Sem sair da Poltrona

Conhecer o mundo pelos olhos e experiências alheias também é um jeito maravilhoso de viajar

Mesmo quando não podemos nos mover… nossa mente viaja. E para esses trajetos, nada melhor do que um bom livro. Autores de várias épocas e vários lugares já fascinaram leitores do mundo inteiro e de todas as idades com suas narrativas. De Marco Polo a Charles Darwin, de Jack Kerouac a Bruce Chatwin, somos presa fácil para uma boa história on the road ou by the sea. Por isso, para manter a cabeça sempre unquiet, aqui vai uma seleção de boas leituras e bons itinerários.

O GRANDE BAZAR FERROVIÁRIO

Paul Theroux (Companhia das Letras)

Todo mundo que pensa em escrever sobre viagens precisa ler essa obra-prima dos anos 1970. Há uma certa nostalgia em ler sobre uma viagem (na verdade, várias) sobre trilhos. Sim, trens são coisas do passado, mas que se reinventaram, como o próprio Expresso do Oriente ou os trens-bala japoneses. Theroux tem vários livros sobre o assunto, mas esse é seu trabalho mais vibrante. Não só pela diversidade das estações por onde passa – Malásia, Turquia, Itália, Rússia (sim, a Transiberiana está lá em todo o seu esplendor e a sua decadência), Londres. Mas também pela riqueza das cenas e personagens, descritos de maneira tão viva que é como se ele tivesse inventado o Instagram décadas antes de as redes sociais existirem.

SOVIETISTÃO

Erika Fatland (editora Âyiné) A obra conta a peregrinação da jornalista norueguesa pelos cinco “istões” da antiga União Soviética: Cazaquistão, Turcomenistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Uzbequistão. Longe de atravessar paisagens e culturas homogêneas, ela descobre uma parte do planeta onde a diversidade é abundante e os clãs, infinitos e persistentes. Os soviéticos até tentaram impor uma uniformidade à região, mas o que o relato de Fatland deixa claro é que séculos de tradição não são fáceis de dissolver. Suas descobertas são fascinantes, mesmo para quem já visitou esses países. Navegando entre regimes absurdamente ditatoriais, paisagens dramáticas e histórias muito humanas, Sovietistão oferece a melhor “viagem de poltrona” para estes tempos em que nosso desejo maior está temporariamente suspenso.

A ILHA DO TESOURO

Robert Louis Stevenson (Zahar)

Todo viajante que se preze leu um dia A Ilha do Tesouro. Chamar de clássico é até diminuir esse título que é a matriz para toda aventura de quem um dia sonhou sair de casa em busca do desconhecido. Basicamente é a história de um menino simples, Jim Hawkins, na Inglaterra do século XIX, que de um encontro com outra figura que se tornou clássica (graças a esse romance), o “velho lobo do mar”, parte para os oceanos em busca de um tesouro. Mas isso é só o básico… A delícia de ler Stevenson está em abraçar o ritmo incansável da aventura. Muita fantasia – e um pouquinho de realidade. Essa é a fórmula que o livro aperfeiçoou para encher a alma de qualquer adolescente de imaginação, menino ou menina! E fazer a gente sonhar que é possível viver uma história inesquecível, desde que a gente esteja disposto a… sair por aí!

LUGARES DISTANTES: COMO VIAJAR PODE MUDAR O MUNDO

Andrew Solomon (Companhia das Letras) Solomon ficou conhecido com um tratado moderno sobre a depressão (O Demônio do Meio-Dia) e a cada novo livro surpreende com a escolha dos temas. Seu mais novo trabalho é exatamente sobre viagens, ou ainda, como elas podem ser transformadoras. O turista tarimbado já sabe disso, mas o autor vai além para nos provar que as transformações ultrapassam a experiência pessoal. Os países que visita – Romênia, Taiwan, Líbia, Mongólia e até Brasil – são apresentados como novos em retratos dos habitantes que Salomon cruza. Cada escala nos remete a uma reflexão diferente. Fascinante como ele consegue aproximar a experiência de viajar nem tanto pelos monumentos ou pela história do lugar, mas pelo lado humano de cada pessoa que descreve. Você nunca mais vai viajar da mesma maneira, quer apostar?

