Os últimos indígenas do Japão, Hokkaido

Como é conhecer a natureza da Ilha de Hokkaido, tendo como guia o fascinante povo originário Ainu

“Feche os olhos e abra as janelas do seu coração para os espíritos da natureza que nos rodeiam”, pediu Kengo San, falando em voz baixa. Com longos e compridos cabelos grisalhos e usando uma túnica decorada com desenhos geométricos típicos para espantar as más energias, o líder ainu acendeu um incenso e começou uma oração na língua nativa. Também portando a vestimenta ainu, respirei o ar frio da linda floresta coberta por neve, no Parque Nacional Akan-Mashu, e me entreguei ao rito. 

Aquele era um momento e um lugar especial da minha segunda viagem à Ilha de Hokkaido, no Japão. De um lado, o cenário era de água: o Lago Akan, congelado pelas temperaturas negativas no inverno, na região mais fria do país. De outro, as poças borbulhantes do vulcão de lama Bokke nos lembravam que, no interior da Terra, há fogo. Fechei as pálpebras, meditei e agradeci.

Kamuy, o espírito divino

Considerados os últimos indígenas do Japão, o povo Ainu acredita que o espírito divino, ou kamuy, habita a água, o fogo e todos os seres vivos. Ao reabrir os olhos, me senti encantado pela sensação de conexão com os kamuy de montanhas, praias, lagos e animais ‒ de veados a cisnes ‒ que eu tinha visto ao explorar a segunda maior ilha japonesa. Jovem liderança da comunidade de 130 descendentes ainus na localidade de Lago Akan, no leste da ilha, o guia Kengo Takiguchi continuou nossa caminhada pelo parque. Com pele morena e olhos menos puxados que outros japoneses, Kengo foi apresentando a cultura ainu, bastante distinta daquela de Honshu, a principal ilha do Japão. Esqueça os samurais, a modernidade de Tóquio e os templos budistas de Quioto. Na ilha mais ao norte do arquipélago, onde a cultura ainu teria surgido, entre os séculos IX e XIII, tudo gira em torno da coexistência pacífica com a natureza.

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Dica de viagem Ilha de Hokkaido restaurante Marukibune
As garçonetes que “viram” artistas após o jantar no restaurante Marukibune
Ilha de Hokkaido Museu de Arte Ainu Onne Cise
Vestimenta original no Museu de Arte Ainu Onne Cise

Uma cultura quase extinta

Por abrigar a natureza mais selvagem do país e a preciosa cultura ainu, Hokkaido começa a ser descoberta por viajantes inquietos, que gostam de ir aonde pouca gente vai. “Nosso povo quase foi extinto”, contou a anciã Miyako Sassaki, vizinha do guia Kengo, em uma das 36 propriedades ainus na simpática vila turística Akanko Ainu Kotan. Aos 80 anos, a chamada Mia Chan se dedica a preservar a arte, a dança e a tradição oral de sua etnia no Museu de Arte Ainu Onne Cise, em frente ao Teatro Ikor, palco de alguns dos muitos festivais da ilha. A história narra que, no fim do século XVIII, o Imperador Meiji incorporou o território Ezo (o antigo nome de Hokkaido) aos domínios do Japão. O povo Yamato, da ilha principal, dominou o território ainu, e os indígenas tiveram de parar de falar sua língua e de caçar. Foi quando chegaram a Hokkaido novidades como o plantio de arroz, a pesca de salmão em larga escala e religiões como o budismo e o xintoísmo, alterando bastante seus costumes.

Dica de viagem Ilha de Hokkaido grou-da-montanha
O grou-da-montanha é uma ave sagrada para os ainus | Foto: Getty

O resgate do orgulho ainu

Explorar Hokkaido guiado pelo acolhedor povo ainu é como ter uma aula sobre a história do Japão que não nos contaram na escola. “Por anos, nossos povos originários sofreram um apagamento cultural e tiveram vergonha de assumir sua identidade”, conta a guia Sakurako Yamada, que me guiou no verão e vive em Nibutani, distrito de Biratori, que tem a maior concentração de nativos de Hokkaido: 80% dos 300 habitantes são ainus. O preconceito contra eles começou a diminuir em 2008, quando o Parlamento japonês os reconheceu como indígenas, com língua, religião e cultura próprias. “Os ainus têm recuperado o orgulho e a autoestima graças, em parte, às oportunidades trazidas pelo turismo cultural”, diz Saku. Nos últimos 15 anos, cerca de dez museus ainus foram criados ou aperfeiçoados em Hokkaido. Entre eles, o high-tech Upopoy Museu Nacional Ainu, perto da capital, Sapporo, e o mais antigo, o pequeno Memorial Kawamura Kaneto, em Asahikawa, criado em 1916 e onde Hisae Kawamura e seu filho Haruto trabalham para preservar o legado ancestral.

