A fantástica ilha de Boipeba

Mais do que um destino alternativo na Bahia, a Ilha de Boipeba funciona em um ritmo ancestral, com cenários nativos de mata, mangue, restinga e corais, elevando o descanso a uma experiência única e transformadora

As vezes, acredito que é o momento que escolhe e curte você, e não o contrário. Minha ida para a Ilha de Boipeba foi um deles. Antes de viajar, eu sabia que encontraria os clichês do paradisíaco litoral baiano: mar cristalino, praias com coqueiros, natureza exuberante e dias tranquilos. Mal sabia que, além de tudo isso, a ilha e seus guardiões me convidariam a entrar em outra frequência, na qual a fração de segundos aconteceria em um fluxo natural, quase mágico, extrapolando o simples objetivo de contemplar o entorno e me sentir descansada para, sim, voltar (re)nova(da). 

A Ilha de Boipeba é uma joia rara no mundo de hoje, ainda isolada de grandes centros urbanos. Situada ao sul de Salvador, separada da Ilha de Tinharé, onde está o badalado Morro de São Paulo, ela integra o Arquipélago de Cairu.

Tendo como base a capital, os meios de transporte para chegar lá são semi terrestres, ou seja, carro e barco, com a duração mínima de cinco horas. Tenho a teoria de que todo paraíso é desafiador de chegar, o que torna a experiência mais especial. Quando você descer do último transporte, já vai sentir o estado de espírito local, descontraído e abundante.

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Dicas de viagem Ilha de Boipeba
Ilha de Boipeba | Foto: Getty
Dica de Viagem Ilha de Boipeba Capoeira
Moradores praticam capoeira

Beleza Nativa 

Cercada de um lado pelo Oceano Atlântico e do outro pelo estuário do Rio do Inferno, Boipeba é reconhecida como uma Reserva da Biosfera e um Patrimônio da Humanidade pela Unesco. A maior parte de sua natureza ainda é nativa, uma mistura de mata atlântica, manguezais, restingas, corais e dunas, o que torna a ilha um lugar singular.

O nome Boipeba tem origem na palavra tupi m’boi pewa, que significa “cobra chata”, o termo usado pelos tupinambás para nomear as tartarugas marinhas da região.

Antes da colonização, com início em 1535, eles eram os únicos habitantes e viviam da caça, do cultivo de mandioca e da pesca, essas duas últimas ainda praticadas pelos nativos da ilha. Em 1610, sob o domínio dos jesuítas, a região elevou-se à condição de vila e, logo em seguida, foi erguida a Capela do Divino Espírito Santo. Boipeba se tornou uma importante fornecedora de alimentos e materiais de construção para o recôncavo e Salvador. Após uma sucessão de conflitos, em 1810 o principal vilarejo da ilha passou a ser reconhecido como Velha Boipeba.

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Dica de Viagem Ilha de Boipeba Baía de Moreré
Pescador quilombola rema na Baía de Moreré

A Velha Boipeba é o ponto mais ao norte, povoado e desenvolvido da ilha. Em direção ao sul estão Moreré, Monte Alegre e Cova da Onça. A minha escolha para conhecer a região foi Moreré, uma pacata vila de pescadores, com ruas de terra e pouco comércio. Eu me hospedei na pousada Ventos de Moreré, literalmente pé na areia, com seus bangalôs imersos na mata e a proposta de se comprometer com práticas sustentáveis. Meus momentos favoritos eram assistir ao silencioso nascer do sol, antes das 6 da manhã, e ao futebol de areia na maré baixa, ao pôr do sol.

Entre 7 e 10 mil pessoas moram hoje na ilha. Uma curiosidade contada por um local é que existem apenas dois policiais e uma ambulância. As opções para se locomover são a pé, de quadriciclo, canoa, trator ou barco. Sugiro experimentar todos e também deixar que o próprio ritmo direcione aonde ir.

