Museu Plantin-Moretus, Antuérpia

No coração de uma das cidades mais charmosas da Bélgica, um tributo a mais de 500 anos de história editorial que influenciaram o mundo

Séculos antes dos Murdoch, dos Marinho ou de Silvio Santos, um império familiar de mídia dominava os eventos marcantes da pré-modernidade na Espanha e no Norte da Europa.

Essa história fascinante é contada em um dos museus mais especiais da Bélgica: o Museu Plantin-Moretus em Antuérpia, o primeiro museu do mundo a receber o título de Patrimônio Mundial pela UNESCO. A família Plantin & Moretus comandou o cenário editorial de Antuérpia do século XVI ao XVIII, moldando o pensamento europeu durante um período de profundas transformações.

Assim como na família da aclamada série Succession, da HBO, a saga dos Plantin daria um ótimo roteiro de série, repleta de intrigas, poder e influência. Mas quem eram esses editores visionários, e o que os tornava tão inovadores?

A paisagem urbana de Antuérpia: cidade portuária com raízes que remontam à Idade Média | iStock
Christophe Plantin | Wikimedia Commons

Quem foi Christophe Plantin?

Christophe Plantin, intelectual, empresário e humanista, nasceu em Saint-Avertin, França, por volta de 1520. Aprendeu encadernação e impressão na Normandia, com Robert II Macé, e conheceu sua esposa, Jeanne Rivière, nessa mesma região, casando-se em 1545.

Em 1550, Plantin e Rivière mudaram-se para Antuérpia. Com a experiência adquirida, Plantin fundou sua própria editora ao lado de parceiros calvinistas. Naquela época, a Antuérpia fazia parte dos Países Baixos do Sul (atual Bélgica), uma região sob forte influência da Igreja Católica, mas também um centro de ideologias emergentes que desafiavam o status quo.

Essas novas ideias influenciaram profundamente a condução dos negócios e da família, transformando sua editora em uma dinastia com legado duradouro.

A oficina de Christophe Plantin: equipamentos seculares ecoam a história da tipografia | Erik Sadao

O contexto revolucionário da prensa

A invenção da prensa por Johannes Gutenberg em meados do século XV revolucionou a disseminação de conhecimento na Europa. Essa inovação tornou possível a reprodução em massa de textos e foi crucial para a eclosão da Reforma Protestante e a modernização do conhecimento. Sem a prensa, ideias de humanistas como Erasmo de Roterdã e Thomas More não teriam alcançado tantas pessoas.

Antuérpia, com sua posição estratégica e vibrante comércio, rapidamente se tornou um dos principais centros de impressão no Norte da Europa, e Plantin aproveitou essa oportunidade para expandir seu impacto.

Prensa original: berço da tipografia moderna | Foto Erik Sadao
Presumida ilustração de Rubens no tratado óptico de 1613, ‘Opticorum libri sex’, pela Plantin Press | Frederik Beyens
Coleção de arte e livros | Erik Sadao

A coleção de arte e livros

Durante os séculos XVI e XVII, a família Plantin & Moretus acumulou uma impressionante coleção de livros e obras de arte, muitas das quais continuam disponíveis no museu. Os cômodos da casa foram preservados como eram na época, oferecendo aos visitantes um vislumbre da vida cotidiana e do ambiente de trabalho dos Plantin.

Entre as preciosidades da coleção estão obras do renomado artista flamengo Peter Paul Rubens, amigo da família, que também contribuiu com ilustrações para algumas das publicações de Plantin.

Essa fusão de arte e conhecimento reflete a importância cultural e intelectual representada pela família.

A biblioteca do museu Plantins-Moretus | Foto: domínio público

A família Plantin

Christophe e Jeanne tiveram, assim como o empresário Silvio Santos, muitas filhas: Margaretha, Martine, Catharina, Magdalena e Henrica.
.

No século XVI, esperava-se que as mulheres assumissem papéis domésticos, sem acesso a uma educação completa. Plantin, no entanto, desafiou essas expectativas.

Ele educou suas filhas em vários idiomas, capacitando-as a revisar e editar os textos publicados. Além disso, garantiu que fossem habilidosas costureiras, não para encontrar maridos, mas para que pudessem se sustentar caso fosse necessário.

Sua abordagem visionária para a educação das filhas exemplificava seu compromisso com o desenvolvimento integral das pessoas ao seu redor.

