Pelas tradições e história da cozinha mineira

Com mais de três séculos de existência, a culinária mineira deixou as montanhas das Gerais e se tornou universalmente brasileira

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Quando se pensa em torresmo, feijão tropeiro, tutu de feijão, frango com quiabo, leitão à pururuca e o quase universal pão de queijo, o que nos lembram? Comida com origem em Minas Gerais, claro. Nascida aos poucos durante o período da mineração, sobretudo no século 18, ganhou forma e conteúdo nas inúmeras fazendas do estado após o declínio das minas de ouro, prata e diamante. Durante o século 20 foi incorporada ao dia a dia dos mineiros, com sua identidade preservada até hoje. E praticamente não há uma cidade grande no Brasil que não tenha dois ou três restaurantes indicando em suas especialidades nomes saborosos como Trem de Minas, Consulado Mineiro ou Minas Uai.

Foto: Istock

A cozinha mineira, depois de se “nacionalizar”, virou também sinônimo do conceito de comfort food, além de se encaixar perfeitamente na ideia do Slow Food, movimento criado pelo italiano Carlo Petrini de valorização das tradições regionais e da boa comida saboreada sem pressa. E mais: é uma das poucas comidas regionais brasileiras, se não a única, presente no cotidiano das famílias. Os mineiros deixam para o fim de semana o churrasco gaúcho, a macarronada italiana ou a bacalhoada portuguesa. Mas estão firmes no dia a dia com a linguiça fritinha, o frango com quiabo, o feijão em suas duas mais famosas versões, a canjiquinha com costela de porco, o torresmo, o lombinho, a carne de panela, muita couve “assustada” (rapidamente cozida), a taioba e o ora-pro-nobis. Trata-se da folha verde consumida pelos tropeiros em séculos passados que intuíam, pelo saber popular, seu valor nutritivo para aguentar as longas jornadas sertão adentro. Hoje, a planta espinhenta de belas flores brancas é quase um segredo cultivado nos quintais ou catado no mato e vai bem com frango, ovos, angu etc. E a doçaria? Também herdeira da tradição lusa com várias sobremesas à base de ovos ou compotas de frutas, tomou rumo próprio com o inigualável doce de leite e a gloriosa goiabada com queijo.

cozinha mineira: arroz com pequi
Arroz com pequi | Foto: Reprodução
cozinha mineira: um lanche à mineira, também chamado de quitanda
Um lanche à mineira, também chamado de quitanda | Foto: Istock

Queijos de Minas

Por falar em queijo, ele é um capítulo especial na história mineira. Sobretudo a partir do século 18, quando os portugueses trouxeram uma técnica antiga de produção com leite de vaca cru e coalho. Em Minas ela ganhou o apelido de pingo – fermento natural obtido do soro que fica “pingando” da mesa onde a massa coagulada é enformada e é sempre reaproveitado na produção do dia seguinte. Tornou-se o queijo mais conhecido do Brasil, produzido principalmente em três regiões de origem: Serro, serra da Canastra e serra do Salitre. Mas não se pense que todo queijo Minas é igual: por conta da variedade de clima, água, pasto, rocha e altitude um queijo do Serro, por exemplo, é diferente de um Canastra na textura, sabor mais ou menos salgado ou ácido e aptidão para chegar ao estágio de meia cura, fundamental para fazer o célebre pão de queijo. Que surgiu durante o Ciclo do Ouro, quando as cozinheiras das fazendas, quase sempre sem boa farinha de trigo para fazer pães, usavam o polvilho obtido da mandioca, colocavam queijo ralado para dar gosto e deu no que deu. Feito com polvilho azedo ou doce (faço com os dois, meio a meio), leite, óleo, ovos, queijo ralado e sal, é a própria simplicidade transformada em simpatia comestível.

cozinha mineira: queijo de minas
Foto: Getty
cozinha mineira: Mercado Central Belo Horizonte
Mercado Central Belo Horizonte | Foto: Wikimedia Commons
cozinha mineira: Queijo serra do Salitre
Queijo serra do Salitre | Foto: iStock

Regiões e suas especialidades

O epicentro da cozinha mineira é Belo Horizonte, naturalmente, onde o Mercado Central é seu micromundo com os melhores ingredientes. E se irradia pelo estado ganhando influências, como no norte, onde sobretudo no entorno de Montes Claros a carne de sol é presença constante nos bares e casas. O mineiro, que a lenda diz ser sempre desconfiado, costuma perguntar nos mercados ao procurar essa carne: “Mas é manta de Montes Claros?”, referindo-se ao largo pedaço de carne “serenado” à noite pelo vento e pela temperatura mais baixa na calorenta região. Entre os pedaços mais apreciados estão o contrafilé e o coxão mole (aliás, chã-de-dentro no modo luso-mineiro). Acebolada e com mandioca cozida, a sua versão mais popular.