Gastronomia Ilha de Boipeba Lagostas e Pescados
Cestas de lagostas e pescados na baía

Os meus caminhos: Bainema

No primeiro dia, fui conhecer a inigualável e deserta Bainema. A aventura começa com um curto caminho, que mistura mangues e trilhas de terra, abrigadas por jardins de grama rasteira, sempre acompanhada pela trilha sonora dos movimentos dos caranguejos guaiamuns, pintados como o azul do céu. A primeira impressão é inesquecível: tudo que eu consigo enxergar é a água clara do mar, coqueiros misturados com mata atlântica, infinitas e diversas conchas e uma extensão de faixa de areia inabitada de pelo menos 3 km. Por algumas horas, éramos as únicas presenças no local. Até que, surpreendentemente, um bando de pelo menos 15 cavalos surgiu em nosso caminho, enquanto nos deliciávamos nas águas quentes da linda praia, que foi eleita a minha preferida.

À tarde, segui a dica certeira para os caçadores de pôr do sol: assisti-lo, com um drinque na mão, na pousada O Céu de Boipeba, na vila central. Só lá do alto tive a dimensão do volume de mata da região e recebi as boas-vindas dos raios coloridos de um dos fins de tarde mais lindos que vivi.

Dica de viagem Ilha de Boipeba Entardecer no Mar
Entardecer no mar | Foto: iStock
Dica de Viagem Ilha de Bopeba Ponta da Praia de Tassimirim
Ponta da Praia de Tassimirim, na Velha Boipeba

Aproveitei a ocasião para me perder nas ruas da vila jesuíta. Chão de pedras, barracas de comidas, restaurantes agradáveis, lojas de todos os tipos, inclusive de artesanato, tudo misturado ao cotidiano local. Existe algo muito interessante em viajar para lugares turísticos fora da época de pico, que é o fato de poder viver a essência do lugar. Nesse caso, observei pessoas se cumprimentando na rua, crianças pedalando em bicicletas, aulas de capoeira na praça, barbearias com moradores cortando o cabelo, crianças indo e voltando da escola (um trator faz as vezes da perua escolar), adultos reunidos para jogar conversa fora, meninas fazendo coreografias dentro de casa e, claro, o futebol. A vida não para, e você se mescla nela.

De barco até a Praia de Castelhanos 

Uma breve chuva anuncia o segundo dia. Envolvida pelos encantos do barqueiro Ju, “o melhor da Bahia” (segundo ele mesmo), à tarde decido fazer um passeio de barco até a Praia de Castelhanos, com seu colega Danilo. Ela tem esse nome devido ao naufrágio da embarcação espanhola Madre de Dios, em 1535. Ao desembarcar, me deparo com uma praia entre o rio de mangue e o mar, dessas que mudam ao ritmo da maré. Seguindo a dica de um amigo, me delicio com um inusitado acepipe local, o pastel de polvo e banana-da-terra, feito pela Vanessa, proprietária de uma das dezenas de barracas à disposição.

Viagem Ilha de Boipeba Cacau na Praia de Castelhanos
Sementes de cacau secando ao sol na Praia de Castelhanos

A volta para a pousada tem uma parada estratégica nos corais da Praia de Moreré. Reparo que Danilo está pegando algo no mar para dar aos peixes e pergunto o que é. Ele explica que, de alguns anos para cá, é proibido jogar pão para alimentar os animais, mas que eles ainda se atraem pelos grãos de areia. Confesso que me dá alívio presenciar essa cena nos dias de hoje, em que muitos passeios turísticos praticam atrocidades para se destacar, o que apenas desequilibra o meio ambiente.

De Boipeba a Moreré a pé 

No terceiro dia, Dora, minha amiga, e eu decidimos não fazer planos e seguir o ritmo da ilha. Foi assim que acabamos em uma tradicional caminhada desde a Velha Boipeba até Moreré. São cerca de 12 km, a maior parte feita pela costa, com algumas trilhas por entre fazendas de coqueiros, travessias de rios rasos e paradas essenciais para hidratar com água de coco e reabastecer as energias com pastéis de frutos-do-mar. O recomendado é fazer na maré baixa.

