Istambul, entre meados da década de 1970 e os anos 2000. Um casal moderno está prestes a se unir quando o noivo, Kemal, reencontra uma parente distante, Füsun. O equilíbrio amoroso é rapidamente destruído e as paixões de Kemal nos levam a um roteiro espetacular dessa cidade que nunca deixará de ser misteriosa.
E romântica! Pamuk já tinha recebido o Nobel de Literatura quando escreveu esse pequeno clássico. E o romance nele contido mexeu tanto com as pessoas (e com o próprio autor), que o livro virou um… museu. Literalmente.
A obsessão de Kemal faz com ele construa sua paixão em cima de objetos e suvenires que ele pode associar à presença de sua amada. E isso inspirou Pamuk a criar o Museu da Inocência em 2012. Instalado numa casa antiga em Çukurcuma, na região de Beyoglu, suas salas são decoradas com vitrines de objetos que evocam as próprias histórias dos capítulos do livro. 
Não é preciso ter lido o romance para apreciar o museu, mas eu desafio quem o visita a não querer saber mais sobre essa história tão apaixonante quando a cidade onde ela se desenrola.

O cantor de tango
Tomás Eloy Martínez 

Novamente uma grande cidade, desta vez, Buenos Aires, como pano de fundo para uma história de uma obsessão. Mas não é por uma mulher, mas pela música. Um pesquisador americano quer se aprofundar nas origens do tango e segue, para isso, um guia “borgiano”, nos passos do grande autor argentino, Jorge Luis Borges. 
O livro é um labirinto de memórias e registros dessa cidade apaixonante, com o pesquisador, Bruno Cadogan, seguindo pistas de um cantor misterioso que nunca gravou um disco e só faz apresentações ao vivo nos endereços mais insólitos da capital argentina. A voz de Julio Martel, reza a lenda, evoca os primórdios do tango e vê-lo de perto se torna uma missão para Bruno.
É quase possível ouvir Martel cantando entre os capítulos do trabalho de Martínez, que já tinha se estabelecido com um grande autor argentino com o livro Santa Evita, uma alucinada narrativa sobre o corpo da improvável heroína de toda uma nação. Mas em O cantor de tango, Buenos Aires parece estar mais viva e linda que nunca. E você viaja por esse roteiro de música e paixão.

Volta ao mundo
Anthony Bourdain e Laurie Woolever

A figura de Anthony Bourdain é quase mitológica. Autor de vários livros, ele revolucionou não apenas os formato de programas de gastronomia na TV, como também a maneira de escrever sobre o assunto.
Seus livros são menos roteiros de viagens do que uma colagem de anotações pontuais, não apenas das coisas que ele come como também da cultura em volta de determinado prato ou mesmo das pessoas que elaboram o que vai ser servido à mesa.
Volta ao mundo saiu depois de sua morte, em 2018 e, ironicamente, não foi escrito exclusivamente por ele. Sua companheira em muitas aventuras, Laurie Woolever, amiga de longa data, fez um belíssimo trabalho de resgate de suas últimas aventuras.
O resultado é não apenas o retrato mais transparente de Bourdain, mas ainda uma coleção de dicas preciosas para quem gosta de viajar por roteiros alternativos. Mas atenção: este é não é exatamente um guia de viagem mas um testamento de amor à gastronomia e às pessoas que giram em torno dela. E uma celebração de um espírito realmente indomável.

livros que inspiram viagens - o cantor de tango
livros que inspiram viagens - volta ao mundo anthony bourdain

