Conforme o Maserati adentra firme a estrada sinuosa, revelando casarões e palazzi seculares, consigo ver pela primeira vez as margens da ponta inferior do Y da famosa conformação do Lago di Como. De alguma forma, a paisagem é familiar. Onipresentes na cultura pop, as aldeias banhadas pelo Como conferem ao lago uma alcunha mitológica, sensação que imediatamente arrebata quem viaja por essa região do norte da Itália. De Casino Royale a House of Gucci. Das férias pé na jaca da cantora Miley Cyrus ao descomedido casamento de Daniel Ek, fundador do Spotify. As clássicas vilas aos pés dos alpes da Lombardia não dão sinais de que um dia cairão de moda. Nada unissonantes a olhares atentos, os palazzi que formam os cenários têm em comum o estilo clássico, com fachadas históricas, que atravessaram intactos a Idade Média. Alguns cartões-postais da região, ainda mais antigos, como as Termas Romanas, do século I, e a Torre Porta da Vitoria, um tesouro da arquitetura gótica medieval, convivem harmônicos no ambiente. A modernidade dá as caras vez ou outra com carrões velozes, acostumados a viajar desde Milão para repousar no balneário.
Il Sereno Lago di Como
Benefício: Amenity e drinque especial de boas-vindas.
Visita, de acordo com disponibilidade, à histórica Villa Pliniana, para os fãs do design de Patricia Urquiola.
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Validade: benefício expirado
Ousadia entre clássicos
Não é possível afirmar que a região seja avessa à novidade, mas a chegada do Il Sereno Lago di Como causou certa agitação quando foi inaugurado, em 2016. Trata-se da primeira construção em décadas a disputar as atenções do horizonte de Torno, uma das cidadelas mais charmosas do balneário mais ilustre da Lombardia. É impossível não notar a caixa de madeira, concreto armado e vidro, alinhada a belos jardins de hortênsias e laranjeiras, instalada onde um dia funcionou uma doca de barcos e seu arsenal de equipagem.
Propriedade da família Contreras, responsável pelo Le Sereno, um hotel queridinho de quem persegue o verão o ano todo em St. Barths, o Il Sereno foi uma aposta ousada. E, para quebrar a hegemonia cenográfica de um lugar internacionalmente conhecido pela história, a celebrada arquiteta Patricia Urquiola, espanhola, radicada em Milão, foi recrutada.
A hotelaria não é um território novo para Urquiola, reconhecida pelas famosas coleções de mobiliário em parceria com gigantes do design, como a B&B, e por peças adquiridas por importantes museus de arte moderna, como o Moma, de Nova York, e o Stedelijk, de Amsterdã. Tanto no mobiliário quanto nas edificações, formas orgânicas, interpretativas da natureza dos espaços, são sua marca registrada.
Na primeira vez em que vivenciei um projeto assinado por ela, cheguei ao Mandarin Oriental, em Barcelona, aperreado por uma agenda apertada na cidade e só fui estudá-la melhor no trem que me tirou da Catalunha. Na segunda vez, apesar de saber o que esperar, fui flechado no coração pelo Das Stue, até hoje o meu hotel preferido em Berlim. Um pouco antes de chegar ao Il Sereno, tomei um drinque no Four Seasons Milano, outro projeto de interiores com sua marca, que em nada me preparou para o que encontraria aos pés dos Alpes.
O protagonismo do exterior
A principal diferença do Il Sereno em relação aos outros hotéis com a assinatura de Urquiola é seu envolvimento com o exterior. Ao ser concebido desde a fundação, o hotel supera as limitações de vilas convertidas. Aqui, todos os 30 quartos têm vista para o lago, com janelões cumprindo a função de transportar a luz do sol de uma localização privilegiada (estamos na costa em que o sol aparece o dia todo) para uma varanda, bem difícil de abandonar durante a hospedagem. Em parte, culpa do minibar, incluído na diária, repleto de delícias locais. Diferentemente dos principais hotéis de luxo do Lago di Como, no Il Sereno a piscina não é flutuante. Uma borda infinita reflete a imagem do belo projeto e das montanhas dos Alpes, criando um dos ambientes mais instagramáveis da região. Como era de esperar, ver e ser visto em uma das já icônicas espreguiçadeiras verde-limão do Il Sereno se tornou um item obrigatório no repertório de uma nova geração de jet-setters, atraídos por uma contemporaneidade que parece ressignificar a grande estrela da região, o lago.
Conversando com Samy Ghachem, diretor geral dos hotéis Sereno e amigo de longa data que encontro aqui, fica claro que “o público mais jovem se identifica com o projeto contemporâneo do Il Sereno”. Quando o questiono se a clientela é majoritariamente jovem, ele de imediato me aponta casais de todas as idades apreciando o pôr do sol na varanda do bar superior, uma das áreas que nos próximos dias vou transformar em híbrido de escritório e point de leitura do último Murakami que trouxe na mala.
