Segera Retreat
Benefício expirado
O piloto Ahmed deu um bordo à esquerda com o Cessninha 206 Station Air, monomotor de asa alta, e apontou para baixo, alertando os passageiros.
No solo, um bando de girafas, com seu andar molenga, galopava em câmera lenta. Mal havíamos deixado os limites de Nairóbi, a capital do Quênia – e o show da vida havia começado. Fantástico.
Voávamos rumo norte, 359 graus pela bússola do avião, naquela manhã nublada de abril. A estação chuvosa começara em março, e a savana principiava a esverdear novamente. Nosso destino era o Segera Retreat (pronuncia-se seguêra), o resort mais luxuoso da África meridional, situado numa gigantesca área de preservação ambiental com 22.275 hectares. Um projeto idealizado e implantado pelo empresário e conservacionista alemão Jochen Zeitz [leia entrevista nesta edição]. A apenas 20 quilômetros ao sul da linha do Equador, trata-se da segunda área do país, depois do parque Masai Mara, em densidade de vida selvagem. Um santuário onde convivem 40 espécies de mamíferos e mais de 350 de pássaros.
Após 55 minutos, aterrissamos. O lugar impressiona de imediato pela beleza natural, pelas acomodações hiperconfortáveis e de bom gosto, pelo paisagismo impecável e pelas onipresentes obras de arte, com destaque para um instigante jardim de esculturas. Zeitz, afinal, é o mais importante colecionador de arte contemporânea do Continente Negro. Fundou, na cidade do Cabo, África do Sul, o prestigiado Zeitz MOCAA (Museum of Contemporary Art Africa).
No Segera, a vida é regida pela filosofia dos 4Cs – conservação, comunidade, cultura e comércio, integrados de maneira holística e efetiva. Entre as celebridades que frequentam o lugar estão o ex-velocista jamaicano Usain Bolt e as designers de moda Donna Karan e Vivienne Westwood.
Para usar uma palavra em voga, se hospedar no Segera é uma experiência genuína e diferenciada. Lá você vai apreciar o cume nevado do monte Quênia, segunda maior montanha da África depois do Kilimanjaro, de 5.199 metros de altitude, com as raras zebras-de-grevy em primeiro plano. Pela manhã, irá sentir o aroma da savana molhada pelo orvalho da madrugada. Ouvirá o bramido dos elefantes fêmeas, matriarcas sempre atentas à segurança dos filhotes. Tomará chá no fim da tarde aninhado num sofá de couro antigo, entre mapas, fotos e objetos do início do século 20.
Depois do jantar, vai sentir pra valer o céu, o cosmo, com bilhões de estrelas que ameaçam cair a qualquer momento sobre sua cabeça. Tudo banhado pelo brilho e pelo calor da fogueira – enquanto você degusta sossegado um encorpado pinotage sul-africano. Vidão. Então, relaxe e aproveite.
Ou, como diz a população local, misturando a língua suaíli ao inglês, hakuna matata, my friend. Esqueça os problemas e o estresse da cidade grande. “Encontrei o lugar que fala à minha alma de aventureiro”, sintetiza Jochen Zeitz. Ele descobriu em 2005 a antiga sede de fazenda e um estábulo abandonados, cercados de cactos. E transformou o local num exuberante jardim tropical, com nove vilas luxuosas, diversas piscinas e um spa. Restaurado, o estábulo, logo na entrada, virou uma galeria, com obras de seu acervo particular.
O designer e artista plástico paulista Humberto Campana, que esteve no Segera Retreat durante uma semana em 2019, trouxe de lá as melhores recordações. “Não fomos apenas como turistas, mas também para trabalhar”, ele explica. Diz ter vivenciado um contraste muito grande ao visitar a aldeia de pastores de gado onde está o projeto Satubo, apoiado e financiado pela fundação Zeitz. A sigla remete às três etnias regionais – samburo, turcana e borana. Congrega apenas mulheres, com o objetivo de aumentar a renda, a autoestima, combater o sexismo e criar um negócio autossustentável. A fundação Zeitz criou ainda um pelotão de rangers (guarda-caças) feminino, atividade outrora reservada apenas aos homens. Armadas, elas ajudam a fazer a ronda contra os caçadores.
De uma fazenda
abandonada, o Segera se transformou num jardim tropical.
O estábulo virou uma magnífica
galeria de arte.
“Pela manhã a gente tomava café com as girafas pastando no jardim, num conforto chique e elegante”, rememora Campana. “Depois, andávamos 30 quilômetros de estrada de terra, e entrávamos em outra realidade.” As mulheres vivem dos belíssimos e multicoloridos colares e pulseiras, feitos de miçangas e contas. Sempre preocupado com a ampliação do vocabulário artístico, Campana sugeriu: “Por que vocês também não fazem luminárias?”. Outro ponto, segundo ele, foi o lado espiritual vivido ali. “Mudei muito, sabe? Percebi a grandeza deles, um povo que só enfrenta adversidades e responde com sorrisos e amor”, afirma. “Isso é da cultura africana, me senti em casa com a generosidade, a entrega dos moradores, pois minha segunda mãe é afrodescendente.”
