Dizem que, quando não temos algo para apoiar o olhar, perdemos a noção da perspectiva. O cérebro se confunde, incapaz de processar a amplidão sem limite, e certo desamparo toma conta da mente. Os Lençóis Maranhenses são um desses lugares em que a estabilidade se dissolve: um tecido de areia infinita, entrecortado por água cristalina, onde a linha entre o topo das dunas e o céu se costura. Mais do que uma questão de paisagem, é o que o lugar provoca ao nos atravessar. A imensidão, que transmuta de cor e forma de acordo com o toque mutante da luz solar, por instantes nos faz flutuar ‒ entre os sonhos e a tentativa inútil de captar tamanha beleza.
Essa é a minha quarta vez no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. Já havia visitado de todas as formas conhecidas por mim até então: hospedando-me em Santo Amaro, Atins e Barreirinhas, bases principais do turismo, e em 2024, até então minha última experiência, quando realizei a travessia, uma opção que se tornou objeto de desejo dos mais aventureiros. Dessa vez, meu destino foi a Casa Patacas, uma alternativa singular para quem busca aconchego, isolamento e serviço de qualidade para conhecer um dos patrimônios mundiais da Unesco.
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Casa Patacas
Benefício: Trekking no Parque Nacional acompanhado de guia especialista; Imersão em Dunas e Lagoas Inóspitas da região com transporte; acesso às atividades comunitárias e passeio de Kayak.
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- Validade: Novembro de 2026


Uma experiência imersiva
A chegada já carrega o presságio do seu afastamento. Após quatro horas de estrada, passada a entrada para Santo Amaro, o carro para na margem do Rio Alegre. Embarco em uma voadeira por mais meia hora, flutuando no meio de uma cortina de vegetação verde e abundante. Sou recebida com um piquenique à beira de uma duna por Bruno e Renato, que me dão as boas-vindas e avisam que em algumas horas voltam para me buscar. Ali, começo a me acomodar ao silêncio abrupto, interrompido apenas pelo sopro do vento, e à calmaria da paisagem.
O último trajeto é feito em um 4×4, por Carnaval, um dos familiares dos Britos, povoado instalado em um oásis no meio do território dos Lençóis há mais de 200 anos. Após 20 minutos, abro a porteira da Casa Patacas, um refúgio do nativo seu Aureliano, que foi restaurado e adaptado como uma hospedagem rústica e deliciosa, em uma localização privilegiada: a única dentro do Parque Nacional, entre duas comunidades, a Patacas e a Rancharia.

Sou recebida por seu Francisco e dona Rosinha, habitantes da Rancharia e familiares do guardião desse lar histórico. Reestruturado pela baiana Lisyane Arize, criadora e articuladora do primeiro ponto de cultura e preservação dos saberes e fazeres tradicionais e artísticos do Maranhão – um projeto reconhecido pelo Ministério da Cultura —, a Casa Patacas preserva sua estrutura original, possui três quartos e acomoda até sete pessoas. O refúgio ganha vida inspirando-se na história maranhense, em uma gastronomia de sabores regionais, em experiências desenhadas sob medida e em uma decoração com objetos de artesãos do estado.
Um refúgio nativo, a Casa Patacas é a única hospedagem dentro do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses


Entre lagoas e história
Após uma noite embalada pelo vento e som das folhas de carnaúba, Dedé, um cozinheiro maranhense, me desperta com tapioca, geleia de buriti e pão caseiro. Sigo para conhecer a vizinhança, enquanto o casal, que teve dez filhos, conta histórias de seus antepassados. A que mais me marca é o conto de que o pai e o avô de seu Chico foram atacados por uma onça enquanto realizavam seus ofícios na roça. Estranho ao pensar que existe esse felino no meio de tanta areia, até que aprendo que o bioma local é o Cerrado, com influências de restinga e manguezal. Passeio pela casa deles, e Rosinha me explica que se há coqueiro e buriti é porque existe humano, já que eles exigem cuidados, seja com alguém se aproveitando de suas sombras, seja causando fumaça para abençoá-los.
Do outro lado de uma lagoa imensa, ainda cercada de vegetação, tenho o primeiro contato com as famosas lagoas. Formadas de janeiro a junho, a água da chuva se acumula entre as dunas e é mantida por uma camada impermeável do solo. A escolhida por Bruno e Priscila, os anfitriões da casa nessa temporada, é a da Rancharia.

