Cada pessoa guarda dentro de si um museu de memórias, com a curadoria moldada pelas experiências da vida. No meu acervo, conservo coleções de cenas, sons e paisagens, dispostas em salas organizadas pelas emoções que senti no instante em que nasceram. Há uma exposição permanente com os horizontes mais lindos que já vi, preservada em uma seleção limitada de fotografias. No centro dessa galeria está a minha obra-prima: a imagem caleidoscópica do mar do Arquipélago de Bazaruto, visto do alto da duna da ilha homônima. Naquele momento, tive a impressão de estar sonhando. Felizmente, voltei e trouxe comigo novas lembranças, captadas no embalo do passo orgânico de Benguerra, um canto lapidado pela natureza e cuidado pela gentileza dos Mahoca, seus habitantes.
O voo de helicóptero, com a duração de menos de dez minutos, já desperta a dúvida se a miragem é mesmo real. Ao decolar do aeroporto de Vilanculos, em Moçambique, no sudeste da costa africana, uma combinação de fatores é responsável por sua formação singular: a areia finíssima que reflete o sol, os bancos claros, que se reinventam com as marés, as águas rasas, que mudam em profundidade e tonalidade, os recifes de coral e as pradarias marinhas, que acrescentam nuances esverdeadas, e a luz tropical, que intensifica cada contraste. O resultado é uma aquarela em constante transformação, espalhada por cinco ilhas e um Parque Nacional de 1.430 km², onde a sensação hipnótica é um convite a desacelerar e adentrar esse universo cósmico.
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Kisawa Sanctuary
Benefício:Massagem de boas vindas para casal, experiência de mergulho. Early check-in e late check-out de acordo com a disponibilidade.
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Kisawa: um santuário vivo
Minha casa nesse paraíso é o visionário e deslumbrante Kisawa Sanctuary: uma iniciativa que costura elegância natural e responsabilidade ambiental e social, redesenhando o significado do luxo. Traduzido como “inquebrável”, expressa o compromisso de construir um laço sólido entre os viajantes, a natureza e a comunidade e reforça a identidade de Benguerra. Cada vila é atendida por um mordomo: eu sou apresentada a Luvia, que já me instiga a acionar a velocidade da tranquilidade. Com delicadeza, dirigindo um Mini Moke ‒ um jipe elétrico estiloso ‒, ela me apresenta a propriedade, de 300 hectares, com destaque para três restaurantes (um deles baseado nos bares da região), spa, com um cardápio invejável de tratamentos, academia, com sala de ioga e pilates, piscina e centro de esportes aquáticos. Tudo isso para apenas oito residências.
Fisgada pelo encantamento da ilha, Nina Flohr, idealizadora do projeto, trabalhou meticulosamente para trazer o santuário à vida. A arquitetura, belamente concebida para ter o mínimo de impacto e a máxima integração com o ambiente, foi inspirada nas casas nativas. Chego à minha cove e as expectativas conseguem ser superadas: duas vilas com mais de 200 m², cada uma, deque com piscina e área de lazer. A mistura de inovação e tradição direcionou sua implementação, combinando obras de artistas da comunidade e construções em 3D. Cobertas por um tipo de palha local, com curvas suaves que imitam as dunas, o design se aconchega perfeitamente à paisagem ‒ mais um auxílio no acesso a novas camadas do meu bem-estar.

Na primeira manhã, encontro-me com Querino, o responsável pelas experiências e meu guia nesses dias. Ele está no projeto desde a sua concepção, dez anos atrás, e conta sobre dois processos de resgate de Benguerra, alinhados com a seriedade do Kisawa. O primeiro é o reconhecimento da cultura, com o levantamento do censo (resultado: 2.003 pessoas, com nomes como João, Agostinho, Maria e Joana) e a transcrição da história dessas vidas no livro A Memoir, feito em parceria com o morador João Lassane Zivane. Os indígenas dessas terras, cuja presença data desde o fim do século III, sofreram com a colonização portuguesa, até migrarem para o continente, no século XIX. Logo após esse período, porém, outros povos encontraram um refúgio na região, criando a população Mahoca. O segundo é o cuidado com a preservação do fundo do mar, com a criação do BCSS, o primeiro observatório oceânico permanente da África, que realiza o monitoramento contínuo de ecossistemas, gera dados científicos e forma pesquisadores.



