Abri os olhos e, por uma fração de segundo, não sabia em que cidade eu estava. Por sorte, no segundo seguinte, a alma e o corpo deram as mãos e eu lembrei. Estava em Los Angeles, trabalhando. Tinha ido fazer umas entrevistas e já era hora de começar o dia. Não é a primeira vez que esse descompasso me acontece ao acordar. Acho que viajo tanto que a velocidade do meu cérebro primitivo pode demorar a atualizar a máquina. Como repórter, eu viajo muito sozinha. Às vezes, encontro equipes locais e me junto a elas para uma gravação e, muitas vezes, principalmente para fora do país, viajo sozinha mesmo, gravo as entrevistas com a equipe dos artistas que são entrevistados e, dias depois, recebo um link, e isso pode ser bem solitário.
Com o tempo, fui encontrando a melhor maneira de viver entre aeroportos, e uma das coisas que me trazem mais conforto ainda é ter um ou dois livros na bolsa de mão. Gosto de pensar na ideia da viagem dentro da viagem, de me distanciar tanto a ponto de encontrar tesouros escondidos que estavam bem aqui e eu nunca tinha visto. Foi assim com o último livro que li viajando: De Quatro, de Miranda July, best-seller do New York Times, fala sobre uma mulher que decide fazer uma viagem de carro pelos Estados Unidos, mas acaba parando numa cidade bem perto de casa e ali fica durante todo o período em que deveria estar viajando. Para o marido e o filho, que ficaram em casa, ela inventa descobertas pela estrada. Para si mesma, é uma viagem sem volta. É um livro corajoso sobre o desejo feminino e, mesmo que você não concorde com tudo o que a personagem quer ou faz, é no mínimo intrigante testemunhar alguém seguindo quase cegamente suas vontades mais loucas.



Viagens Internas
Antes de Los Angeles, fui ao Havaí preparada! Dois livros! O livro Primeiro Eu Tive Que Morrer dá a sensação de que se está conversando com uma amiga durante a leitura. O romance, de Lorena Portela, acompanha a história de uma publicitária que trabalha num ritmo desumano. E, num mundo onde a gente não tem tempo de pensar, será que a gente sabe mesmo o que a gente quer? Essa mulher decide, então, mergulhar no seu próprio tempo para tentar entender o que, de fato, ela quer da vida. Larga tudo e vai viver um sabático numa vila em Jericoacoara, no Ceará, e acaba descobrindo muito mais do que foi procurar.Ao mesmo tempo, eu estava lendo a primeira prova do primeiro livro de uma grande amiga, que pediu que eu escrevesse a orelha. Confesso que li rezando porque eu jamais poderia mentir para ela, ou escrever sobre algo de que eu não tivesse gostado. Que alívio! Devorei o livro numa leitura só.
O Manual do Monstro, de Helena Duncan, me deixou de queixo caído algumas vezes. O livro conta a história de Laura, uma mulher descolada, prestes a fazer 50 anos, vivendo um casamento que ela supunha ser dos sonhos, até que se depara com uma notícia avassaladora.

Outro título tem sido meu companheiro de ponte aérea. Água Fresca para as Flores, da parisiense Valérie Perrin. É uma história que encontra a beleza na tristeza. Uma mulher misteriosa mora e trabalha em um cemitério no interior da França, e você passa um bom tempo tentando imaginar o que aconteceu para ela ter a vida que tem. Que escolhas ela fez na vida, o que de fato prende uma mulher tão jovem a um trabalho, aparentemente, tão ingrato. Aos poucos, a personagem vai se mostrando, ao mesmo tempo que conta histórias de outras pessoas que passam por aquele cemitério, famílias, despedidas, amores e desamores de quem vai e de quem fica. Violette demora a revelar o grande acontecimento que pautou sua vida, mas, quando isso acontece, parece que você começou a ler um novo livro dentro do livro. Você faz uma viagem pelas memórias dessa mulher, que é, ao mesmo tempo, atormentada pelo passado e atenta à beleza superior das coisas banais, que tem o poder de nos curar um pouco todos os dias. Hoje, ao abrir os olhos de manhã, não demorei nem um segundo para reconhecer que, delícia, eu estava em casa! E cheia de livros na cabeceira.
Matéria publicada na edição 19 da revista