Ilha do Ferro, Alagoas

Nasci em Alagoas, esse tesouro do Nordeste brasileiro, e desejava reencontrar minhas raízes. Da capital, Maceió, decidi ir até os confins do estado, onde a arte iria me informar sobre mim mesmo – assim pensei. A aventura de autoconhecimento me levou até Ilha do Ferro e foi repleta de momentos cinematográficos. Quatro horas de estrada revelaram horizontes intermináveis, vaqueiros paramentados com couro e adereços “lampiãonescos” e vilarejos pitorescos. Como se estivesse imerso em um filme, o olhar já estava alimentado pela beleza do lugar!

Ao desembarcar na Ilha do Ferro, mergulhei na atmosfera autenticamente alagoana. Esse “povoado-ilha”, às margens do Rio São Francisco, tem uma história rica, que se reflete na cultura local. Os locais me contam que aqui, na altura do vilarejo, barcos de ferro ficavam encalhados às margens do rio, e seus tripulantes, “ilhados” no povoado, daí o nome “Ilha do Ferro”. Real ou imaginário? Não importa. Com cerca de 500 habitantes, de sorrisos largos e hospitalidade calorosa, chegar aqui foi emocionante. As crianças brincavam nas ruas, num aceno à vida descomplicada e cheia de curiosidade: “Ô, moço, de onde é que você vem?”, perguntavam. Eu comecei a sorrir largo também, encantado com a autenticidade do povoado e sua gente.

+ Confira outros roteiros em Alagoas

Talento de Berço

A arte da Ilha conta histórias. Aliás, por que será que há tantos artistas no povoado? Bem, a resposta que mais ouvi foi: “Talento de berço da nossa gente”, alinhado à oportunidade e à resiliência. Afinal, no sertão, tempos difíceis precisam de criatividade para a sobrevivência e o que não falta por aqui é criatividade. Com o tempo, a prática local de fazer “coisas novas” e “inventar moda” com pedaços de madeira, tintas e galhos retorcidos virou arte aos olhos dos visitantes, em parte graças ao projeto Alagoas Feito à Mão. 

Ir de ateliê em ateliê é de uma beleza e, posso dizer, até de certa espiritualidade mágica — há um repertório enorme de histórias fantásticas e coisas lindas para ver. O Nordeste é comovente por aqui. A criatividade começou a chamar tanto a atenção que artistas de Maceió resolveram realizar trocas de conhecimento com os artistas do povoado.  Dalton Costa e Maria Amelia Vieira, da Galeria Karandash, da capital, promovem ações culturais, como o Barco Museu Karandash, levando arte aos povos ribeirinhos.

As obras de Vavan, Cicero Alves, Clemilton e tantos outros artistas locais são verdadeiros “contos em madeira” e o bate-papo com os artistas, sempre presentes, é divertido e informativo. Cada visita aos ateliês e espaços de arte é uma experiência sensorial única — rola até sanfona! 

Pertinho da Ilha, em Belo Monte, uma visita ao artista Jasson é sensacional — as carrancas são incríveis, assim como suas cadeiras, cheias de detalhes. Imperdíveis também são a arte de Aberaldo Lima e uma visita ao interessante Espaço de Memória Artesão Fernando Rodrigues do Santos, que congrega bancos, artefatos, bonecas e bordados. Patrimônio do vilarejo, o belo bordado boa-noite é inspirado em uma flor endêmica da região.

Uma experiência gastronômica

A gastronomia na região é uma imersão! Mesmo sem restaurantes na Ilha do Ferro, o Bar Salão oferece quitutes sertanejos e drinques gelados. Em Piranhas, o Nalva Cozinha Autoral, do chef Antônio Mendes, eleva os sabores alagoanos a um patamar mais charmoso. Provei pratos incríveis, desde pescados frescos até o delicioso hot bode em pão de macaxeira.

As noites estreladas são embaladas pelo forró e pelas serenatas. A música, de alta qualidade, preenche as ruas, e o Bar Salão se torna o ponto de encontro para dançar e aproveitar a brisa fresca, que acalma o calor.

Platibandas e Cânions

As casas por aqui são verdadeiras obras de arte, repletas de móveis que contam histórias e tradições ancestrais. A Casa Ninho, do fotógrafo Ricardo Lêdo, é um exemplo das muitas opções de hospitalidade. Suas paredes rosa e a varanda com vista para o rio são um deleite e se confundem com o céu aquarelado da Ilha. Emocionante. 

Já a DOM Hospedaria, parte do projeto Dom Galeria, do arquiteto Rafael Brandão, tem muito borogodó. Uma casa linda com design que apresenta o mobiliário local, a DOM é uma hospedagem descolada. Eu me senti como o pássaro joão-de-barro, vivendo no meu “ninho aconchego de taipa”, a técnica de construção em barro usada na casa, numa rara oportunidade de vivenciar a arquitetura vernacular do sertão. 

As Casas Ilha do Ferro são como minigalerias de arte. As casas possuem identidades e design de interior singulares. Com uma bela curadoria de mobiliário, elas são em si mesmas uma experiência cheia de romantismo. Uma atividade obrigatória da visita é ficar nas cadeiras de balanço, olhando o passar dos carros-de-boi, da vida e dos pensamentos – no mesmo fluxo gentil do rio. 

Cada momento na Ilha é uma imersão na beleza autêntica e na riqueza cultural do nosso Brasil singular. Ao pensar na Ilha do Ferro, lembro-me de versos que descrevem tão bem o sertão. E aqui, nesse pedaço de paraíso, onde reencontrei a minha ancestralidade, sei que o sertão não “virou mar”: virou arte. E que arte esplêndida!

Matéria publicada na edição 14 da Revista UNQUIET.