Sim, é possível conhecer a Antártica mesmo não sendo o Amyr Klink. O continente mais inóspito do planeta é acessível. Não que se diga “puxa, que acessibilidade tranquila”, mas é possível, sim, fazer uma viagem à Antártica sendo um reles turista. E a forma mais prática de fazer isso é saindo da cidade de Ushuaia, no sul (põe sul aí) da Argentina. É de lá que partem os cruzeiros e foi de lá que eu parti. O Vega, da Swan Hellenic, é um navio de luxo com 70 cabines, que faz a travessia do Estreito de Drake. São dois dias em mar aberto e revolto. Para ir e para voltar. É uma das passagens mais difíceis do mundo por causa do encontro dos oceanos Pacífico e Atlântico. Se você é dessas pessoas que enjoam em barco, sinto dizer, você vai conhecer a Antártica dessa forma. Porque enjoa. Porque balança. Porque as ondas de 10 m (em média) fazem todo o passeio tomar outra proporção. Mesmo que você seja uma das pessoas sortudas que não sentem muito o mareado do barco (eu sou assim), você enjoa. Eles disponibilizam aos hóspedes remédios de enjoo, há vendas de pulseiras contra enjoo e eu sugiro aceitar tudo.
Viagem à Antártica, por Fabio Porchat: Quem manda é o mar
Desde o início, a tripulação deixa claro: aquilo não é uma viagem de turismo, aquilo é uma expedição de aventura. E é a mais pura verdade. Não encontramos no navio nenhum tipo de entretenimento típico de cruzeiro: não há cassino, aulas de lambaeróbica, jantares de gala com o capitão, nada. O que há é descanso e preparação para o dia seguinte. Porque todo dia (após a travessia) são dois passeios. Pela manhã e pela tarde. Que passeios serão esses? Só a natureza dirá, porque o tempo muda naquelas bandas numa velocidade impressionante. Em dez minutos pode nevar, chover, fazer sol, ventar, acalmar e voltar a nevar. Literalmente. O mar pode estar supertranquilo e, do nada, uma marola impede tudo o que foi planejado de acontecer. Todas as noites os passageiros se reúnem numa grande sala para ouvir as instruções da preparadíssima tripulação, formada por biólogos e pesquisadores de várias partes do mundo. Qualquer dúvida sobre qualquer espécie de qualquer tipo é imediatamente sanada.
A equipe nos explica o que vai acontecer no dia seguinte e como vamos proceder. Os planos são desenhados sempre na noite anterior, dependendo das condições climáticas. O primeiro dia é de uma excitação inexplicável. Todos no café da manhã (aliás, que café da manhã…) eufóricos. Após dias sem avistar nada, só mar, estamos navegando em águas tranquilas e com ilhas de gelo e pedra ao redor. Lá fora faz frio. Zero grau. Para quem está no Polo Sul, eu até achei tranquilo. Lógico que é verão. Aliás, a temporada só acontece entre novembro e fevereiro. Zero grau, mas a sensação térmica é um pouco menos simpática. Porque venta. E molha. O navio dá para todos um ótimo casaco e botas à prova d’água. Mas você precisa estar preparado com blusa e calça térmica, camadas e camadas de casacos, cachecol, gorro, luvas (à prova d’água!), calças (à prova d’água). Não sei se já falei que molha. Pois é!
Viagem à Antártica, por Fabio Porchat: entre pinguins e icebergs
Os botes, ou como eles chamam, os Zodiac, levam de dez em dez os passageiros para os passeios. Às vezes chove, às vezes é a água do mar que te borrifa inteiro. Enfim, molha. Mas no que consistem esses passeios? No meu primeiro dia, desembarcamos nas Southern Islands, um grupo de ilhas pouco antes de terras antárticas. Lá é possível saltar dos botes Zodiac, pisar em terra firme e entrar em contato com os pinguins. Quando digo entrar em contato, é observá-los em seu habitat natural, mas sem tocá-los, pelo amor de Deeeus! Na verdade, temos que manter sempre uma distância de qualquer forma de vida. Fauna ou flora. Há um cuidado muito grande para que o impacto da nossa estada lá seja o menor possível. Não podemos tocar nem nas pedras. Nossas botas são desinfectadas sempre na saída do navio. Essa é, aliás, apenas uma entre as muitas preocupações da companhia em não deixar rastros no meio ambiente. Além de seguir todas as medidas de sustentabilidade exigidas pela IMO (International Maritime Organization), a frota da Swan Hellenic é equipada com o sistema diesel-eletric Tier III, que reduz emissões nocivas. Os navios também singram o mar silenciosamente, contam com sistema de ar-condicionado inteligente, luzes de LED para baixo consumo de energia e tecnologia de limpeza de água potável, entre outras ações relevantes e que garantem a preservação das rotas onde o navio atua.
Agora, que coisa mais linda são os pinguins. Eles caminham entre nós, brincam, brigam entre si, nadam, pulam de barriga, alimentam seus filhotes, tudo ao nosso redor. É possível ver focas, leopardos-marinhos. Em cada parada, uma surpresa diferente. Ficamos livres nas ilhas, caminhando em um caminho predeterminado pela equipe do navio. Os cheiros, as imagens, tudo muito diferente. Não se pode ter pressa. A graça é vagar por ali, prestando atenção em cada detalhe. Cada pássaro específico, cada lufada de vento, é como se estivéssemos numa realidade paralela. O tempo passa devagar. A verdade é que ali o tempo nem passa. Nem tempo tem ali. O que tem é a vida acontecendo de outra forma. Um espetáculo à parte são os icebergs. Eu diria que são bichos. Eles respiram, se movimentam, têm formas e colorações distintas. É a coisa mais impactante, a meu ver. Uma das atividades é transitar de Zodiac por entre eles. Que deslumbre. De longe o meu momento favorito. Até de um navio naufragado foi possível se aproximar. Nunca vou me esquecer de estar flutuando por entre pedaços de gelo e perceber uma foca deitada em um desses pedaços.
+ Leia outros relatos de viagem por Fabio Porchat na UNQUIET
Uma paisagem muito única, que torna cada viagem particular. A sua e a minha serão sempre distintas. É como um safári. Aliás, é um safári. Só que gelado. Baleias mil. Pulando, dando rabada, apenas borrifando água. Pertinho, de longe, acompanhando o barco… A cada dia, uma aventura, uma surpresa, um itinerário. A cada dia, um desafio.
No quinto dia, por exemplo, íamos parar em Elephant Point para ver os elefantes-marinhos e não pudemos sair do barco porque as ondas não permitiram. Nunca vou perdoar as ondas. Perdemos um dia de passeio, mas fazer o quê? A natureza manda numa viagem como essa. É possível também fazer caiaque, porém as condições climáticas quase nunca são favoráveis. Venta muito por lá. Por isso, o frio lancinante.
Mas o frio não impede você de mergulhar no mar. Sim, um salto para o desespero. Dois graus de temperatura e você de sunga, pulando do navio, amarrado numa corda para voltar três segundos depois, petrificado. Que experiência.
Clique aqui para ler na íntegra a matéria “Viagem à Antártica, por Fabio Porchat” na edição 10 da Revista UNQUIET.