A small place (1988)
Jamaica Kincaid
As narrativas de viagem têm, entre alguns de seus expoentes, escritores (em geral homens) ligados direta ou indiretamente ao projeto colonial. A Small Place, da romancista e ensaísta (além de jardineira amadora) caribenha Jamaica Kincaid, desafia o gênero, ao denunciar o neocolonialismo da indústria do turismo e seus impactos na Antígua natal da autora. Dirigido ao viajante dos grandes centros, que chega à ilha para “fugir” da realidade, o ensaio mostra que, por trás da paisagem paradisíaca, há vidas humanas sem qualquer possibilidade de fuga. Trata assim da grande contradição do turismo contemporâneo: mesmo quando bem-intencionado, o turista apenas “arranha” a superfície e conhece um cenário oco, deixando em seu rastro, ao partir, a brutalidade da história (no caso de Kincaid, a herança colonial e as persistências da escravidão). Uma leitura provocadora e sem respostas prontas.
Na pior em Paris e Londres (1933)
George Orwell
Apesar do título, este, a rigor, não é um livro de viagens, mas um relato do período de dureza (algo voluntário) e ralação em cozinhas escaldantes daquele que viria a ser um dos maiores escritores do século 20, autor de A Revolução dos Bichos e 1984. Ocorre que é tão deliciosamente um antilivro de viagens, no sentido glamoroso do gênero (ou das capitais europeias em que se passa), que merece a menção. A fome, a privação, a sujeira ou a experiência da pobreza extrema são aqui os protagonistas da pena ácida, irônica e bem-humorada deste Orwell de vinte e tantos anos, que pela primeira vez publicava um livro com o pseudônimo que o consagraria.
A outra face da Lua (2012)
Claude Lévi-Strauss
O antropólogo francês, na abertura de seu livro de memórias sobre seus anos no Brasil (Tristes Trópicos), famosamente disse detestar as viagens e os viajantes. Mas à sua revelia, escreveu brilhantes livros de viagem (a começar por Tristes Trópicos, que não deixa de sê-lo). Embora tenha estado no Japão já septuagenário (voltaria ali mais quatro vezes), Lévi-Strauss sentiu-se sempre profundamente próximo da cultura nipônica, desde que, ainda garoto, passou a colecionar ukiyo-e – as estampas de artistas populares como Hiroshige ou Hokusai, que retratavam paisagens e a vida cotidiana, e haviam se tornado febre entre os artistas impressionistas na França do século 19. A Outra Face da Lua reúne escritos e conferências sobre o Japão, que revelam a paixão do autor pelo arquipélago (e vão de pesquisas etnográficas em Okinawa às ruas apinhadas de Tóquio), mas também sua arguta capacidade de observação do outro, como nas notas precisas sobre a relação aparentemente paradoxal da cultura japonesa com a natureza.
Mani: Travels in the Southern Peloponnese
Patrick Leigh Fermor
Ao lado de Bruce Chatwin (que não gostava do epíteto), Patrick Leigh Fermor é, muitas vezes, apontado como o maior escritor de prosa de viagens do século 20. Já descrito por um crítico como um misto de Indiana Jones, James Bond e Graham Greene, escolheu, depois de uma vida venturosa, uma então remota aldeia à beira-mar no sul do Peloponeso (Kardamili) para se estabelecer – aviso aos viajantes: hoje é possível hospedar-se em sua casa. Perto dali, fica o Mani, uma zona montanhosa que, nos anos 1950, Leigh Fermor percorreu a pé ao lado da mulher, Joan, e de seu amigo, o jornalista e, como ele, ex-veterano da Segunda Guerra, Xan Fielding. As viagens se deram antes que as estradas cortassem aquelas paragens, das mais isoladas da Europa, porque espremidas entre o Mar Egeu e o Monte Taígeto. É um dos últimos relances, antes do turismo de massa, sobre uma região europeia quase que intocada pela vida moderna, onde o passado distante era algo vivo no presente. Um mundo que já se desfazia.
Na Patagônia (1977)
Bruce Chatwin
O lugar – a paisagem remota, vasta e castigada pelo vento – apenas se entrevê neste livro, habitado por aventureiros e desterrados (de imigrantes gauleses a um Butch Cassidy em fuga) que, em circunstâncias extremas, buscaram o extremo sul da América do Sul para um recomeço. Censurado por privilegiar uma perspectiva quase que exclusivamente europeia acerca da ocupação humana do lugar, Chatwin fez desse travelog, no entanto, um dos clássicos incontornáveis do gênero, por construir um arco narrativo inusitado a partir do fluxo inconstante de seus interesses e descobertas.