Arrasto os dedos para dar um zoom em 18 pontinhos do mapa-múndi, nas altas latitudes do Círculo Polar Ártico, e lá está o meu destino: Ilhas Faroé. Mal posso crer que estou, enfim, chegando a esse tão desejado arquipélago viking, nos arredores remotos de outras ilhas do Oceano Atlântico Norte, como a Groenlândia e a Islândia. E que prazer sair do avião e respirar o ar frio, mesmo no verão, desses confins vizinhos do Polo Norte.
Ovelhas, muitas delas, dão as caras nos campos verdes logo na saída do aeroporto, justificando o nome dessa nação, tão pequena que caberia dentro da cidade de São Paulo.
Na língua feroesa, o nome das Ilhas Faroé significa “Ilhas das Ovelhas”.
Estima-se que o país tenha mais delas (cerca de 70 mil) do que humanos (53 mil). Quase metade deles mora em Tórshavn (lê-se Tórxan), a menor capital do mundo, e desse território autônomo, que faz parte do Reino da Dinamarca.
Vilas com casas coloridas voltadas para o mar, cercadas por fiordes e campos verdejantes, dominam a paisagem
Tórshavn, o porto do deus Thor
“Tórshavn significa Porto de Thor”, conta o guia da Borealis, operadora de turismo brasileira especializada no Ártico e que me trouxe, juntamente com o fotógrafo Augusto Gomes, até aqui.
Na marina, repleta de barcos, as águas da Península de Tinganes refletem antigos armazéns, logo na entrada da cidade, que homenageia o deus mais popular da mitologia nórdica.
Míticos navegadores de origem norueguesa, que teriam chegado às Ilhas Faroé por volta do século IX, os vikings deixaram aqui sua herança genética e também cultural, desde as navegações e da pesca até a hoje polêmica caça às baleias. Pesquisas recentes, no entanto, apontam que celtas irlandeses estiveram aqui cerca de três séculos antes, e já com suas ovelhas.
Casas com telhado de grama
Nada é mais a cara das Ilhas Faroé do que as casas de madeira cobertas por telhados de grama. Ladeadas por cafés, livrarias e restaurantes (inclusive com estrelas Michelin), as duas dúzias de residências com teto verde na Cidade Velha, em Tórshavn, são do século XIV. Em outras vilas, o mato no teto das casas ainda é podado por ovelhas, como vemos ao desbravar o arquipélago.
Vilas com casas e igrejas coloridas voltadas para o mar, cercadas por fiordes de origem vulcânica e campos floridos, dominam a paisagem, de contos de fadas. Seis das 18 ilhas são conectadas por estradas lindas, repletas de cachoeiras. Bøur, na Ilha de Vágar — a mesma do aeroporto ‒, é uma delas. “Os viajantes buscam natureza e silêncio e encontram bem mais do que isso”, gaba-se Tróndur Niclasen, criador de 100 ovelhas e um dos 72 moradores locais.
Túneis com aurora boreal
Encarapitada em um morro à beira-mar, a 6 km de Bøur, o povoado de Gásadalur, com 13 habitantes, fica ao lado da Cachoeira de Múlafossur, de 30 m, que deságua no mar. Caminhantes, corredores e ciclistas se aventuram desde Bøur até ali pela Antiga Rota Postal, a única trilha possível até duas décadas atrás. Depois da construção de um túnel de acesso, a cascata ficou acessível a veículos e viralizou mundo afora como uma das cenas mais instagramáveis das Ilhas Faroé.
Os túneis são uma atração do arquipélago. Desde os anos 1960, 20 foram construídos (alguns submarinos), conectando as ilhas. Ao viajar desde a Ilha de Streymoy, onde fica a capital, Tórshavn, para conhecer a simpática vila de Gjógv, na Ilha de Eysturoy, me deparo com a primeira rotatória submarina de túneis do planeta. Alguns trechos de túneis contam com instalações artísticas, como luzes de teto que simulam a aurora boreal ‒ outro orgulho dos nativos nas noites de inverno.
Caminhada ao Lago Flutuante
Estamos viajando no verão, o que significa que as noites quase não têm escuridão. Por isso, não nos intimidamos de começar, sob o sol das 20 horas, uma caminhada de 7 km e três horas até um cenário único das Ilhas Faroé: Sørvágsvatn, o Lago Flutuante. Visto do alto de um despenhadeiro dramático, o Trælanípa, 140 m acima do mar, o maior lago do país parece ter suas águas mansas bem mais altas do que na realidade são, em uma ilusão ótica que contrasta com as ondas do oceano.Posso experimentar as revoltas águas do Atlântico, desbravadas por vikings, ao me dirigir às ilhas onde só se chega navegando. No passeio de barco para rodear as duas espetaculares rochas de Drangarnir, avistáveis desde a vila de Bøur, uma tempestade faz o mar se agitar e o barco balançar muito. “Esse é o verdadeiro clima do mar e do céu das Ilhas Faroé. Sempre imprevisíveis”, explica o marinheiro Jákup í Lodu.
Refúgio dos puffins
Mesmo no dia seguinte, com sol e o tempo claro, me impressiono com a força da maré batendo nos paredões do ancoradouro natural da remota Ilha de Mykines. Passada a emoção do desembarque, esse lindo vilarejo colorido, de apenas 40 casas, algumas delas construídas com pedras pelos vikings, se descortina como um verdadeiro templo de observação de aves.
Nada menos que 60 mil puffins, uma ave migratória fofa e desengonçada, pontilham os precipícios. Eles só vêm no verão, para fazer ninhos e alimentar os filhotes.
No inverno, despedem-se de Mykines, e com eles os turistas e até os moradores. O clima paralisa as navegações e só dá para chegar aqui de helicóptero. Mas os puffins sempre voltam. E não só eles. Quem conhece as Ilhas Faroé quer sempre voltar.
*Os jornalistas viajaram a convite da Borealis Expedições
Matéria publicada na edição 17 da Revista UNQUIET.