Por Lalai Persson
Meu coração saltou de alegria ao saber que o finado Free Jazz estava de volta a São Paulo, com uma nova roupagem. O anúncio do line-up do C6 Fest me fez querer comprar uma passagem Berlim-São Paulo para conferir o que parecia ser um grande retorno. Não deu, mas prometi que no ano seguinte eu daria um jeito de estar na capital paulista na mesma época, para conferir pessoalmente se um dos meus festivais favoritos de todos os tempos estava sendo bem representado.
História de uma promessa
Cumpri o prometido.
Voei para São Paulo com expectativas altas para conhecer o novo C6 Fest, que realizou sua segunda edição em maio deste ano.
“Em um momento em que os festivais de música parecem estagnados, com line-ups similares, o C6 Fest ousa ao escalar artistas nacionais e internacionais menos óbvios, muitos deles com currículos invejáveis”
Também traz de volta um clima mais intimista onde a música é a estrela do evento. É ela quem move toda a experiência, fazendo um público que já não frequenta mais festivais sair de casa novamente.
Há tempos eu não encontrava tantos rostos conhecidos de uma só vez. A abertura do C6 Fest 2024 aconteceu numa sexta-feira, com shows no Auditório do Ibirapuera como aquecimento para a extensa agenda do fim de semana. O encerramento se deu no domingo, também no Auditório, com um dos shows mais esperados do festival: Dinner Party, trio formado por Robert Glasper, Terrace Martin e Kamasi Washington. Os ingressos, vendidos separadamente do restante do festival, estavam esgotados – afinal, o público adulto gosta disso: assistir a shows sentado em uma poltrona confortável. Se, a isso se somar um ótimo line-up, a alegria é dupla.
O charme do parque
O Parque Ibirapuera é uma escolha de locação acertada. Além do fácil acesso, festivais em parques oferecem a melhor combinação que um evento pode ter: natureza e música. Soma-se a isso o emblemático Auditório, com sua função multifacetada: palco fechado e palco externo com uma boa área para projeção visual, gramado para sentar e vista privilegiada para o pôr do sol.
Com três palcos, cenografia bonita e intimista, uma boa área de descanso e a ótima curadoria se estendendo também às opções de comida, o C6 Fest 2024 entregou de cara o que fez dele um festival querido pelo público 40+: conforto, comida boa, line-up refinado e nenhum perrengue.
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Revival e reencontros
Sábado foi dia de festa. Após dançar com a nigeriana Ayra Starr, que animou a plateia com seu afropop, foi a vez de conhecer o segundo palco. Para chegar a ele, foi necessário sair do festival, atravessar o prédio do Museu Afro Brasil e entrar no festival novamente.
Nesse palco, Romy, do The XX, promoveu uma balada à luz do dia com suas batidas eletrônicas e canções pop que todo mundo sabia cantar. Ao lado, no Pavilhão das Culturas Brasileiras, estava o palco dos DJs, mas este não foi tão disputado, já que dividiu atenção com artistas de peso.
Assisti ao Soft Cell, banda que marcou minha adolescência e que eu nunca tinha visto ao vivo e explorei o Black Pumas no palco do outro lado do parque. Valeu a pena a caminhada.
“O show não decepcionou: foi grandioso e potente, mas a minha veia clubber me fez largá-lo na metade para fechar a noite com o 2manydjs, que marcou toda uma época da minha vida. Foi uma feliz escolha”
Lá deparei com uma grande festa e muitos amigos, que não encontrava havia anos. Parecia um revival da primeira década dos anos 2000. A pista tremia como deveria tremer em um festival de música. Foi o momento catártico do meu primeiro dia na segunda edição do C6 Fest.
Reflexões
No domingo, a programação noturna teve um modo mais suave do que o esperado. Os rostos conhecidos desapareceram, mesmo com a “Cat Power Sings Dylan” na programação. Ela fez um show bonito, mas teria brilhado ainda mais no palco externo do Auditório, onde era possível assisti-lo sentada na grama com a noite caindo sob as nossas cabeças. Era mais a vibe do show.
“O Pavement e Young Fathers fizeram valer a noite e fecharam com chave de ouro minha primeira empreitada no C6 Fest”
O C6 Fest é um festival adulto sem grandes distrações que, às vezes, pode ser o próprio público. Como sempre digo, festival do futuro é o que preza pela equidade de gênero, e embora o C6 Fest já tenha avançado com um line-up diversificado, ainda há espaço para progresso nessa área. Dito isso, o C6 Fest tem tudo para se firmar no calendário dos festivais de música no Brasil e voltar a ser o queridinho de uma geração que se viu esquecida.