VIAGEM A PORTUGAL

José Saramago (Companhia das Letras)

Por mais que você conheça bem Portugal, por mais que se apaixone pelo país a cada vez que passa por lá, dificilmente você vai descrever seu povo e sua cultura – que falam tão de perto à alma do brasileiro – quanto o grande mestre Saramago. Premiado com um Nobel de literatura, ele descreve cantos óbvios e inesperados da paisagem portuguesa. É também, inevitavelmente, uma jornada pela história, pois geografia e memória se misturam por lá como em poucos lugares do mundo. Longe de ser didático, porém, Viagem a Portugal tem o tom de uma conversa informal. Com palavras preciosas de um autor mundialmente reconhecido, é verdade. Mas com a intimidade que só os grandes diários podem oferecer. Você conclui a leitura como quem fez um bando de novos amigos.

TRANSMONGÓLIA: GENGIS KHAN NA GARRAFA DE VODCA

Guilherme Cavallari (Kalapalo Editora) Numa cultura em que a maioria da população é nômade, a arte da hospitalidade é fundamental. Aliás, nem seria possível um ciclista circular por quase três meses pela Mongólia se ele não dependesse da hospitalidade farta daquele povo. Como Cavallari conta no seu livro de tirar o fôlego (afinal, ele rodou mais de 3 mil quilômetros de bicicleta!), havia sempre um ger de portas abertas para receber o aventureiro. Esse é o nome que os mongóis dão às tendas que montam e desmontam com inacreditável agilidade toda vez que uma família decide que é hora de procurar outro canto para viver. A natureza na Mongólia pode ser cruel – desertos escaldantes de dia e gelados de noite. As árvores, sempre escassas. Mas há uma beleza a ser desbravada, e Cavallari nos ajuda a explorar parte dela.

VAMOS DAR A VOLTA AO MUNDO?

Marina Klink, Companhia das Letras

Quem resiste a um convite desses? Se a ideia já mexe com a cabeça dos adultos, imagine com a das crianças! Quem leva a meninada para essa viagem é Marina Klink. Como fotógrafa – e mulher – do grande velejador Amyr Klink, ela cruzou diversas vezes o planeta em família. Ou seja: é uma especialista no que diz respeito a sair por aí neste mundão… Uma delícia de livro para crianças e jovens que começam a se inquietar para descobrir o mundo. E para adultos também.

DE MOTO PELA AMÉRICA DO SUL

Ernesto Che Guevara (Sá Editora)

Talvez você tenha visto o filme Diários de Motocicleta, dirigido pelo sempre preciso Walter Salles. Por isso mesmo a leitura do roteiro que Che fez entre a Argentina e a Venezuela em 1952 (com o amigo Alberto Granado) merece ser apreciada por inteiro. Com isso, entramos na mente de um dos grandes heróis revolucionários da nossa história moderna. Che é sem dúvida uma figura controversa. O interessante desse registro, contudo, é ver como o trajeto foi formando a mente da figura que, alguns anos mais tarde, mudaria a história. Trata-se de um diário bem íntimo, anotações que talvez não tivessem o objetivo de se tornar um livro. Por isso mesmo, entretanto, seu relato é tão verdadeiro.

ISTAMBUL

Orhan Pamuk (Companhia das Letras)

O grande escritor turco certamente não pensou em escrever Istambul como um guia turístico. O livro é uma grande e preciosa coleção de memórias. Elas começam na infância do autor, no antológico edifício Pamuk (construído para que a família morasse junta nele), e vão para trás e para frente no tempo. Juntam histórias de toda a civilização turca a retalhos delicados da evolução do romancista como menino, adolescente, adulto, escritor. Mesmo quem conhece bem a antiga Constantinopla, porém, pode ler Istambul como um guia de curiosidades. Ou então simplesmente como uma carta de amor pela cidade, assinada por outro premiado com o Nobel de literatura.

A ARTE DE VIAJAR

Alain de Botton (Editora Rocco)

Filosofia combina com movimento? Muito, se você deixar seu guia ser o suíço Alain de Botton. Misturando as grandes ideias da humanidade com destinos insólitos e pequenas inspirações de exploradores famosos, de Botton nos convida a olhar para fora de um jeito inédito. Basicamente viajamos por lazer, curiosidade, formação e até por uma oportunidade de emprego, certo? Mas há muito mais. De buscas espirituais à descoberta do sublime (que tem a ver, já adianto, com muito mais do que simplesmente uma série de suspiros de êxtase), os motivos que nos inspiram a descobrir novos lugares são infinitos. E que prazer ter o filósofo com a gente para traçar novos itinerários. Melhor ainda, depois de descobrir inspirações tão inesperadas, chegar à conclusão final: ao viajar, estamos mesmo é à procura da beleza!

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