Quando o mundo externo ficou em silêncio, o meu ruído interno aumentou intensamente. As angústias, os medos e as inseguranças, os piores sentimentos que podemos experimentar, transformaram-se em combustível para procurar por mim. Nesse longo processo, ainda em curso, a curiosidade inédita de me aprofundar na ancestralidade humana surgiu e, como nada na vida é por acaso, também iniciei uma nova jornada profissional: trabalhar com viagens culturais. Nelas, visitei tribos milenares no Quênia e em Ruanda, estive em uma comunidade remota de 100 pessoas na Groenlândia, absorvi ensinamentos quéchuas na Bolívia, meditei com xamãs na Indonésia, recebi todo o amor dos maranhenses em Paraibano. No entanto, entre as diversas experiências, um chamado especial aguçou de forma ímpar os meus sentidos, me direcionando para a correnteza certa do rio: uma vivência de sete dias na aldeia Ipatsé Kuikuro, no Território Indígena do Xingu.
Embarquei rumo ao Alto Xingu para presenciar o ritual do Jawari, rico em cores, danças e cantos. Para os fotógrafos do grupo, essa era a hora mais cênica do dia. Já para mim, que tinha levado apenas uma câmera descartável, o cotidiano da aldeia se tornou a minha sala de aula. Observar a forma pura com que os kuikuros fruíam o tempo não só me emocionava, mas despertava um afeto e um resgate dormentes, de como eu costumava sentir a vida antes, enquanto tentava me encaixar em posições e empresas voltadas para a cultura da produção.
Essa simplicidade de vida foi um alívio imediato para as minhas dores. Os raios de sol alaranjados dos fins de tarde anunciavam que o calor ia diminuir e era a hora de conviver no clarão da aldeia. Instantaneamente, crianças corriam umas atrás das outras, adolescentes calçavam suas chuteiras para partidas de futebol e os adultos se reuniam para jogar conversa fora. Chegou o momento de se divertir, depois de um longo dia de sol escaldante, quase camuflados à terra avermelhada, envoltos pela exuberante cortina de árvores e ao som raro de animais. Uma orquestra de sensações que me fizeram sentir o real poder da vida presente, muito mais do que a fome insaciável de ter sempre mais.
No Xingu, a Terra respira. Ela nos oferece o oxigênio, nos põe para dormir com a escuridão, nos desperta com a claridade, deixa os pássaros cantarem, as correntezas e as brisas se moverem. Estar inserida naquele lugar me apresentou outros mundos e formas de ser. E a sabedoria ancestral com que os indígenas vivem, como o cultivo e a preparação dos alimentos, os banhos longos no Rio Buriti, a interseção com a floresta e os cuidados permanentes uns com os outros provocaram em mim a coragem de trilhar o meu próprio caminho. Precisei desligar o botão do automático para conseguir alinhar os meus batimentos cardíacos com os da Terra, ali, no coração do Brasil.
Instantes como esses, eu tenho certeza, foram escolhidos por alguma energia cósmica. E ter a chance de experimentar tantas culturas pelo mundo com certeza são os mais emocionantes. Eu me sinto tão mais viva imersa em momentos assim do que quando infiltrada na multidão de esquinas das cidades. Foi aí que, sem dar ponto sem nó, a minha intuição mirou a descoberta de ensinamentos que foram não só a minha salvação, mas aprendizados que serviriam para guiar meus dias e criar uma nova vida, pautada na presença, no afeto e no coletivo. Os maiores valores que trago desses dias: o tempo é o nosso bem mais precioso, viver é convivência, enquanto existir é conveniência, a natureza é o nosso verdadeiro oxigênio, colocar o pé na terra é o bem-estar genuíno.