Tempo e viagens

Decidi que nos 30 anos seguintes só faria as viagens que não vou poder fazer depois dos 80

Viagens existem aos milhões. As reais, as de trabalho ou de lazer, outras ao mundo da imaginação, do conhecimento interior, em pensamentos e livros. E há ainda os que preferem usar substâncias para viajar sem sair do lugar.

Nos últimos anos percebi que a própria passagem do tempo, o envelhecer, é uma viagem.

Quando completei meio século, olhei a ampulheta da vida, e a areia me pareceu estar escorrendo mais rápido. Fui tomada por um sentido de urgência. Tudo bem, pretendo dobrar os 50, e a velhice não me aflige – até porque estou envelhecendo em HD e 4K na frente das pessoas na TV. Mas me peguei angustiada: até quando vou viajar? Pra onde? Como? Em que condições físicas?

Foi aí que tomei uma das decisões mais importantes da minha vida: decidi que nos 30 anos seguintes só faria as viagens que não vou poder fazer depois dos 80.

Fiz um pacto comigo mesma: viagens para museus, teatros, galerias, restaurantes, compras… tudo isso posso fazer aos 80, 90 e, se tiver que usar uma cadeira de rodas, não tem problema, pois todos, pelo menos no exterior, respeitam os mais velhos.

Decidi então que eu iria caminhar, fazer trilha, pedalar, subir montanha, encontrar cachoeiras, lagos, vulcões. Tudo que pode ficar mais complicado se, lá pelas tantas, eu perder a força física. A primeira viagem da segunda metade da minha vida foi o Caminho Sagrado de Salkantay, considerado uma das trilhas mais lindas do mundo.

A trilha dos sacerdotes incas liga Cusco a Machu Picchu, no Peru. São 75 quilômetros, percorridos totalmente a pé, em cinco dias, passando por diferentes altitudes, climas e biomas.

A paisagem deslumbrante encanta os olhos, mas exige muito de outras partes do corpo. Caminhar em altitude é totalmente diferente, e no percurso chegamos a 4.600 metros acima do nível do mar. Em alguns momentos tudo o que eu pensava era: preciso continuar respirando, só isso! As gigantescas montanhas Humantay e Salkantay, cobertas de mistérios e neve, e os lagos glaciais preenchiam de beleza e emoção o que faltava em oxigênio no ar rarefeito. À noite, nos confortáveis lodges, as histórias do magnífico povo quéchua e dos incas, contadas pelos guias, eram o unguento que curava o corpo cansado. E eu acordava renovada e cheia de expectativas para o novo dia de caminhada.

A chegada a Machu Picchu, patrimônio mundial da Unesco, coroou o esforço com exuberância, beleza e imponência. Nesse dia tive a certeza de que tinha feito a escolha certa. É isso o que quero: desafio, superação, interação com a natureza, aprendizado. Um mundo que eu possa sentir, cheirar, tocar, provar… amar!

Depois de Salkantay fiz safáris no Quênia e na Tanzânia, Atacama, Ilha de Páscoa, pedaladas no sul da França, glaciares no Chile e Argentina, trekking no reino do Butão, e outras tantas aventuras aqui no Brasil.

O que eu desejo hoje é viver intensamente! Ainda falta tanto pra conhecer…

E aqui estou eu, cheia de disposição, pós-pandemia, já planejando a próxima viagem.

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