Em todo o país, as festas populares proporcionam experiências de imersão na nossa cultura e criam experiências que permitem ao público mergulhar na dinâmica local, entender as histórias das pessoas e vivenciar experiências ‒ das mais cotidianas às mais extraordinárias ‒ não como espectadores, mas como atores.
As festas têm o poder de conectar de uma forma única moradores e viajantes, trazendo o visitante para dentro da comunidade, para que ele possa conhecer suas crenças, sua culinária, sua musicalidade e até as epifanias e catarses coletivas, profanas e sagradas, que a unem enquanto povo. Elas aproximam as pessoas, fortalecem o patrimônio imaterial e descortinam atrativos menos óbvios do país.
Instinto e devoção
Dessa forma, as festas aliam religiosidade, sociabilidade e musicalidade e se emolduram com mascarados, caretas, reis, rainhas, caboclos, porta-estandartes, pastoras e muitas outras fantasias e personagens. Elas são celebradas, às vezes, em grandes espetáculos e, em outras, de forma mais simples, mas sempre com sofisticação em sua essência.
Nesse contexto, o Maranhão ostenta uma das maiores manifestações populares do Brasil: o bumba meu boi. Essa expressão da cultura popular das regiões norte e nordeste acontece desde o século XVIII e ganhou características e uma estética própria em cada estado em que se consolidou.
Devido à sua complexidade cultural, a tradição do bumba meu boi ultrapassa o ciclo junino e apresenta uma programação diversa, que se estende pelos meses de junho e julho e se mantém presente no cotidiano do povo maranhense, que, por instinto e devoção, não cansa de ecoar sua história.
A programação do bumba meu boi inclui incríveis cortejos de grupos folclóricos, concertos de música típica do estado e competições de grupos de dança, que ocorrem paralelamente a outras manifestações, como o tambor de crioula e as quadrilhas, que também tomam as ruas em junho.
Metáfora que flutua entre a lenda e a realidade, o festejo apresenta por meio de uma rica linguagem, narrativa e visual, a impermanência do ciclo vida-morte-vida: o boi nasce, morre e ressuscita como uma estrela, em Noite de São João.
Conceitualmente, a manifestação se materializa em um auto popular religioso, que mistura influências indígenas, europeias e africanas, simbolizando as principais etnias formadoras do povo brasileiro. O enredo da festa dramatiza as relações sociais entre patrão e subalternos ‒ para celebrar a fé e a devoção aos santos do catolicismo, em especial são João, santo Antônio, são Pedro e são Marçal.
Independentemente da crença de quem participa, a festa causa fascínio por misturar a arte visual do bordado nas indumentárias e no couro do boi, a teatralidade performática dos personagens e uma música cíclica, que lembra um tipo de mantra, contagiando todos em volta.
Durante a festa, os personagens, humanos e espirituais, como Pai Chico, Mãe Catirina, Boi, Patrão, Vaqueiros, Índios, Caboclos e Cazumbás, são incorporados por corpos brincantes, que ganham vida com um figurino simbólico materializado por talentosos artesãos, que bordam as inspirações desse rito rítmico.
Os sotaques que embalam o Bumba meu Boi
O bumba meu boi do Maranhão se destaca dos festejos similares de outros estados do país pela variedade de grupos que possuem estilos rítmicos diferentes. Esses estilos são conhecidos como sotaques, que dependem dos instrumentos utilizados pelos músicos. Os principais são os sotaques de matraca, de zabumba e de orquestra (com diferentes instrumentos de corda e percussão)
O som mais ouvido nas festas, porém, é o do pandeirão, um instrumento enorme de couro, que os músicos esquentam no fogo, para afinar, e tocam com a mão, embalando a dança dos atores e dos turistas, que se juntam à festa para dançar seguindo a batida forte e constante.
Em todo o mês de junho, essa batida ecoa pelo centro histórico e pelos principais bairros de São Luís. Se quiser ouvir um ensaio, curtir um arraiá ou acompanhar um cortejo, é só seguir o som.
Uma apresentação imperdível é a da Companhia Barrica do Maranhão, que é formada por bailarinos muito talentosos e alia ritmos, sotaques e coreografias ao se utilizar das principais brincadeiras do Maranhão, incluindo os espetáculos junino, carnavalesco e natalino. Por sua dimensão multifacetada, ela simboliza a potência que a cultura carrega no estado.
A Companhia Barrica simboliza a potência que a cultura carrega a partir de sua impermanência: o encontro da tradição à inovação, além de uma performance impecável de bailarinos profissionais.
A programação dos arraiás também inclui manifestações mais tradicionais, como as do Boi da Maioba, que encantam pela emoção com que músicos e dançarinos, de diferentes idades, interpretam uma das mais famosas lendas brasileiras. Seja qual for o sotaque ou a companhia que você prestigiar, o importante é se permitir brincar e celebrar a beleza, a sensibilidade e a criatividade de nossa cultura imaterial.
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Matéria publicada na edição 17 da Revista