Arrumar as malas para conhecer a África, o terceiro continente mais extenso do mundo, pode ser uma tarefa desafiadora. O que levar? Muito calor, vento, deserto, mar aberto, sol a pino, frio extremo… A missão de montar uma biblioteca portátil para essa jornada pode ser excitante. Já pensou ir a uma terra com mais de 1 bilhão de pessoas, 2 mil línguas e um sem-número de tradições, credos, comidas, aromas e sabores?
Imagina um chão em que se falam bantu, árabe, francês, hauçá, iorubá, oromo, inglês e outros tantos dialetos?
Com certeza, você viaja antes de viajar! A literatura africana ou afro-brasileira oferece uma perspectiva única e autêntica sobre a diversidade cultural, histórica e social do continente. Ler pode ajudar o viajante a compreender e apreciar melhor os contextos e as experiências das pessoas que vivem nas regiões que estão visitando. Fora esta nossa imensa ligação com o continente: histórias de dores e massacres, navios negreiros e toda sorte de castigos e revoltas.
Ao ler obras africanas, os viajantes podem explorar diferentes temáticas, como identidade, luta contra o colonialismo, questões pós-coloniais, tradições culturais e mudanças sociais. Essa literatura é rica em narrativas cativantes, personagens complexos e reflexões profundas sobre a história e as realidades contemporâneas.
Além disso, ao se engajar com tais temas, os viajantes podem ampliar sua compreensão e empatia em relação aos povos locais, suas tradições, seus desafios e suas conquistas. Isso promove uma experiência mais enriquecedora e significativa.
É importante destacar que a literatura africana não é homogênea. O “continente espelhado”, como é conhecido, é composto de uma variedade de culturas, países e línguas, cada um com suas próprias riquezas literárias. Autores renomados, como Chinua Achebe, Chimamanda Ngozi Adichie, Ngũgĩ wa Thiong’o e Mia Couto, entre outros, são apenas alguns exemplos do vasto conjunto de escritores que os viajantes podem explorar.
Portanto, ao viajar para a África, aproveite a oportunidade para descobrir sua literatura e mergulhar em narrativas que vão ampliar horizontes, proporcionando uma compreensão mais profunda e uma apreciação genuína do continente africano, bem como do Brasil.
O que ler? Como se inspirar? Há muitos livros à disposição. Aqui eu sugiro a minha humilde contribuição.
Mayombe por Pepetela
Pepetela é o pseudônimo de Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, um renomado escritor angolano, nascido em 1941. Ele é um dos autores mais influentes da literatura africana de língua portuguesa e foi um membro ativo na luta pela independência de Angola. Uma de suas obras mais famosas é o romance Mayombe, publicado em 1980. A história se passa durante a Guerra de Libertação de Angola, que ocorreu de 1961 a 1974, quando o país lutava para se libertar do domínio colonial português. Mayombe é ambientado na densa floresta de mesmo nome, na região norte de Angola, e retrata a vida de um grupo de guerrilheiros do Movimento Popular de Libertação, uma organização que lutou pela independência. O romance aborda temas como a luta armada, a camaradagem entre os combatentes, o confronto com as forças coloniais portuguesas e as tensões internas entre os guerrilheiros.
Pepetela utiliza uma narrativa envolvente para explorar as dinâmicas políticas, sociais e humanas do período de guerra.
Crônicas exusíacas e estilhaços pelintras por L. A. Simas
O livro não trata diretamente da África, mas fala do assombro e alumbramento sobre a cultura e a gente brasileira em contato com a fé de origem africana. Tocado por Exu (orixá mensageiro, senhor das encruzilhadas) e de seu Zé Pelintra (protetor do povo das ruas), o historiador Luiz Antônio Simas compartilha visões e táticas festeiras contra a mortandade produzida pelo desencanto do mundo.
Nos 77 textos que compõem o livro, passeiam personagens vivíssimos – deste ou de outros mundos –, como Jaiminho Alça de Caixão, o “inventor” da profissão de papagaio de pirata; o maestro Tom Jobim, tomando uísque com o imperador Nero, incorporado em um médium; e a descida da entidade Nelson Rodrigues na Penha Circular. Aparecem também temas como a violência do capital sobre corpos, culturas e territórios, a força do encanto, o samba e o jogo do bicho.