Natureza surrealista
No dia seguinte, eu embarco rumo ao avistamento de baleias jubarte, que escolhem essas águas seguras para se reproduzir. No caminho, busco Victor, o fotógrafo desta matéria, em um mergulho de cilindro. “Amo mergulhar porque fico uma hora em silêncio”, comenta, descrevendo o que viu, como o encontro sensível com um dugongo, uma espécie de peixe-boi, inédito inclusive para Sindra, instrutora do BCSS. Pouco tempo depois, entre seres imensos e humildes, que buscam a superfície apenas para respirar, acompanho pela primeira vez o salto de uma jubarte, que voa em câmera lenta pelos ares. Mais um espetáculo da natureza que entra no topo das cenas icônicas do meu museu.
Era chegada a hora de reviver a minha obra-prima. O dia nasceu ensolarado, diferente dos anteriores, nublados, como se soubesse a minha rota. Após uma hora de barco ‒ com golfinhos saltando, silhuetas de tartarugas à vista e voos de flamingos como acompanhantes ‒, subo a duna da Ilha de Bazaruto, vizinha de Benguerra, e atesto que aquela segue sendo a fotografia mais linda que enxerguei na vida. Meus companheiros concordam, e o retrato iluminado pelo sol, com tons de azul e bancos de areia, parece ainda mais vívido. Seguimos para a Ilha de Santa Carolina, um pedaço de terra de 154 hectares de beleza pura, morada das ruínas de um hotel dos anos 1970 abandonado. Aqui quem brilha são as criaturas marinhas: em dois mergulhos de snorkel, flagro arraias, incontáveis espécies coloridas de peixe, conchas e corais. E dessa vez concordo com Victor: a sinfonia marinha intensifica a experiência subaquática.

Guardiões do paraíso
Se eu achava que a natureza estaria isolada no centro da exposição, o encontro com o modo de vida mahoca se revelou uma arte viva. O primeiro contato, mais descontraído, aconteceu após as tarefas do ofício. O povo de Benguerra tem sua subsistência concentrada na pesca e no cultivo de millet, práticas mantidas desde que se refugiaram dos colonos portugueses, no final do século XIX. Da praia, seguiam para os campos de futebol, onde cada um carregava o nome de um craque atual, como Messi e Rafinha, enquanto outros chacoalhavam os quadris ao ritmo de músicas contemporâneas, nas chamadas barracas, um tipo de boteco. Como bons brasileiros, claro que nos juntamos a eles, regados a cervejas e risadas sem fim.



A segunda troca teve o apoio de Querino, que tem dedicado sua energia a reacender a história dos nativos. O laço coletivo é bem presente na comunidade. Sob o holofote do pôr do sol, fui recebida por dezenas de Mahoca, com trajes coloridos e instrumentos criativamente feitos com latas de refrigerantes, reproduzindo a semba ‒ uma dança em círculo com dois integrantes ao centro ‒ e canções marrabentas. Dois irmãos, Nelson e Alves, nos cativam em especial, com movimentos em uma bateria improvisada, com lataria e baquetas feitas de galhos. “DJ Nelson é muito bom” vira um coro em uníssono entre todos nós. Com certeza, a familiaridade da língua cria certo senso de pertencimento, e perco a noção de tempo.
Na última cena, estou sentada com meus companheiros de viagem ao redor de uma fogueira, enquanto o fogo e as histórias se entrelaçam. Bernardo, pescador e pai de família, manuseia alguns carapaus em uma folha de palmeira, criando uma espécie de grelha. Enquanto o peixe assa, Querino ‒ com a ajuda de Maria, chefe de família e guardiã da sensibilidade da casa ‒ explica como funciona o ritual na hora da refeição, que acontece à mesa: a mulher serve um prato de comida para cada duas pessoas, que o dividem como um gesto de amor.


