Quando decidi fazer a Rota da Seda e percorrer três países da Ásia Central, o Cazaquistão era um grande “X” seguido por uma interrogação. Tudo que eu pesquisava mostrava sobretudo o Uzbequistão, com suas construções surpreendentes e seu passado glorioso. Assim, foi com a mente aberta que cruzei, na base da aventura, a fronteira Quirguistão/Cazaquistão.
Pouco explorado por viajantes brasileiros, o Cazaquistão guarda surpresas que vão desde paisagens naturais grandiosas até cidades vibrantes, com histórias ricas e contrastes impressionantes.
E eu estava prestes a desvendar os tesouros do país ao longo da lendária Rota da Seda, passando por Almaty, com sua atmosfera europeia, até a capital cosmopolita, Astana.
Travessia pelas montanhas Tian Shan
Segui com um pequeno grupo de carro pela estrada recém-restaurada, cercada pelas Tian Shan (Montanhas do Céu), cordilheira majestosa que marca a fronteira com a China, até chegar à alfândega “selvagem”: arame farpado, exército e estrada de terra, carregando as próprias malas. A origem do povo cazaque é a mesma do vizinho Quirguistão: povos nômades, pastores.
O Cazaquistão é o nono maior país do mundo em extensão territorial, e até o século XIX era extremamente pouco povoado — quando os russos iniciaram a ocupação do território, que ganhou muito investimento, sobretudo no quesito agrícola, ao se tornar uma das repúblicas socialistas soviéticas. Foi a primeira coisa que percebi ao seguir pela rota entre campos imensos de papoulas e tapetes amarelos de flores de sorgo.
A beleza natural do Cânion de Charyn
Alguns quilômetros à frente e já percebo que o Cazaquistão será um destino surpreendente ao chegarmos ao fantástico Cânion de Charyn, com suas formações rochosas de cor ocre esculpidas ao longo de 12 milhões de anos — esculturas de magnitude colossal, um deslumbre.
Besh barmak, o prato nacional do cazaquistão
Foi no restaurante do parque que tive meu primeiro contato com o prato nacional do Cazaquistão, o besh barmak (ou cinco dedos), feito à base de macarrão grosseiramente cortado, legumes e… carne de cavalo, uma iguaria, motivo de orgulho até os dias de hoje. Diz-se “cinco dedos”, pois originalmente era comido em campo, com as mãos, segundo a tradição pastoril.
No prato, além da essência do povo cazaque com referências históricas, está a influência chinesa (macarrão) e caldo quente, para suportar as baixas temperaturas. Mas há também um quesito europeu: o besh barmak ganhou a sofisticação de ser servido em porcelana fina, decorada e com talheres, nada de cinco dedos!
Almaty: charme europeu na primeira capital
A próxima parada: Almaty, a primeira capital do país, bem ao sul, quase na fronteira. A sensação é a de uma cidade europeia “temperada”, algo como Buenos Aires ou a Cidade do México.
Conhecida como “Cidade das Maçãs”, Almaty tem um traçado geométrico e muitos parques e praças, além de guardar exemplares de vários períodos da ocupação russa.
A catedral da Ascensão é uma pérola da construção em madeira das cúpulas tradicionais nas igrejas ortodoxas, e ornamentada com o luxo da iconografia bizantina. A parte mais antiga abriga prédios mais “ostentação”, marca do período stalinista com referências neoclássicas e frontões, em contraste com os prédios funcionais, mais simples, construídos por Nikita Kruschev para abrigar famílias que vinham do campo em busca das comodidades urbanas.
Lazer e vida noturna em Almaty
Almaty continua sendo o principal centro comercial do Cazaquistão, atraindo muito turismo interno. Para alguém como eu, vinda de um clima mais tropical, é fácil se destacar entre os moradores, sempre simpáticos e acolhedores.
O russo ainda é a segunda língua (e sinal de status), mas o inglês nos salva bem.
Por estar localizada a uma altitude média de 1.474 m, Almaty apresenta temperaturas que propiciam excelência em esportes de inverno, com estações de esqui bem estruturadas e estádios que recebem competições internacionais.
Nas montanhas, misturadas com a paisagem urbana, a caça ainda é praticada, assim como a arte da falcoaria e o adestramento equestre. É uma cidade encantadora, muito simpática, com calçadões e vida noturna que convidam a caminhadas e jantares em terraços. Bem diferente da nova capital, Astana.
A evolução da capital do Cazaquistão
Com um milhão de habitantes, a capital Astana, localizada ao longo do rio Ishim, no norte do Cazaquistão, foi transferida de Almaty em 1997 — seis anos após a independência da ex-república soviética. Em 2019, a cidade foi oficialmente renomeada como Nursultan, em homenagem ao ex-presidente Nursultan Nazarbaev, que esteve à frente do país por mais de duas décadas. A decisão, porém, durou por pouco tempo, e foi revertida em 2022, quando Astana adotou novamente seu nome original.
Arquitetura futurista e história no Museu Nacional
O choque é total!
Deixamos o passado nômade e a influência soviética para adentrar o mundo dos Jetsons em sua versão muçulmana. Os números são sempre superlativos e bem ao estilo “novo-rico” das ex-repúblicas soviéticas: a maiores mesquitas do pedaço, vitrais Tiffany, tapetes persas, ladrilhos de ouro.
Os prédios espelhados formam uma paisagem futurista e misturam vários estilos com edifícios em forma de pagode chinês, quadrados, redondos, piramidais.
O lago artificial e suas pontes esculturais, assim como shopping centers, substituem as tradicionais “datchas” de madeira onde os cidadãos podiam cultivar suas hortas e descansar aos finais de semana.
Por outro lado, esculturas e detalhes em espelho dourado lembram o passado histórico esplendoroso de civilizações antigas que podem ser conferidas no soberbo Museu Nacional do Cazaquistão.
Especialmente o setor dedicado ao “Homem de Ouro”, uma reunião de artefatos, roupas e principalmente joias feitas no metal que ilustram a habilidade de ourives e a tecnologia de fundição presente até hoje na joalheria tradicional.
Astana hoje: vibrante e cosmopolita
Astana recebeu em 1999 o título de Cidade da Paz pela Unesco e me parece que é muito merecido. A cidade pulula de gente nas ruas, jovens em convívio, veja bem, longe dos celulares! A religião muçulmana é visível, cabeças cobertas, chamadas para a reza, mas é light, até porque, estamos falando de uma ex-república soviética, período histórico que proibia a religião.
Aparentemente, as grandes conquistas do sistema socialista foram mantidas e ainda se preza pela educação e pela saúde públicas, mas em conversas mais íntimas, a desigualdade social parece existir mascarada com uma população bastante pobre na franja da cidade. Para nós, brasileiros, andar pelas ruas tranquilas e limpas em total segurança é como uma volta nostálgica a um passado idealizado, além de uma grande oportunidade para sonhar um futuro.
Elisa Stecca: sucesso e inspiração em cada jornada
Artista multifacetada e autora do recém-lançado Oráculo do Sucesso (Matrix Editora), Elisa Stecca transforma vivências em arte. Inspirada pelas paisagens majestosas e a simplicidade transformadora do Cazaquistão, Elisa propõe uma visão mais saudável sobre o sucesso.
Assim como no texto que escreveu sobre o Cazaquistão, seu livro-caixinha traz reflexões que nos convidam a redescobrir o extraordinário nos detalhes cotidianos. Uma jornada que conecta cultura, criatividade e a busca pelo verdadeiro significado de prosperidade.