Terra sonâmbula por Mia Couto
Mia Couto é um escritor moçambicano amplamente aclamado e considerado um dos mais importantes escritores contemporâneos da África. Sua obra discorre sobre temas diversos, como identidade, memória, colonialismo, conflitos sociais e a relação entre os humanos e a natureza.
A importância de Mia Couto reside em sua capacidade de dar voz às experiências e perspectivas africanas, desafiando narrativas eurocêntricas e oferecendo uma visão autêntica e profunda da realidade do continente. Ele trata de questões sociais, políticas e culturais de Moçambique e outras nações, revelando as complexidades e nuances da vida contemporânea.
A escrita de Mia é caracterizada por uma linguagem poética e imagética, na qual combina elementos de realismo mágico, folclore e tradições orais. Ele é conhecido por sua habilidade em criar universos ficcionais ricos e simbólicos, ao mesmo tempo que aborda questões urgentes e relevantes.Entre as obras mais conhecidas estão romances como
O Último Voo do Flamingo e A Confissão da Leoa, que têm sido amplamente estudados e apreciados por seu estilo literário único e pela capacidade de retratar os desafios enfrentados pela sociedade africana pós-colonial.
Americanah por Chimamanda Ngozi Adichie
Publicado em 2013, o romance da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie aborda questões de identidade, raça, amor e imigração, fornecendo uma análise perspicaz e cativante das experiências de africanos e africanas que se aventuram nos Estados Unidos e na Europa.A história central do livro gira em torno de Ifemelu e Obinze, dois jovens nigerianos que se apaixonam na juventude, mas são forçados a seguir caminhos diferentes. Ifemelu emigra para os Estados Unidos, enquanto Obinze tenta a vida na Inglaterra. Ao longo da narrativa, a autora explora as dificuldades e os desafios enfrentados pelos protagonistas em suas jornadas de adaptação e crescimento pessoal em contextos estrangeiros. O que torna Americanah uma obra tão aclamada é a maneira como Chimamanda Ngozi Adichie lida com questões de raça e identidade de forma honesta e incisiva.
O vendedor de passados por José Eduardo Agualusa
O angolano José Eduardo Agualusa tem desempenhado um papel significativo na cena literária africana, trazendo à tona questões sociais, históricas e políticas por meio de uma narrativa envolvente e inovadora.
A importância da obra de Agualusa reside em sua capacidade de retratar a complexidade da sociedade contemporânea e explorar temas relevantes, como a história colonial, a luta pela independência, os conflitos pós-coloniais, as desigualdades sociais e as tensões políticas. Ele utiliza uma linguagem poética e uma abordagem narrativa única, combinando elementos realistas e mágicos para criar histórias envolventes e cheias de significado. Agualusa oferece uma nova perspectiva sobre a África, rompendo com estereótipos e preconceitos. Sua escrita tem o poder de conectar diferentes culturas e despertar a empatia e a compreensão entre os leitores.
Balada de amor ao vento por Paulina Chiziane
Paulina Chiziane é uma escritora moçambicana cuja obra tem desempenhado um papel significativo na literatura africana, particularmente no contexto de seu país. Por meio de questões sociais, políticas e culturais relevantes, ela dá voz às mulheres e explora temas como a opressão, a resistência, a espiritualidade, a emancipação feminina, o casamento forçado, a mutilação genital feminina, a violência doméstica e a desigualdade de gênero, revelando as complexidades das experiências das mulheres africanas em sociedades patriarcais. Com sua escrita, Chiziane destaca a resiliência e a força das mulheres, fornecendo um retrato vívido das lutas e das conquistas femininas. Suas personagens femininas são multifacetadas, corajosas e inspiradoras, e suas histórias mostram a capacidade de resistência e superação diante das adversidades.
Matéria publicada na edição 12 da Revista UNQUIET.