À direita o BCSS, centro de pesquisas do oceano conduzido pelo Kisawa e a esquerda, o spa do mesmo hotel, com arquitetura inspirada pelas casas locais

A segunda troca teve o apoio de Querino, que tem dedicado sua energia a reacender a história dos nativos. O laço coletivo é bem presente na comunidade. Sob o holofote do pôr do sol, fui recebida por dezenas de Mahoca, com trajes coloridos e instrumentos criativamente feitos com latas de refrigerantes, reproduzindo a semba ‒ uma dança em círculo com dois integrantes ao centro ‒ e canções marrabentas. Dois irmãos, Nelson e Alves, nos cativam em especial, com movimentos em uma bateria improvisada, com lataria e baquetas feitas de galhos. “DJ Nelson é muito bom” vira um coro em uníssono entre todos nós. Com certeza, a familiaridade da língua cria certo senso de pertencimento, e perco a noção de tempo.
Na última cena, estou sentada com meus companheiros de viagem ao redor de uma fogueira, enquanto o fogo e as histórias se entrelaçam. Bernardo, pescador e pai de família, manuseia alguns carapaus em uma folha de palmeira, criando uma espécie de grelha. Enquanto o peixe assa, Querino ‒ com a ajuda de Maria, chefe de família e guardiã da sensibilidade da casa ‒ explica como funciona o ritual na hora da refeição, que acontece à mesa: a mulher serve um prato de comida para cada duas pessoas, que o dividem como um gesto de amor.
Nessas horas, a natureza se funde aos humanos, lembrando-me de que somos todos parte de uma mesma matéria viva. Percebo que voltar à minha realidade será um desafio, uma vez que a simplicidade e esses momentos de afeto me aproximam puramente da minha essência. São ensinamentos que pulsam no compasso do meu coração.

KIsawa Sanctuary em Moçambique, tem um forte compromisso com a sustentabilidade e a responsabilidade social, combinando luxo com conservação marinha e apoio à comunidade local. O resort opera em parceria com o Centro de Estudos Científicos do Bazaruto (BCSS), um observatório marinho dedicado à pesquisa ecológica e à proteção da região.
Sustentabilidade ambiental
- Para a construção do resort, foi usada uma tecnologia de impressão 3D inovadora que utiliza uma argamassa feita de areia e água do mar, coletadas da própria ilha. Essa técnica permitiu construir a maioria das estruturas com materiais locais e reduzir o impacto no ambiente.
- A construção do resort foi projetada para ter um impacto mínimo na paisagem natural, misturando-se à natureza em vez de interrompê-la. Nenhuma árvore foi derrubada para a construção.
- O Kisawa utiliza fontes de energia renovável e implementa uma política de lixo zero de plásticos de uso único.
- Em parceria com o BCSS, o Kisawa financia a pesquisa e conservação do oceano Índico. Os hóspedes podem participar de atividades de conservação, como monitoramento de vida selvagem e coleta de dados, através da iniciativa “Resort to Research”.
- O resort mantém um jardim de permacultura para produzir alimentos de forma sustentável, como a colheita de abóboras e outros vegetais.
Impacto social e cultural
- O Kisawa emprega artesãos locais para usar suas habilidades tradicionais de tecelagem, carpintaria e outros artesanatos nos detalhes do resort, misturando-se com a tecnologia de impressão 3D.
- O impacto social do Kisawa inclui o empoderamento das comunidades locais por meio de iniciativas de educação, saúde e enriquecimento cultural.
- Os hóspedes são incentivados a se conectar com a cultura local através de eventos e atividades como o “Siku le guinene ga maxaka” (dia feliz da família), que promove a interação com a comunidade da ilha de Benguerra.
- A relação de trabalho com a comunidade se estende a parcerias com diversas organizações, como a Nuarro Foundation em Moçambique e outras internacionais, que colaboram em pesquisas e programas sociais.
Matéria publicada na edição 21 da Revista UNQUIET.


































































































































































