Paul Bowles certa vez definiu turistas e viajantes. Os turistas saem e retornam com datas marcadas. Para eles, uma viagem é apenas uma suspensão provisória da ordem cotidiana. Os viajantes, entretanto, partem sem estabelecer um roteiro certo, nem um retorno certo, seja para sua casa, seja para sua própria vida. Hoje, em pleno século XXI, de globalização quase total e mentalidade existencial conservadora, é muito difícil ser um viajante. Mas algo dessa experiência sempre pode nos acontecer numa viagem turística. Basta que alguma coisa saia do controle.
Já estávamos, minha companheira, Ana, e eu, havia cinco dias na Ilha de Páscoa, quando decidimos subir o Vulcão Terevaka sozinhos, sem o guia. O Terevaka é o mais alto entre os cerca de 170 vulcões que formam a ilha. Sua cratera fica mais de 500 m acima do nível do mar. A princípio, não haveria dificuldades, pois o trajeto até a cratera é de 4 km, e a trilha, nítida. Começamos a subida em ritmo de passeio.
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Quando tínhamos andado 2 km, a trilha desembocou num portão, rodeado por uma cerca com arame farpado. Era uma propriedade privada. Talvez fosse aquele mesmo o caminho, mas preferimos não arriscar. A alternativa era seguir à esquerda, onde também havia uma trilha. Esse caminho parecia nos desviar da direção original e, percorridos uns dez minutos nele, de fato começava a conduzir para baixo.
“A essa altura, uma neblina cerrada cobria a paisagem. Não discerníamos nada. Não havia um ponto para onde mirar, um pico que pudesse nos orientar”
E não havia vivalma na trilha. Estávamos sozinhos. Ficamos alguns minutos desorientados e aturdidos, sem conseguir tomar uma decisão. Nesse exato momento, como um deus ex-machina da era digital, o celular da Ana tocou, do nada e no meio do nada.
“Você tá com internet aqui?”, perguntei. Ela ativou o roaming e, para meu espanto (pois o 4G funciona mal na ilha), estava. Salvos pela tecnologia: o mapa nos mostrou o caminho e nos guiou através da neblina. Quase chegando ao objetivo, entrevemos algumas formas na orla do Terevaka. Eram cavalos. Uns 15. Lindos, imponentes, mas também um pouco intimidadores, naquele cenário de filme de suspense. Hesitei, mas avançamos. Em poucos minutos, estávamos dentro da cratera do jovem vulcão de 300 mil anos. No meio da cratera, nasceu uma solitária e poética árvore, na qual me recostei e contemplei a mística paisagem. As coisas dão mais certo quando algo dá errado.
Visita à Ilha de Páscoa: Triângulo de vulcões
O Terevaka é um dos vértices de um triângulo de erupções vulcânicas que deram origem à Ilha de Páscoa (ou Te Pito Te Henua, em Rapa Nui, o idioma original dos nativos). No outro vértice está o Poike, um complexo vulcânico de 3 milhões de anos. A caminhada pelo Poike é deslumbrante, com vista para boa parte da ilha. Por fim, o terceiro vértice do triângulo é o Rano Kau, de 2,5 milhões de anos. Sua cratera tem mais de 1 km e se abre para o mar, compondo talvez a paisagem mais impactante entre as tantas paisagens impactantes da ilha. No entorno do Rano Kau, os antigos Rapa Nuis estabeleceram a comunidade de Orongo, com casas feitas de rocha vulcânica. Era de lá que partiam os valorosos polinésios que participavam da competição do homem-pássaro.
Aqui passamos da dimensão geológica para a histórico-cultural. Para chegar ao homem-pássaro, tenho que contar um pouco da história da ilha.
Em algum momento entre os séculos VIII e XII, polinésios habitantes de uma ilha então chamada de Hiva saíram em busca de uma nova terra, porque o nível do mar começou a subir e ameaçava sua existência. Ao se estabelecerem na nova ilha, trouxeram consigo a ordem social de Hiva, rigidamente estratificada.
O período que vai do século XII ao XV é marcado pela produção das monumentais esculturas de rocha vulcânica, chamadas de moais, que passaram a simbolizar a Ilha de Páscoa em todo o mundo desde que foram descobertas por ocidentais, no século XVIII. Os moais eram esculpidos na cratera do Rano Raraku (Rano significa “vulcão”), onde ainda hoje é possível vê-los, tal como foram preparados pelos antigos Rapa Nuis para serem transportados aos Ahu, as plataformas sobre as quais eram colocados. Há ainda hoje cerca de 400 moais na área. Em frente ao vulcão, na beira do mar, assoma o Ahu Tongariki, o mais imponente entre todos os conjuntos de moais.