Toque feminino
O interior do Il Sereno é uma carta de amor de Urquiola à história da região, famosa pela indústria têxtil e por produtos como a seda. Materiais artesanais são abundantes – pedra, madeira e muitas fibras naturais –, dando vida ao mobiliário decorado com muitas flores. No lobby, um paredão verde, obra do botânico francês Patrick Blanc, cria uma improvável simbiose com a imponente escadaria projetada pela arquiteta. Envolvida em tubos de cobre, seus degraus flutuam em uma base que conecta todos os andares até o restaurante instalado na gruta da fundação original. Com janelas na altura da superfície do Como, é lá que os pratos do chef Raffaele Lenzi, uma estrela Michelin, são servidos, em um ambiente descontraído. O toque feminino é sentido em cada detalhe do Il Sereno. Em todas as suítes, portas secretas revelam espelhos com uma iluminação digna de uma maison de haute couture, para uma última conferida no visual. No banheiro, bancos e imensos espelhos arredondados transformam a área em uma estação de maquiagem profissional. Aqui ainda é possível levar para casa esculturas e obras de arte, louças e até o mobiliário de estar, como sofás e poltronas, desenvolvidos exclusivamente para o hotel.
Se o talento de um arquiteto pode ser medido por sua capacidade de dialogar com cenários históricos, Urquiola deixou uma pista do que é capaz de fazer no spa Valmont, um dos mais bonitos e surpreendentes que já experimentei. Instalado na parte mais antiga da doca tomada pelo hotel, com concreto e elementos industriais originais, é possível ver (e ouvir) o lago em uma imensa banheira aquecida ao ar livre, com vista para a parte mais deteriorada dos arcos do complexo. As salas de tratamento e as saunas seca, infravermelha e a vapor, além de uma das academias mais equipadas da região, complementam o espaço fitness.
Já na histórica Villa Pliniana, localizada a curta distância do Il Sereno ‒ um palazzo do século XVI famoso por receber artistas e intelectuais, como Leonardo da Vinci e Lord Byron ‒, afrescos, terraços e lareiras, testemunhas da Renascença, foram preservados para conviver com o mobiliário e a decoração repleta de toques contemporâneos idealizada por Urquiola. Os grandes salões de festas originais e os jardins à beira do lago transformaram o lugar em um dos wedding destinations mais badalados do planeta, disputado por artistas e fundadores de unicórnios que surgem com frequência no Vale do Silício.
Al Como
Para fazer jus ao design state of art criado por Urquiola, o Il Sereno engendrou uma atividade que justifica os inúmeros prêmios que recebeu desde sua inauguração. Apesar de aldeias e vilarejos da região conectados por rodovias que chegam até Bellagio, é de barco que se vive o Como. E os do lendário produtor de iates Ernesto Riva, feitos sob medida para o hotel, com seus inconfundíveis cascos de madeira envernizada e estofamentos de couro de pelúcia, são parte fundamental da experiência.
Não é preciso licença para pilotar os jettos da Riva. Basta saltar a bordo e pisar no acelerador para se transportar a uma das aventuras de Fleming ou a um romance de Ripley. Como é impossível desvincular a Lombardia dos impérios fashion de Gucci e Versace, um safári em busca das vilas Balbiano, o lar preferido de Aldo Gucci até seus últimos dias, ou da Fontanelle, onde até hoje Donatela vive grande parte do ano, é irresistível. Deixo claro, proponho essa expedição como um pretexto para estender o tempo a bordo de um dos jettos.
Durante o verão, a pedida é seguir de barco até as margens que se formam em vilarejos e aldeias pitorescas a caminho de Bellagio. Clubes à beira do lago permitem estacionar para um mergulho ou para um Aperol ao sol, saboreando queijos e víveres da região, repleta de montanhas escarpadas e muitas vilas e palazzi ornamentados, que evidenciam ainda mais o frescor trazido à região com a chegada do Il Sereno.
Alguns hotéis parecem traduções desse zeitgeist. Eleito novamente em 2022 como o melhor da Itália por diversas publicações, sei que a expectativa de quem escolhe o Il Sereno como destino no Lago di Como será altíssima. No entanto, o projeto irretocável de Patricia Urquiola e as experiências propostas podem ser definidos por uma palavra que ensaiei escrever desde o início deste relato, mas que deixo para o final. O Il Sereno consegue ser, acima de tudo, despretensioso. E talvez essa seja a melhor tradução para o luxo deste novo tempo.
Acesse a edição 10 da Revista UNQUIET para ler a entrevista com Patricia Urquiola.
Il Sereno Laco di Como
A fachada do hotel tem ventilação e iluminação natural.
Foram usados materiais naturais (pedra, madeira, fibras naturais de lã).
Por conta da atenção dos designers aos elementos de economia de energia e uso de materiais ecológicos o hotel recebeu a certificação da agência italiana CasaClima – centro de excelência para construções e reformas energeticamente eficientes e sustentáveis, amplamente reconhecido em toda a Itália e agora cada vez mais também em nível internacional.