O final de agosto do ano passado chegou na Alemanha com alertas de tempestades. O pedido era para ficar em casa, mas, na agenda, tinha um fim de semana acampando em Ferropolis (escrito originalmente assim, na nossa língua), em Gräfenhainichen.
Corri para comprar itens básicos para sobreviver à eventual tempestade, que ameaçou cancelar o festival, antes de embarcar em Berlim num ônibus fretado superanimado. Para a nossa sorte, a ventania a levou para outro lugar, ocorrendo apenas algumas horas de chuva, que não comprometeram a diversão.
Era a minha primeira vez no WHOLE, um festival que celebra a comunidade queer e reúne coletivos artísticos e de festas LGBTQIA+ de vários países do mundo, incluindo a Mamba Negra, que representou o Brasil em 2022.
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Validade: junho 2024
Let the fun begin
Chegamos numa sexta-feira ao entardecer, o primeiro dia do festival, que se estenderia até às 10 horas, de segunda-feira. Uma fila gigante se esticava para fora dos portões. Todo mundo, com as malas e o arsenal necessário para acampar nos dias seguintes, esperava pela sua vez de ser revistado, por seguranças que não demonstravam ter a menor pressa.
Ferropolis é um espetáculo à parte, onde cinco máquinas industriais gigantescas, de meados do século XX, transformaram o lugar num cenário de filme de futuro distópico. Algumas chegam a ter 30 m de altura e 120 de comprimento. A Cidade de Ferro, que no passado funcionou como uma mina de carvão, é hoje um espaço impressionante, que abriga festivais de música de todos os tipos. Uma parte da antiga estrutura foi inundada para dar lugar a um belo lago, cercado por uma prainha de areia branca, ótima para se refrescar pela manhã, antes de se jogar na maratona de festas.
Diferentemente da maioria dos festivais dedicados à comunidade LGBTQIA+, o WHOLE passa longe da música pop e do EDM. São cinco palcos, três deles dedicados ao house, techno e techno progressivo. Mas o coletivo brasileiro Batekoo, no line-up de 2023, promete colocar todo mundo para rebolar com o funk brasileiro. Participam nessa edição coletivos de Tóquio, Kiev, Kampala, Chengdu, Nova York, Istambul, Lisboa, Barcelona e vários de Berlim, incluindo alguns internacionais, o que promete manter a diversidade no line-up e aumentar ainda mais a pluralidade musical.
Fora do comum
Nada no WHOLE Festival é óbvio, e nem mesmo o cor-de-rosa, tão presente em eventos queer, tem lugar por lá. Uma visão global assertiva, que não se preocupa com grandes nomes da música, deixa a curadoria impecável e uma das mais inclusivas que eu já vi. No ano passado, o palco de performances abrigou o Drag Syndrome, um coletivo inglês de drag queens com síndrome de Down.
A audiência é muito diversa, com uma participação bem grande de pessoas trans, reunidas à vontade no mesmo lugar. Na praia, corpos nus de todos os tipos se estendem à vontade. Para quem não sabe, a Alemanha é adepta ao FKK (a cultura do corpo livre, ou seja, a nudez é natural). Os palcos ficam espalhados em volta de todo o maquinário, e eu já soube que 2023 ganhará um novo. Um deles fica escondido numa floresta, outro flutua sobre o lago, enquanto o principal fica embaixo da maior máquina de todas e conta com uma iluminação dramática, dando uma cara de festa do fim do mundo. Além da música, há um tablado dedicado à performance e outro para leituras, palestras e uma concorrida aula matinal de ioga. E adivinha? Tem também uma área de cruising.
De olho na logística
Uma das coisas mais importantes para ter uma boa experiência no WHOLE é acampar o mais longe possível dos palcos. Eu, que caí de gaiato, quase acampei atrás de um deles, mas por fim fui salva por um amigo, para ficar numa área reservada para o staff e amigos do festival.
O ideal é ir de trailer ou alugar uma van equipada, para diminuir bastante o perrengue de acampar. Encarar a fila para comprar café da manhã, caso não se tenha levado o seu próprio, era de doer o coração e as pernas. A comida também deixou a desejar, sem muitas opções saudáveis. Não encarei a fila nos bares, mas comprar uma bebida exigia deixar 2 euros de depósito, que eram devolvidos em troca do copo. O problema era que só aceitavam copos comprados no próprio bar, o que não fazia muito sentido, já que estamos sempre em movimento. Mas este ano o próprio festival será responsável pelos bares, resolvendo esses problemas.
O WHOLE Festival tem por trás três coletivos de festas queer de Berlim, um deles é a Pornceptual, produzida por dois brasileiros, a Raquel Fedato e o Chris Phillips. Ou seja, espere pela comunidade brasileira presente.
Para mim, foi uma experiência única, que me mostrou a possibilidade de um mundo mais diverso, divertido e inclusivo. A próxima edição acontece entre 28 e 31 de julho. Mais informações instagram.com/whole.festival.
Ingressos € 215.
Matéria publicada na edição 11 da Revista UNQUIET.
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