Eu tinha me separado fazia pouco tempo. Foi daquelas relações longas que, quando terminam, deixam a gente entorpecida numa névoa de embotamento, flutuando numa fenda no tempo em que nada tem gosto ou graça. Eu tinha férias para tirar no trabalho e elas nunca me pareceram tão necessárias. Eu nunca estive tão emocionalmente exausta e perdida. Mas me lembrei de Clarice Lispector, que disse que “se perder também é caminho”, e decidi assumir e abraçar a nova estrada que se abria para mim.
Aos 47 do segundo tempo, quando eu já tinha até desistido de qualquer viagem, minha amiga italiana, Silvia, que mora no Rio de Janeiro, me convidou para ir com ela visitar os pais numa cidade minúscula na Emilia-Romagna e, de quebra, participar do casamento do irmão dela. O convite incluía estadia gratuita na casa da família Capucci e refeições preparadas por Franco e Cosetta, pai e mãe de Silvia.
Embarcamos juntas num voo para Bolonha, a “cidade grande” mais próxima do nosso destino: Villanova di Bagnacavallo, uma pequena vila de 4 mil habitantes, às margens do Rio Lamone, onde a maior atração é o Ecomuseo delle Erbe Palustri (algo como Museu Ecológico das Plantas do Pântano), que inclui objetos feitos com vegetação do brejo e madeira, que eram usados na era pré-industrial.
Chegamos em casa exaustas do voo longo, e as toalhas já estavam dobradas, esperando o banho, e os pratos na mesa, aguardando a massa quentinha. Havia também uma estranha sensação de estar chegando a um lugar que, de alguma forma, eu conhecia. Era uma casa de classe média com saudade da filha que não mora mais lá, mas que conservava seu quarto de adolescente, com seus livros, suas fotos e suas bonecas. Aquela atmosfera me lembrava a da minha própria família, que se enche de um frisson diferente quando a filha também chega de visita.
Nem a minha amiga nem a família dela entendiam que, para mim, tudo estava bom, e isso não é exagero. Pode ser pão com creme no café? Sim, pode. Pode ser café da máquina? Pode. Tudo bem almoçar lasanha? Claro. E jantar capelete? Com certeza. E piadina, gelatto, prosciutto di Parma, parmigiano reggiano e tudo mais de delicioso daquela região.
“O roteiro era acordar, tomar café, papear à mesa e decidir onde iríamos almoçar e passear”
Fazíamos viagens durante o dia pela região, que é muito mais linda do que eu poderia imaginar. Passamos por Ravena, que já foi a capital do Império Romano, e Modena, onde a polícia anda de Lamborghini, tomamos banho de mar em Milano Marittima e drinques em Ferrara, e tiramos lindas fotos em Comacchio, conhecida como a “pequena Veneza”.
Quando a noite ia chegando, eu sempre dizia para Silvia: “Hora de ir para casa! O que será que seus pais prepararam para o jantar?” Até hoje não sei como conversei tanto com o pai da minha amiga. E rir fazia parte de todas as refeições, assim como fazia parte também todo mundo achar que eu estava comendo muito pouco mesmo depois de repetir duas vezes.
Os dias foram passando e eu vivenciava duas coisas: estar numa espécie de stand by emocional, em que consegui abrir mão da tristeza e dar espaço às coisas lindas e simples daqueles dias, e senti também como se as primeiras gotas de chuva estivessem tocando um terreno rachado de tão seco. Foi quando percebi que eu fui para “aquela Itália” fugindo de tudo o que há de mais badalado, imperdível e disputado. Fui dormir na cama de adolescente da minha amiga e voltar para casa para o jantar, porque a viagem que eu estava fazendo era para dentro e, naquele momento, aquela casa era, para mim, do tamanho do Coliseu.
No dia de ir embora, foi uma choradeira.
A gente nunca volta igual de uma viagem, e nem sai a mesma depois de um amor que faliu. Mas, quando a gente se reencontra diferente, e começa a gostar do que vê, é como se o peito se enchesse de ar, de fôlego renovado, para começar um novo capítulo dessa louca viagem que é a vida.