Um longo voo me leva até Arusha, no norte da Tanzânia, cidade que servirá de base para a escalada do Kilimanjaro, a montanha mais alta do continente africano. Mesmo tendo feito essa viagem outras tantas vezes, meu coração se enche de ânimo e meu corpo de excitação ao me preparar para a jornada que virá.
Meu primeiro encontro com o grupo de 15 pessoas que guiarei é ainda no hotel, onde todos nos hospedamos antes de dar início à aventura propriamente dita. Nossa interação é cheia de entusiasmo, com cada um dos participantes me contando sobre seus anseios e sobre suas dúvidas quanto à aventura que, nos próximos dias, nos levará ao topo da África.
Com a experiência de já ter guiado 17 grupos ao cume do Kilimanjaro, tento passar confiança, mas sei que a ansiedade é um sentimento que vai acompanhar cada um deles. Ninguém no grupo tem experiência em montanhismo, o que me faz admirar sua coragem de encarar esse projeto.
Rumo ao topo da Montanha Sagrada
Chegamos à entrada do parque e encontramos o restante da equipe, que era formada por um grupo numeroso de participantes. Eram 64 carregadores, oito guias, dois cozinheiros e o pessoal que monta o acampamento, no total de 90 pessoas. Se para nós a escalada é um desafio, para a população local o Kilimanjaro é tido como sagrado, a morada dos deuses e de seus antepassados.
Chegamos ao primeiro acampamento, o Big Tree, a 2.800 m de altitude, após três horas de uma caminhada fácil em uma linda floresta. No trajeto, avistamos os macacos colobus, com suas grandes caudas brancas.
Nosso próximo dia foi em ritmo normal de trekking, com seis horas de caminhada em ritmo lento e várias paradas para snacks e hidratação. Nesse dia, a altimetria foi mais exigente, subimos 900 m. E tivemos a primeira vista de nosso objetivo, o Kibo, um dos três cumes do Kilimanjaro. Há muitas discussões sobre o significado e a origem dessa palavra, com traduções que vão desde Montanha Branca até Montanha das Caravanas, pois aparentemente as caravanas se orientavam pelo cume.
Trata-se de um estratovulcão dormente com três cones vulcânicos, Shira, Mawenzi e Kibo. A última erupção do Kibo aconteceu 150 mil anos atrás. Kibo é o maior dos três cones, com 24 km de largura, o ponto mais alto da montanha e o nosso objetivo: o Uhuru, a parte mais elevada da borda da cratera, a 5.895 m.
Nas alturas
Nosso terceiro dia de trekking foi marcado pela chegada ao platô de Shira, onde acampamos a 4.100 m e começamos a solidificação de nosso processo de aclimatação. Foram três noites em diferentes acampamentos, mas sempre ao redor da mesma altitude, para que o corpo se acostumasse ao novo ambiente.
Estávamos prontos para o nosso grande dia. A emoção e o nervosismo eram palpáveis.
Na madrugada do dia seguinte, iríamos para o cume. Chegamos ao último acampamento, a 4.700 m, almoçamos e descansamos para o grande momento. O ritual antes da partida aconteceu com um jantar às 18 horas, seguido por algumas horas de sono nas barracas — nem todos conseguiram dormir tamanha a ansiedade — e chamada às 23 horas, quando, após uma pequena “ceia” (ou café da manhã noturno), partimos na escuridão, iluminada apenas pelos pequenos pontos de luz de nossas lanternas em fila.
Felizmente, à meia-noite, a chuva que vinha caindo desde a tarde parou. Mas, quando chegamos à caverna Hans Meyer (batizada em homenagem ao montanhista austríaco, o primeiro escalar o Kibo), a neve começou a cair.Nosso grupo, que havia partido unido, agora se espalhava na montanha, e sempre acompanhado de competentes guias. Sabendo que todos estavam curtindo a neve, não fiquei chateado de perder o fantástico nascer do sol na chegada à borda da cratera, no chamado Gilman’s Point, a 5.756 m. Porém, por volta das 4h30 da manhã, a neve cessou e, aos poucos, fomos vendo as estrelas aparecerem. Cerca de uma hora depois, as lindas cores do princípio do nascer do sol apareceram no horizonte: suaves azuis e rosas tingiam o céu. O frio da noite, até então intenso, pareceu amainar com a proximidade da manhã.
“Estávamos na borda da cratera. Abraços e lágrimas. O sol saiu, glorioso, trazendo felicidade e um calorzinho reconfortante”
A sensação era de sucesso. Mas ainda tínhamos trabalho pela frente, com cerca de duas horas de caminhada até o Uhuru, 140 metros acima, contornando, dessa vez de maneira gradual, a borda da cratera.
Com a luz do novo dia, pudemos ver finalmente a paisagem ao nosso redor. A gigantesca caldeira, completamente coberta de neve. O Mawenzi agora estava delineado contra a luz do sol. A enormidade do que subimos e a grandeza do que tínhamos sonhado e realizado… Faltava mais um pequeno esforço e aos poucos, parando com mais frequência por causa da altitude, fomos nos aproximando de nosso objetivo. E chegamos lá.
De um lado a caldeira, e de outro a África, coberta por uma grossa camada de nuvens. Ao longe o cume do Monte Meru. Pura emoção.
Doce conquista
No coração e na alma, tínhamos a certeza de que cada um de nós levou dessa experiência muito mais do que uma foto no cume do Kilimanjaro e um feito para contar aos outros. Levamos ensinamentos sobre nós mesmos. Levamos uma nova confiança, a de que podemos nos desafiar e vencer, desde que nos dediquemos. Levamos novos amigos, com quem dividimos angústias e alegrias. Levamos a musicalidade de nossa equipe, que cantou e dançou conosco na montanha e no almoço de despedida. Levamos o sorriso de um povo que tem uma vida dura, mas que fez de tudo para que nós conseguíssemos realizar um sonho, e que nos ajudou a vencer a cada passo.
Matéria publicada na edição 15 da Revista UNQUIET.