Aproveito o calor imensurável do meio-dia para descansar, até que Eugênio, um dos dez filhos, me conduz em uma caminhada pela areia. O mais bacana de estar com alguém que nasceu exatamente nessa terra, já que Rosinha teve oito de seus dez filhos em casa, é que eles conhecem a área como a palma de sua mão. Ele me mostra onde corujas-da-morraria constroem suas tocas, me sinaliza os lugares onde já houve moradia, uma vez que as dunas são móveis, e dizem que avançam sobre o continente cerca de 20 cm por ano, e até me indica um cemitério recém-emergido, marcado por ruínas de madeira. “A família do meu pai está enterrada aí”, comenta. Uma longa parada para assistir ao pôr do sol e a sorte de poder presenciar o nascimento da lua cheia de sangue, uma bola gigante avermelhada, que toma o céu com toda a sua potência, e logo chegamos de volta à Casa Patacas.
O dia seguinte é de puro descanso nas lagoas, uma preparação para a pescaria programada. No passado, me conta seu Chico, ele ia a pé por 17 km até o mar em busca de sustento. Mais tarde, passou a utilizar animais e hoje tem seu quadriciclo. Gentilmente, junto de seu filho Eugênio, me convida para ver de perto como eles ainda fazem, nos meses de outubro a maio. Entram no mar com a água nos joelhos, esticam uma rede, um de cada lado, e a arrastam até chegar à praia. Possuem uma barraca para estender suas redes, apenas com teto, para garantir a viagem e o retorno com mais alimento. Quando chegamos lá, ela está tomada pela areia, o testemunho do trabalho paciente dos ventos oceânicos.




No último jantar, para fazer jus ao banquete preparado por Dedé, uma dupla de músicos surge sob a luz impressionante da Lua. Dando mais uma prova de que o Maranhão é especial, eles nos explicam o bumba meu boi, uma celebração que atravessa séculos e une mundos: o sagrado e o popular, o indígena, o africano e o europeu. A beleza única e surreal dos Lençóis Maranhenses com certeza é o grande atrativo do estado, mas, como disse Carnaval, “o que vale na vida é aprender”. Volto para casa ainda mais envolvida com essa terra, onde me sinto tão em casa.
Matéria publicada na edição 21 da Revista UNQUIET

Casa Patacas
A Casa Patacas apoia ações que fortalecem a comunidade e o meio ambiente no entorno do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses.
O coletivo de mulheres artesãs reúne hoje 26 moradoras da comunidade que trabalham com palha de carnaúba e buriti, criando peças de moda e decoração. O projeto valoriza o saber tradicional, incentiva o re-design e gera impacto social e econômico local.
O viveiro de mudas de espécies nativas foi criado para ajudar a reflorestar o cordão verde que protege a comunidade e conter o avanço das dunas. Em 2024, foram cultivadas 100 mudas nativas, reforçando o compromisso da Casa Patacas com a preservação e regeneração do ambiente natural.
O projeto de musicalização infantil, em parceria com a Escola Municipal, ainda está em fase de concepção. A proposta é oferecer aulas de flauta doce e leitura de partituras, promovendo o desenvolvimento artístico e cultural das crianças da comunidade.
Este foi o primeiro ano de operação da Casa Patacas, um ano piloto que nos permitiu aprender com o território e com as pessoas que o habitam. Ainda temos um longo caminho a percorrer e muitas ideias a implementar, sempre guiados pelo propósito de gerar impacto positivo e inspirar novas formas de viver e cuidar dos Lençóis Maranhenses e das pessoas que aqui habitam.

































































































































