Viagem Ilha de Boipeba Praia Ventos Moreré Hotel Beach Club
Praia em frente ao Ventos Moreré Hotel & Beach Club

Quando o inusitado toma conta, sou ainda mais surpreendida. Na caminhada, foram três desses momentos. O primeiro, como em uma utopia, um homem preto, cavalgando um cavalo branco, apareceu bem na hora em que não sabíamos como atravessar o rio e nos ajudou gentilmente a achar o caminho. O segundo aconteceu na chegada à Praia de Moreré, um espetáculo na maré baixa, quando a paisagem se transforma totalmente, com os bancos de areia e os corais acima da água cristalina, formando uma lagoa espelhada. O terceiro, e último, foi a aparição de Agnaldo, vendendo suas barras de cacau, preparadas localmente, e oferecendo uma experiência de canoa ao pôr do sol no Rio do Inferno. O passeio culminou em um dos momentos mais incríveis da viagem: ouvir a história da ilha, no meio de manguezais e sob uma luz deslumbrante, que deu as boas-vindas a um céu estrelado inimaginável.

Quadriciclo e sabores originais  

Sem aviso prévio, deixei o melhor para o final. Combinei com meu novo amigo, o guia Murilo, de fazer a volta pela ilha de quadriciclo. Adentrar a mata e perceber a grandiosidade do verde mexe com o coração, nos faz aterrar, prestar mais atenção no entorno. Por ser uma terra quilombola, pedi que parássemos em algum terreiro. Acabamos descendo até a comunidade de Monte Alegre, na casa da Jandira. Ela me contou um pouco de sua história, comentou que não gosta de ir à cidade e me deixou com gosto de quero mais: “Vem um dia dormir na minha casa de aluguel que lhe conto tudo sobre o passado da ilha e da minha família”. Como esquecer um convite mais do que especial?

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Lounge do Ventos Moreré
Dica de pousada hotel Ilha de Boiopeba Ventos Moreré
Um dos bangalôs do Ventos Moreré

Além da parada na já conhecida Castelhanos, fomos à Praia das Amendoeiras, uma faixa de areia protegida por uma mata densa, com as amendoeiras fazendo as vezes de guarda-sol. Lá, Murilo nos contou sobre as muitas jiboias da ilha, que descansam preguiçosamente nas amendoeiras. Seguimos para almoçar na Cova da Onça, uma comunidade de 700 moradores, onde a pesca e a produção do cacau ainda reinam como a atividade principal. Além de uma comida fresca deliciosa, tivemos a companhia de Clara, Nicholas e Cecília, três crianças locais, que nos explicam a produção do cacau. No fundo, o futebol da criançada, aproveitando a maré baixa, declarava o final do dia.

Após o último pôr do sol no verde infinito, a volta teve ainda uma parada obrigatória. As cocadas, o azeite de dendê e outras delícias da dona Dôra. Um lugar especial, onde abasteci minha mochila para voltar para casa com lembranças divinas e gosto de quero mais. 

Se na Bahia o tempo tem seu próprio ritmo, em Boipeba essa sensação ganha ainda mais força. As marés ditam a hora de se movimentar ou se mesclar à natureza. As chuvas repentinas convidam a se refugiar num livro e os fins de tarde trazem sempre a promessa de uma nova aventura. Meu último conselho, inspirado no livro que estava lendo, O Gato Malhado, de Jorge Amado: acorde bem cedo para presenciar o espetáculo do nascer do sol, que nada mais é do que “a manhã apagando as estrelas que a noite acende com medo do escuro”.

Ilha de Boipeba: documentário

Assista ao documentário Um cochicho à resistência (2023), de Felipe Beltrame, autor de várias das fotos deste artigo sobre a Ilha de Boipeba, com relatos de 13 moradores de diferentes comunidades da Ilha de Boipeba. O trabalho mescla paisagens incríveis, tradições, atividades extrativistas e depoimentos que perpassam a história do Brasil nos últimos 500 anos.

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SUSTENTABILIDADE

Ações de conservação do meio ambiente e ações sociais

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Ventos Moreré

  • Capacitação de mão de obra local na construção de todo o espaço
  • Implementação de placas solares, poço artesiano e uso de biodigestor para tratamento de água e esgoto, foças biológicas e ventilação cruzada
  • Horta orgânica, todo o alimento servido a partir de ingredientes Km 0, cuja origem proveniente da região garante controle 100% livre de transgênicos e agrotóxicos.

Matéria publicada na edição 16 da Revista UNQUIET

Dicas de Viagem Ilha de Boipeba
Ilustração: Antônio Tavares

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