Por ali e estendendo-se pelo noroeste do estado há a marcante presença do pequi, planta típica do cerrado que dá origem a um fruto com caroço coberto por uma polpa comestível macia e amarela de forte odor, do tipo “ame-o ou deixe-o”. Quem não conhece e não foi avisado pode se dar mal com os espinhos finíssimos que ficam no interior do caroço – é preciso “roer” a polpa com cuidado. O arroz com pequi, aguardado com impaciência quando chega a época do fruto, de novembro a janeiro, é a receita mais disseminada. Adoro.

Outro de meus pratos preferidos tem o nome curioso de vaca atolada. Faz parte da antiga tradição mineira, embora hoje seja também comum em outros estados. Diz o folclore que os tropeiros, ao atravessar a vasta serra da Mantiqueira em meio aos barrancos e trilhas sempre perigosos, principalmente em época de chuva, viam com frequência o gado encalhar, determinando um descanso forçado. No momento da boia lembravam-se de que estavam ali por causa dos animais atolados.

Mas acho que o nome se deve mesmo ao aspecto do prato depois de pronto, quando a carne – tradicionalmente de costela bovina – recebe a companhia de mandioca no fim do longo cozimento. Ao soltar seu amido, a mandioca deixa a preparação com um jeito pastoso. O que este prato perde no aspecto, ganha em gostosura.

Serra da Mantiqueira | Foto: iStock

O pão de queijo
é a própria simplicidade transformada em simpatia comestível.

A identidade da culinária das Gerais

Pedi a Alex Atala, nosso mais consagrado chef de cozinha e grande defensor de nossas tradições culinárias, a sua visão da comida mineira: “Antes dos sabores, a cozinha mineira triunfa pelo orgulho. É das regiões do Brasil mais orgulhosas da sua própria cozinha. Sua primeira vitória não é ser de uma cidade, é ser de todo o povo”. E como teria surgido essa identidade? “A cozinha mineira, em seu receituário, é gêmea da portuguesa, mas separada no nascimento”. Isto é, trilhou seu próprio caminho a partir dos ingredientes naturais das montanhas ou do onipresente porco trazido pelos portugueses logo no comecinho da colonização. Frango, boi e carnes de caça também ganharam as panelas de pedra sabão e ferro tão típicas de Minas Gerais.

Serra da canastra | Foto: iStock

Também conversei com Celso Nucci, ex-diretor da editora Abril, responsável pelo núcleo que abrigava o Guia 4 Rodas e grande conhecedor da cozinha brasileira. Paulista de Campinas e com casa na cidade histórica mineira de Tiradentes, ele diz que “ela é a comida de mais marcada tradição rural que temos. Cozinha de quem cria porco, galinha, planta feijão, tem horta de couve, cerca com ora-pro-nobis, planta quiabo, abóbora, jiló, taioba, inhame, mandioca, milho. Frita ovo em gordura de porco. É sustento, é dia a dia”.

Foto: Reprodução

Enfim, a cozinha mineira tem história para contar em seus fogões e fornos a lenha, em suas quitandas para o café da manhã ou a merenda da tarde – a broa de milho, o biscoito de polvilho, o bolo de fubá, as rosquinhas, o pão de queijo e o inevitável café coado na hora – e continua viva com o orgulho de seus habitantes, como destacou Alex Atala, em manter essas tradições nas cidades, agora com os equipamentos modernos das cozinhas.

Lembrando o genial escritor Otto Lara Resende, natural de São João del Rey: “Minas está onde sempre esteve, com seu passado, seu presente e seu futuro”. Tal e qual sua comida, que é o que sempre foi e continuará sendo.

Mapa: Antônio Tavares

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