Não por acaso, me vejo num momento de aptidão e sensibilidade para fazer esta seleção e indicar discos que ajudem a sonorizar nossas viagens. Trabalhei numa loja de livros e vinis no centro de Salvador. Na mesma época, fazia parte de um soundsystem chamado Ministéreo Público, explodindo graves pelos bairros da cidade. Também tocava meu violão, influenciado pelo que encontrava na loja.
Transportei esse aprendizado para a minha discografia pessoal. Fiz dois discos importantes: Paraíso da Miragem (2014), sobre o êxodo e seus caminhos, e posteriormente Alto da Maravilha (2022), que me deu o presente de compor com a dupla Antonio Carlos & Jocafi, meus mestres!
Na minha jornada mais recente, com a banda BaianaSystem, em um processo coletivo, mentalizamos uma odisseia chamada O Mundo Dá Voltas. As pesquisas, dessa vez, foram conduzidas com visitas a museus, como o British Museum (em Londres), onde vi exposições permanentes, e o Museo del Oro (em Bogotá), com a coleção Pré-Colombiana. Ambos contam a história do mundo por meio de símbolos e artefatos.
Chego com indicações, então, como se estivesse voando pelo mundo e, com um fone de ouvido, tentando entender cada pedacinho dele.
Beto Guedes, Danilo Caymmi, Novelli & Toninho Horta (1973)
Disco de nome coletivo, que fala das coisas mais íntimas, de um coração brasileiro, no encontro maravilhoso desses compositores. A primeira música, “Caso Você Queira Saber”, com Beto Guedes, já leva a gente para uma decolagem segura dentro das melodias brasileiras. Um som que dá esperança no que vem a seguir.
Egberto Gismonti – Em Família (1981)
Falando de músicas com o melhor combustível para a saudade, trago o álbum lançado pelo mago Egberto Gismonti aos 34 anos, época da chegada de seu filho, Branquinho. É o disco perfeito para nos conduzir pelas nuvens, na mais pura explosão de sentimentos. Me transformou por dentro e por fora. Indico “Sanfona”, que guardo comigo para a eternidade!


Rosinha de Valença – Cheiro de Mato (1973)
Certa vez, o maestro Ubiratan Marques me falou que timbres são cores e, com alguns diálogos de estúdio, poderíamos pintar um quadro. Me permita indicar este perfume sonoro do sertão, da cantora e instrumentista Rosinha de Valença. Aqui encontrei o poder da delicadeza.
Ubiratan Marques – Dança do Tempo (2023)
Este álbum me faz flutuar com os pés no chão, me conecta com as minhas raízes mais profundas da África. Um disco feito com a construção de uma vida inteira. Com lindas melodias e coros ancestrais, um afrojazz regido pelo (meu) maestro Ubiratan Marques, em suas melhores virtudes e forma.
Nyron Hygor (2025)
Uma dica do que está rolando agora. É leve, encorpado, bem timbrado e suingado, desses para acompanhar diversos momentos. Uma grande surpresa, que encontrei nas minhas últimas visitas a lojas de discos. Um som do nosso tempo, que mistura tudo que gosto na música brasileira de outros tempos, com instrumentais e paisagens sonoras.
Ramiro Musotto – Civilização & Barbarye (2006)
Chegamos com o tempero perfeito para quem gosta de saborear os diálogos entre os ritmos latinos, com equilíbrio nas interpretações orgânicas e eletrônicas. Aqui temos um som afro-latino de responsa, com uma enorme variedade de imagens e caminhos. É fundamental ter um disco de Ramiro nesta lista. Ouça a faixa “Gwyra Mi” com atenção.


Tania Maria – Ao Vivo (1979)
O disco ao vivo que mais gosto de ouvir quando não estou na minha casa. O álbum é tão bom que faz parecer que quem o ouve foi ao show no dia da gravação. É sublime. A faixa “Pingas da Vida” é um brinde para quem estiver com aquela saudade no peito. Quem não conhece Tania Maria não sabe o que está perdendo. Ouça e indique!
Stefano Torossi – Feelings (1974)
Uma raridade. Álbum fantástico. Para quem gosta de viajar num belo instrumental. Gosto de tudo que veio do selo de soul norte-americano Stax. Com influências da black music, banhado de groove, guitarras e violinos, no melhor estilo Isaac Hayes, mas com um sotaque diferente, conduzido pelo maestro italiano, arranjador e compositor Stefano Torossi.
Jachie Mittoo – The Keyboard King ot Studio One (2000)
Se você gosta de um som funk com tempero jamaicano, aqui está o disco para os seus momentos mais felizes. Poderia fazer uma descrição, mas acredito na simplicidade autêntica de Jachie Mittoo, que enche suas frases de alegria e ternura. Ótimo para escutar ao acordar com crianças e deixar que essas vibrações se espalhem sem pretensão.
Kasai Kimiko – Tokyo Special (1977)
Kasai Kimiko interliga pop, jazz e funk com uma doçura da música oriental de modo universal. Para qualquer ouvinte entender e apreciar, mesmo que não esteja acostumado a ouvir músicas em línguas diferentes. Tem a guitarra base sempre presente em meio a convenções cuidadosas, com arranjos extremamente bem colocados.
Fania All-Stars – Rhythm Machine (1977)
Existem vários grupos que juntam os melhores da música latina. Aqui me vejo voando para um lugar que não conheço. A faixa “Peanuts (The Peanut Vendor)” merece ser ouvida em alto e bom som. Neste disco, Fania flerta com ritmos norte-americanos, quase como se fosse reinventar uma forma de tocar o original. Prefiro o estilo de Fannia, e você?


Marvin Gaye – Trouble Man (1972)
Aqui vai meu disco de cabeceira, que uso para anotar timbres, entender de arranjos e mostrar referências. São temas inesquecíveis, muito sampleados. Uma obra-prima. Uma música me marcou como se deixasse um recado para as pessoas do futuro: “Don’t Mess with Mister”. Está na minha lista de melhores melodias do mundo!
Yuji Ohno – The Inugami Family (1976)
Da série “Russo indica trilhas de filme como se fossem discos de bandas ou artistas solo”. Meu mais novo vício é ouvir trilhas sonoras. Os temas dessa trilha têm muita personalidade. Destaco a faixa “Meditation”, pois ela me levou para ambientes onde só a música mineira é capaz. O outro lado do mundo me parece ali. Se eu pudesse, moraria nela!
Norbert Stein – Pata Bahia (1998)
Volto a mostrar as iguarias da minha Bahia. Esse projeto é pouco conhecido, para que um dia você também possa indicar e perguntar: “Conhece Pata Bahia?” Ele juntou músicos da Bahia em Salvador para interpretar temas que prezam a nossa identidade. Destaco a participação nesta obra-prima do mestre Lourimbau – artesão, compositor e instrumentista.
William Onyeabor – Who Is William Onyeabor (2013)
Um presente para quem não conhece esse som e reservou um momento para ler esta lista. É um álbum que explica por que eu falo sempre que existe um passado que o futuro ainda não alcançou. Um mestre nigeriano da década de 1970 com músicas encharcadas de suingue: sintetizadores, guitarras solo, mantras de baixo, bateria e muito espaço para dançar!
Matéria publicada na edição 20 da revista
































































































































