Dica de viagem Ilha de Hokkaido vestimenta ainu
Vestimenta Ainu
Ilha de Hokkaido Vulcão Lozan
O Vulcão Lozan, ou Sulfur Mountain | Foto: Getty
Ilha de Hokkaido dança no Upopoy Museu Nacional Ainu
Apresentação de dança no Upopoy Museu Nacional Ainu
Ilha de Hokkaido artesanato de madeira Masamitsu Takigushi
O artesanato de madeira de Masamitsu Takigushi

Neve, vulcões e banhos termais

No verão, a natureza exuberante do território ainu é um convite a aventuras ao ar livre. Caminhei, pedalei e remei por cinco dias nas paisagens de Kamikawa e Cabo Soya, o extremo norte japonês. Já no inverno, a neve atrai esquiadores para resorts como os de Niseko. Em qualquer estação, os poços de águas termais, com propriedades medicinais, originados pelos 20 vulcões ativos da ilha, são uma tentação. Essa mistura abundante de água e fogo rendeu a Hokkaido a maior quantidade de onsens de todo o Japão. Existem na ilha 251 locais para banhos tradicionais, com piscinas de diferentes qualidades minerais e temperaturas. Os ainus sempre desfrutaram dessas poças rústicas ao ar livre ‒ uma experiência que pode ser vivida em onsens públicos. Os contemporâneos são espaços confortáveis, com banheiras coletivas (com as mulheres em ambientes distintos dos de homens), onde as pessoas relaxam nuas e sem tabus. Nos hotéis de luxo, há opções de onsens privativos em quartos e spas.

Ilha de Hokkaido santuários sintoístas
Neve sobre os toriis, portais sagrados dos santuários xintoístas

Carne de veado e a dança do tsuru

Perto de Kawayu, um famoso onsen com águas sulfúricas, e do Vulcão Iozan, onde caminhei entre poças ferventes e orifícios que jorram vapor de enxofre, vivi a mais inusitada imersão na gastronomia e na arte ainus. Quando cheguei com amigos a seu casarão familiar, o músico Masanori Toyooka, o Atuy San, 78 anos, estava esparramado na poltrona de massagem no salão, vendo TV. Em instantes, o restaurante Marukibune ganhou vida ali mesmo, e as parentes do patriarca trouxeram da cozinha receitas deliciosas, feitas com pescados e carne de veado. Ao fim do jantar e dos saquês, nova metamorfose: as garçonetes se travestiram de artistas (do grupo Moshiri), no total de 12 familiares transformando o espaço em palco. A trupe cantou, tocou e dançou, simulando seres da natureza local, como o grou-da-manchúria, sagrado para os ainus. Essa rara ave migratória é um tsuru, o símbolo de paz mais reproduzido em origamis no Japão. E seu kamuy é mais um espírito da natureza que os anfitriões ainus de Hokkaido nos ensinam a contemplar de coração aberto.

Um músico na Ilha de Hokkaido
Músico
Ilha de Hokkaido ritual ainu de incenso
Kengo San cumpre ritual ainu de incenso

Oásis em Tóquio

Ao combinar luxo contemporâneo e clássico, o The Okura Tokyo fez uma aposta certeira para agradar o viajante exigente, porém antenado. Ao passar por uma repaginação completa — sua inauguração data de 1962 —, estreou uma nova era. Na espaçosa propriedade no centro da capital japonesa, cerca de metade do espaço é coberto por exuberantes jardins e vegetação.  

Os hóspedes podem escolher entre se hospedar na chamada Okura Heritage, onde fica o The Wing, ala de elegante e tradicional estética japonesa, ou na Okura Prestige Tower, instalado num arranha-céu moderno. Não importa a escolha, ambas garantem acesso aos restaurantes de cozinha japonesa, francesa e chinesa do hotel, além do The Okura Garden, um amplo jardim japonês que serve como um oásis em meio à fervilhante Tóquio.   

Ilha de Hokkaido Cultura Ainu
Cultura Ainu
Banho nas águas termais Monte Meakan
Banho nas águas termais, no Monte Meakan
Ilustração: Antônio Tavares
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SUSTENTABILIDADE

Ações de conservação do meio ambiente e ações sociais

Saiba mais

The Okura Tokyo

  • Consideração do fluxo do vento na seleção e disposição das árvores para criar locais frescos
  • Manutenção de um grande parque e espaço verde correspondente a metade da área do terreno
  • Preparamos 2.500㎡ no lado leste do hotel como Parque Edomizaka da cidade de Minato e entregamos à cidade de Minato
  • Criação de um jardim com mais de 5.000㎡ no lado norte e liberamos ao público em geral
  • Uso canudos de papel, reduzindo o uso de plástico e incentivando a não substituição de roupas de cama
  • Ao processar resíduos de cozinha, não os carregamos nem queimamos, mas os decompomos no local com água e dióxido de carbono usando uma unidade de coleta de lixo bruto.
  • Numa instalação de uso misto com um hotel, escritórios e um museu de arte, a coordenação eficiente de energia correspondente aos horários de pico de uso de cada uso é necessária.
  • Aproveitamento da água de drenagem da cozinha e do calor residual do sistema de geração central.
  • Introdução ativa de equipamentos de economia de energia (iluminação LED, iluminação com sensores humanos, controles de recuo de ar condicionado vinculados a computador, troca de calor do ar externo e do ar de exaustão, controle do volume de ar do ar condicionado, etc.).
  • Utilização de vidros isolantes Low-E (exterior do edifício).
  • Utilização de água de poço e uso água da chuva, água de drenagem da cozinha e água de drenagem da piscina como água recuperada.
  • Uso proativo de madeira produzida internamente e madeira desbastada para interiores, etc.

https://theokuratokyo.jp/en/company/sdgs/

Clique aqui para ler a matéria na edição 16 da Revista UNQUIET.

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