O pátio do museu, com seu jardim de anêmonas | Erik Sadao
Volume da Biblia Polyglotta, com textos sagrados em diferentes idiomas, preservado no Museu Plantin-Moretus | Reprodução

A revolução editorial de Plantin

Durante seus 34 anos de carreira, Plantin publicou 1.887 obras significativas, incluindo dicionários, textos religiosos, científicos e políticos. Sua abordagem inovadora para a produção de dicionários, focada na tradução e no aprendizado de línguas como o árabe a partir do latim, contribuiu para a disseminação do conhecimento e para a globalização da informação, quebrando a dependência da Igreja como única fonte de saber.

A publicação mais icônica de Plantin foi a Biblia Polyglotta, uma bíblia monumental composta por oito volumes impressos em cinco idiomas: latim, grego, hebraico, caldeu e siríaco antigo.

Além de atuar secretamente e publicar textos tanto a favor quanto contra a Espanha, Plantin adotou uma estratégia semelhante com os textos religiosos publicados. Quase como um agente duplo, Plantin produzia panfletos financiados pela Igreja Católica, enquanto também imprimia panfletos calvinistas. Para proteger sua identidade ao publicar para ambos os lados, usava pseudônimos ao assinar os textos anti-espanhóis e calvinistas.

Equipamentos que testemunharam o avanço cultural na Europa | Erik Sadao
Além das portas: harmonia histórica | Reprodução

O império de Plantin-Moretus

Plantin trabalhou em estreita colaboração com seu genro, Jan I Moretus. Moretus começou a trabalhar com Plantin aos 15 anos e, mais tarde, casou-se com Martine, a segunda filha mais velha de Plantin. Iniciando sua carreira como assistente de livraria, Moretus rapidamente se destacou pela dedicação e pelo aprendizado constante ao lado de Plantin, tornando-se seu braço direito e grande amigo ao longo dos anos.

Quando Plantin faleceu em 1589, ele deixou a empresa para Moretus, uma decisão que gerou certo desentendimento entre Moretus e outros genros de Plantin. No entanto, Moretus teve uma longa e bem-sucedida carreira, publicando cerca de 640 edições e protegendo o legado deixado por Plantin.

Jean I Moretus
Jean I Moretus | Reprodução
O encontro entre arte e geografia no mapa antigo de Antuérpia | Foto Erik Sadao
Diagramação: a fonte Plantin, uma das contribuições notávies de Plantin e Moretus para a tipografia
A fonte Plantin | Reprodução

Uma das contribuições mais notáveis de Plantin e Moretus para o mundo da tipografia foi a criação e o uso exclusivo da fonte Plantin, desenvolvida especialmente para ele. Além disso, Plantin tinha um monopólio sobre o uso de várias outras fontes tipográficas, como a Times New Roman e a Garamond, que ele utilizava em suas impressões. Esse controle sobre as fontes conferia à empresa uma vantagem competitiva significativa em relação a outros editores europeus, consolidando a posição de Plantin como um dos principais impressores de sua época.

Moretus faleceu em 1610, e a empresa permaneceu sob controle da família até 1876, quando foi vendida para a cidade de Antuérpia. Apenas um ano depois, em 1877, a editora foi reaberta como um museu, oferecendo ao público a oportunidade de explorar a rica história da impressão.

Em 2005, o Museu Plantin-Moretus tornou-se o primeiro museu a receber o status de Patrimônio Mundial da UNESCO, um reconhecimento merecido para um legado verdadeiramente revolucionário.

Nos ambientes do museu, o tempo se curva à arte e à erudição | Erik Sadao

O que ver no Museu Plantin-Moretus?

Ao visitar o Museu Plantin-Moretus, os visitantes podem explorar uma vasta coleção de arte e livros, com destaque para obras de Peter Paul Rubens e para a rica biblioteca de textos históricos. O museu preserva os cômodos originais da casa, permitindo uma imersão no cotidiano do século XVI ao XVIII. As prensas de impressão originais, ainda em exibição, são um testemunho vivo do impacto revolucionário que a família Plantin & Moretus teve na história da impressão e na disseminação do conhecimento na Europa. O museu oferece uma experiência impar — um destino UNQUIET onde história, arte e cultura se entrelaçam.

    UNQUIET Newsletter

    Voltar ao topo