Estávamos separadas há alguns meses, ela ainda morando no nosso apartamento alugado em Nova York, eu já de volta ao Brasil, quando soube que ela desembarcaria em São Paulo a trabalho. Eu estava naquela fase da tristeza que já começa a conseguir enxergar alguma vida para além da traição e sabia que não seria um bom momento para encontrá-la. Decidi que faria uma viagem. Mas para onde? O dinheiro não andava sobrando, eu teria que parcelar tudo o que pudesse, mas também sabia que pagaria o que fosse para não voltar casinhas nesse tabuleiro da recuperação das fossas. Sempre quis conhecer a África do Sul e comecei a cogitar a possibilidade. De impulso, pedi que um amigo especialista no destino fizesse um roteiro para mim. “Um roteiro cheio de atividades”, pedi. Achava que se eu ficasse me movimentando seria mais fácil não pensar. Em questão de alguns dias lá estava eu a caminho de Johanesburgo. Absolutamente sozinha, o que era inédito em minha vida. Quando o avião pousou em solo sul-africano eu entendi que estava no continente onde essa nossa experiência humana começou. Que maluquice, pensei.
De acordo com o roteiro, eu iria direto para o Kruger Park, uma reserva privada onde poderia me hospedar em um resort luxuoso e passar o dia acompanhada de rangers e trackers – os profissionais que conduzem o turista pela savana em busca dos Big Five, os cinco animais que são mais difíceis de serem rastreados se você estiver a pé. São eles o rinoceronte, o leopardo, o búfalo, o elefante e o leão. Eu acabaria vendo quatro desses (faltou o leopardo). A experiência, que para mim começou com gosto de fuga, não demoraria a deixar de ser um escape. O primeiro safári já me deslocou para outros lugares. O arrebatamento de misturar-se à savana e olhar um leão ou um rinoceronte nos olhos não cabe em palavras. São sensações e sentimentos que transbordam de dentro para fora. De imediato, a rejeição de um amor passa a ser um farelo em escala cósmica. Quem sou eu para chorar por um amor acabado? Que tipo de narcisismo poderia me levar a seguir mergulhada em mim se eu era parte de uma coisa infinitamente maior? O que estávamos fazendo com o mundo a ponto de perdermos de nossas carnes, almas e espíritos a noção de que somos parte de uma mesma substância? Por que destruímos tudo à nossa volta?
As inquietações foram se multiplicando dentro de mim. Enquanto meu ego era triturado, minha consciência parecia estar se alargando. De volta ao resort, meu corpo pedia um banho e cama. Mas havia ainda o jantar sob o céu estrelado. À minha volta, muitos casais em lua de mel. Casais héteros, casais LGBTQIA+, casais interraciais. E eu, acompanhada de mim mesma, percebia a cada noite que estava me apaixonando pela pessoa que poderia um dia ser. Foi uma viagem de suspensão e de êxtase. A África do Sul entrou em mim para nunca mais sair. Prometi que voltaria. Sozinha ou não. Mas voltaria. Porque a África do Sul não é um lugar para a gente visitar; é um lugar para a gente se hospedar. Visitar é fácil. Hospedar, isso sim, é o que nos desloca e transforma. Acolher, abraçar, agasalhar, amparar. Tudo isso é hospedar. E foi isso o que a África do Sul fez comigo.
Dicas Quentes
Marcelo Marques, da South African Tourism, assina as dicas certeiras para um roteiro de arte e gastronomia na cosmopolita Johanesburgo e na imprescindível Cidade do Cabo, cidade com cena LGBTQIA+ mais fervilhante da África do Sul
Johanesburgo
Nirox Sculpture Park
Mais de 50 esculturas de artistas do mundo todo espalhadas por jardins deslumbrantes. Nirox é uma joia a apenas 40 minutos de Johanesburgo. Complete sua visita com um almoço no charmoso And then there was Fire, dentro do próprio parque.
The Shortmarket Club
Aberto em setembro de 2021, o restaurante do aclamado chef sul-africano Luke Dale Roberts saiu da Cidade do Cabo direto para o coração de Rosebank, um dos bairros mais descolados de Johanesburgo.
Cidade do Cabo
Our Local
Localizado na Kloof, uma das ruas mais queridas da cidade, esse restaurante/estufa, como o próprio nome diz, é ponto de encontro dos locais. O brunch nos fins de semana é imperdível. Delicie-se com um clássico Eggs Benedict rodeado de muito verde.
Between Us
Também na Kloof, o restaurante é comandado por duas irmãs gêmeas, por isso o sugestivo nome: “entre nós”. Peça qualquer prato do cardápio e fique muito feliz e satisfeito.
Youngblood Gallery
A espaçosa galeria investe em artistas jovens sul-africanos e conta com um ótimo restaurante. Parada obrigatória para quem passeia pela Bree Street, no centro da cidade.
Edition Events
Festas que mesclam arte, cultura e música para o público LGBTQIA+. Uma delas é a Spectrum, com próxima edição acontecendo no dia 25 de junho.