Os moais foram construídos como uma homenagem aos Ariki (reis) e outras figuras conspícuas da antiga aristocracia Rapa Nui. A eles era atribuída a função de proteger os habitantes locais. Entretanto, o modo como transportavam as esculturas gigantescas, desde o vulcão onde eram esculpidas até diversos pontos da ilha, a alguns quilômetros de distância, permanece um enigma, que fez correr muita tinta especulativa e até esotérica.
Visita à Ilha de Páscoa: Desafios sob os moais
Os séculos que se seguem a esse apogeu da cultura megalítica dos Rapa Nuis são marcados por guerras civis, em que as classes sociais dos guerreiros e as inferiores atacaram a aristocracia, na disputa por recursos e poder. Ao longo das guerras, os moais, um grande símbolo da realeza, foram tombados e destruídos.
No século XIX, emergiu a competição-culto do homem-pássaro como uma forma de mediar o conflito entre as classes. Doravante, cada clã da ilha escolheria um representante para a competição. O vencedor era consagrado e detinha o poder sobre as demais tribos até a próxima disputa. E esta é uma das mais árduas já inventadas: descer um penhasco de 300 m, lançar-se ao mar, enfrentar correntezas e tubarões por 1,5 km e chegar a uma ilhota escarpada. Lá, esperar semanas até que um pássaro colocasse seu ovo num ninho. Aí pegar o ovo e trazê-lo ileso até o alto do
O período do culto ao homem-pássaro marca o fim da cultura tradicional Rapa Nui. A partir de meados do século XIX, a ilha sofre sucessivas invasões e tentativas de escravização de seus habitantes, de colonização e de exploração do povo e suas terras. A população, que chegou a 15 mil habitantes, é reduzida a pouco mais de uma centena, em consequência de ataques e de doenças trazidas por estrangeiros.
Apesar desses acontecimentos, os habitantes da ilha e sua cultura, bem como a imponência dos moais e a beleza deslumbrante das paisagens, resistiram e voltaram a florescer. Os moais foram restaurados e encantam pessoas do mundo inteiro. Os habitantes da ilha, sobre os quais pesam conflitos de terra e outras disputas e dificuldades, parecem viver dignamente.
HangaRoa
O “centro” da ilha é o bairro de Hanga Roa, onde mora a grande maioria das pessoas e se encontram o comércio local, as atividades culturais, a igreja, os prédios administrativos e um campo de futebol, inaugurado por ninguém menos que Pelé. Recomendo fortemente uma ida à missa, pois o catolicismo dos Rapa Nuis é sincrético, com uma iconografia singular e hinos cantados em sua língua, com violão e tambores dentro da igreja. Vale muito também uma visita ao balé cultural Kari Kari. As mulheres dançam com movimentos típicos da Polinésia, que remetem às danças havaianas. E os homens performam a Haka, uma dança de guerra sui generis, conhecida dos amantes dos esportes por meio da seleção neozelandesa de rúgbi.
Recomendo com igual ênfase a estadia no hotel Nayara Hangaroa, cuja arquitetura é tão integrada ao ambiente que não se consegue distingui-lo ao longe. Nele, a comida, deliciosa, apoia os agricultores e pescadores locais. Os quartos são inspirados nas cavernas da ilha, com sua escuridão profunda, o que me deu as melhores noites de sono em muitos anos. Como se tudo isso não bastasse, o staff é de uma gentileza ímpar, e você ainda pode se deparar com magníficos cavalos passeando livremente na sua varanda ao amanhecer.
Last, but not least: já que você deverá passar por Santiago, o hotel Magnolia é uma excelente opção, uma pequena joia, com todos os espaços pensados com o delicado rigor de um jardim japonês. De lá, é só se lançar ao Pacífico e passar uma inesquecível estadia entre vulcões, moais e Rapa Nuis. Mauru’uru!
Clique aqui para ler a matéria na íntegra na edição 13 da Revista UNQUIET.
Nayara Hangaroa
A decoração interior baseia-se no melhor dos produtos nobres e naturais como argila, pedra vulcânica, troncos característicos da ilha e itens de decoração confeccionados por artesãos chilenos.
O hotel prioriza a luz natural, sistema de abastecimento de água através de irrigação e purificação, além de produtos de limpeza fabricados com sistema de gestão ambiental.
Alojamentos com coberturas verdes permitem maximizar os efeitos de aquecimento da luz solar e da ventilação, arrefecendo os edifícios e minimizando a necessidade de ar condicionado.