Um dia típico no Segera começa cedo, por volta das 6h30. Um lanche leve precede o primeiro game ride. À diferença da maioria dos safáris, esse passeio de 4×4 é feito com carro e guia-motorista exclusivos, só para você. No trajeto, prepare-se para encontrar leopardos, elefantes, búfalos, leões, hienas, girafas e zebras, além de centenas de pássaros variados. Na volta, cerca de 10h, toma-se o café da manhã e depois vem o almoço na Paddock House.
O sistema farm to table garante frutas suculentas, verduras crocantes e legumes saborosos, cultivados de modo orgânico no pomar e na horta do lodge. Chefs qualificados se esmeram no preparo da comida, que pode ser saboreada no hotel ou ao ar-livre, nos bosques cortados por riachos de água transparente. O Segera, é bom que se diga, é detentor de diversos prêmios internacionais de sustentabilidade – a energia utilizada vem 100% de placas solares e a rega dos jardins e da horta é feita com o reúso da água das chuvas.
Há um segundo game ride no fim da tarde, seguido do jantar na Wine Tower. Trata-se de uma adega dentro de um antigo silo cilíndrico, com mesa central e piso de cimento cravejado de cápsulas metálicas de champanhe. A carta de vinhos é magnífica, com os melhores rótulos do Novo e do Velho Mundos. Entre os dois passeios, você aproveita o conforto da sua vila particular para ler, tirar uma soneca ou até tomar um banho particular de piscina.
A altitude de 1.750 metros acima do nível do mar faz com que o resort tenha um clima agradável o ano todo, e, melhor ainda, livre de malária. Ao longo dos córregos, os bosques de acácias atraem as zebras-de-grevy e os elefantes, em busca de água, de sombra e de alimento. Manadas com mais de vinte elefantes e bandos com dezenas de são comuns, e atestam a densidade da vida selvagem no planalto de Laikipia.
Existem na África quatro espécies de girafa: do-sul, masai, do-norte e reticulada. O cruzamento entre espécies distintas gera filhotes estéreis, daí a queda de 150 mil para 100 mil nos últimos 30 anos.
SEGERA RETREAT
• O projeto e a administração do Segera se inspira no equilíbrio de 4 conceitos principais, os 4Cs: Conservação, Comunidade, Cultura e Comércio.
• Apoio à criação de fazendas solares, escolas Waterbank e uma academia de guarda-parques voltada à formação de mulheres.
• Os quartos usam energia solar e o hotel faz a reciclagem de água cinza com recursos biológicos, além de produzir adubo a partir da compostagem do lixo orgânico.
• Sistema para destilar e engarrafar água, com e sem gás, com o objetivo de reduzir o consumo de embalagens de plástico.
• Proteção ao Wild Dog na área de Laikipia, evitando a extinção da espécie.
• Proteção e cuidados com monitoramento dos macacos Patas.
• Proteção e monitoramento das Chitas.
• Plantio de 250mil mudas de acácias na área.
Site: www.zeitzfoundation.org
No Segera, entretanto, as reticuladas são tantas que podem ser vistas até pela janela dos quartos. Os búfalos-cafres, com sua ferocidade lendária, pesam até 900 quilos. São temidos até pelos leões, que só ousam atacar os animais mais velhos – e mesmo assim sempre em grupo. Ninguém encara um búfalo sozinho.
Quer mais aventura? Então aqui vai. Você pode passar a noite sob as estrelas, no deque superior do Bird Nest. Essa construção, cuja arquitetura se assemelha à dos ninhos dos grandes pernaltas africanos, é um ponto perfeito para a observação noturna de carnívoros como leões, leopardos e hienas, além de elefantes e búfalos.
E já que voltamos à página dupla que abre esta reportagem, lembra-se do filme Entre Dois Amores (Out of Africa)?
Ele conta parte da vida da dinamarquesa Karen Blixen (vivida por Meryl Streep), que teve uma fazenda de café em Nairóbi. Robert Redford faz o papel do piloto Denys Finch-Hatton, amante da escritora.
Pois bem: voar no biplano amarelo Gipsy Moth, ano 1929, prefixo G-AAMY, o mesmo utilizado durante as filmagens, é um mimo único que o Segera oferece.
Dependendo da disponibilidade, o avião, comprado por 300 mil euros num leilão em 2013 e completamente restaurado, está à sua disposição. Bom voo.