Atlas de nuvens
David Mitchell

Um romance dentro do outro, que está dentro do outro, que está dentro do outro, que está dentro do outro… A gente chega até a se perder no meio das seis histórias que seu livro costura com um requinte raramente visto na literatura contemporânea.
Um pouco como o livro de Calvino que citei, Mitchell também passa por vários estilos literários, épocas diferentes e personagens distintos. Mas a genialidade do livro está em deixar o leitor perceber que tudo está conectado, de um navio sendo reparado no meio do oceano Pacífico em pleno século 19 às comunidades pós-apocalipse num Havaí distante de um futuro incerto.
Nesse percurso, ainda passamos por um jovem músico que vai trabalhar com um obscuro compositor na Bélgica dos anos 1930; uma jornalista intrépida na Califórnia dos anos 1970; uma trama dos bastidores do mundo literário na Londres contemporânea; e a história de uma garçonete num futuro próximo na Coreia, que aparentemente foi reunificada. 
Vertiginoso? Sim. Mas é impossível não ser seduzido pela escrita de Mitchell, que aos poucos vai avançando no tempo e nos dando pista de como todas essas histórias estão conectadas. E o melhor: do meio para o fim, o autor retoma cada uma delas nos fazendo retornar até o século 19 em reviravoltas sensacionais. 

Se um viajante numa noite de inverno
Italo Calvino

Imagine que você é o próprio viajante num itinerário fascinante. Aliás, não precisa nem imaginar: na primeira frase desse trabalho de um dos melhores escritores italianos do século 20, você já embarca com ele para uma aventura inesquecível.
A viagem é menos pelo mundo geográfico do que pelo universo da literatura. Livros, ou ainda, um livro muito específico dele mesmo, do autor Italo Calvino, é o ponto de largada. Um livro que aparentemente tem um erro de impressão e te leva a outras histórias que são como uma galeria de temas de livros: romance policial, saga romântica, diários e até narrativas de humor.
Tudo se mistura para envolver você, leitor, e criar ao mesmo tempo uma literatura fascinante e uma reflexão sobre a maneira como nos envolvemos com as coisas que lemos. Cada capítulo tem o nome do livro que cai nas mãos do leitor, começando pelo próprio Se um Viajante Numa Noite de Inverno. 
Sim, é um labirinto vertiginoso de ideias, estilos, personagens e pensamentos. Mas é também uma viagem inteligente e divertida.

Achei que meu pai fosse Deus
Paul Auster 

Brilhante contador de histórias, Paul Auster serviu aqui como porta-voz de várias delas, mas não de sua autoria. Convidado a fazer um programa numa rede pública de rádio respeitadíssima nos Estados Unidos, ele aceita uma ideia da esposa e, no lugar de criar narrativas, pede aos ouvintes que mandem as deles.
Auster faz um trabalho precioso de garimpo e nos oferece um incrível mosaico de vidas contemporâneas norte-americanas. Muitas vezes tristes e mas também engraçadas, esse é um material que você lê como que ouvindo um velho amigo contanto suas memórias. 
Nem todas as histórias enviadas à rádio cabiam no programa e então ele resolveu reunir as que ele mais tinha gostado num livro. Divididas em tópicos (Amor, Guerra, Família, Animais, Morte e tantos outros), elas são ao mesmo tempo familiares e estranhas. Acima de tudo são sedutoras. E inesquecíveis.

Os velhos marinheiros, ou, o capitão-de-longo-curso
Jorge Amado

Comecei a ler Jorge Amado, mesmo os romances adultos, ainda criança. Muita coisa eu nem entendia e só fui apreciar mesmo quando voltei a lê-los já na faculdade. Mas Os Velhos Marinheiros marcou minha pré- adolescência e eu arrisco dizer que é o meu favorito do grande escritor baiano. E olha que não é fácil escolher só um livro dele em meio a uma obra vastíssima…
Acho que tem a ver com o fato de a história falar direto com o coração de um garoto que, à época daquela primeira leitura, só sonhava em conhecer o mundo todo. Foi quase impossível para mim não me apaixonar pelos “causos” do comandante Vasco Moscoso de Aragão, que um dia chega a um vilarejo chamado Periperi.
Sua aparição é misteriosa e fascinante. Todos querem ouvir suas histórias de viajante pelo mundo, mas tudo que chama a atenção também desperta desconfiança. Será que o almirante é mesmo quem ele diz ser? Teria ele vivido mesmo tudo aquilo? Na narrativa brilhante de Amado, essas são perguntas para as quais até hoje eu não tenho certeza se tenho a resposta.  

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