Olhos Abertos sobre o Pulmão do Mundo

Uma seleção literária para entender a Amazônia e enxergar por trás da cortina de fumaça que a oprime em tantas esferas

A Amazônia é a um tempo um objeto geográfico, social, econômico e antropológico. Uma introdução ao seu estudo deve contemplar, no mínimo, essas dimensões. Por geografia amazônica, entendo as suas singularidades ambientais, territoriais, sua fauna e sua flora. A floresta amazônica é um ecossistema bastante específico, que sempre desafiou modos de racionalidade estrangeiros, que tentaram impor uma ordenação inadequada e, logo, fracassada. 

A floresta é ainda, claro, uma questão social e econômica: um extraordinário ativo ambiental ‒ o “pulmão do mundo” e seus rios voadores ‒, com um potencial bioeconômico sustentável por se desenvolver. E, por outro lado, a depender da perspectiva política, um entrave para o desenvolvimento econômico de modelo extrativista, cujos limites só não estão mais claros hoje porque a fumaça que exala não permite que se os enxerguem bem.

Finalmente, a floresta amazônica é há milhares de anos a morada de povos indígenas, povos que durante os séculos da colonização foram percebidos como subdesenvolvidos, sub-humanos, mas que hoje, ao menos para os setores alinhados à produção antropológica e arqueológica contemporânea, são vistos e valorizados como detentores de tecnologias políticas, sociais e ambientais que podem ajudar a solucionar os descaminhos a que a dialética da técnica moderna conduziu grande parte da humanidade – e da terra.

Aqui vai, portanto, uma breve lista de livros que ajudam a pensar esse conjunto de questões.

História dos Índios do Brasil, de Manuela Carneiro da Cunha

História dos índios no Brasil (organizadora Manuela Carneiro da Cunha)

Esta obra contém mais de duas dezenas de textos sobre diferentes aspectos da Amazônia e de outros territórios indígenas em todo o Brasil. É um catatau de referência, uma extraordinária introdução sobre a história indígena no Brasil, suas grandes famílias linguísticas, as coleções etnográficas existentes, a legislação relativa aos indígenas desde o período colonial, a história de diversos povos, o “encontro” com o colonizador e seus impactos, entre muitos outros temas. É um livro esgotado, por isso bastante caro, mas imprescindível.

O povo brasileiro (Darcy Ribeiro) 

Antropólogo, político, educador, Darcy Ribeiro é um dos grandes personagens brasileiros do século XX. O livro é a sua obra magna, escrita nos últimos anos de sua vida. É uma história da formação do Brasil, com a devida ênfase na contribuição dos povos indígenas. Darcy, como se sabe, era um socialista moreno, um marxista com extraordinária sensibilidade para os povos indígenas, que entendia o processo de miscigenação do povo brasileiro como o fruto rico e promissor de uma origem violenta. É um livro necessário neste momento, em que parte da sociedade brasileira rejeita a mestiçagem e defende o tribalismo como o caminho para a igualdade.

+ Confira outras dicas de leitura já publicadas na UNQUIET

O Povo Brasileiro, de Darcy Penteado
A Inconstância da Alma Selvagem, de Eduardo Viveiros de Castro

A inconstância da alma selvagem (Eduardo Viveiros de Castro)

Este livro reúne cerca de uma dezena de ensaios daquele que é possivelmente o pensador brasileiro mais original das últimas décadas. Viveiros de Castro se inscreve numa antropologia que estuda o indígena enquanto indígena, e não como brasileiro. Ele está interessado em descrever e interpretar as cosmovisões indígenas, suas ontologias, sua espiritualidade, suas formas políticas. Destaco dois ensaios do volume. Em “O mármore e a murta”, ele investiga os sentidos da perplexidade dos jesuítas no Brasil colonial diante de um paradoxo: os indígenas eram facilmente convertidos ao cristianismo, mas ainda mais facilmente abandonavam a fé recém-adquirida para voltar a seus costumes antropófagos. Já em “Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena”, o antropólogo realiza um verdadeiro tour de force conceitual, virando de cabeça para baixo a filosofia ocidental a partir do que seria a perspectiva, ou o perspectivismo, indígena.

Encontros, de Ailton Krenak

Encontros (Ailton Krenak) 

Ainda jovem, Ailton Krenak protagonizou uma das cenas mais marcantes do processo de transição democrática da Nova República, ao discursar na Assembleia Constituinte, em 1987, pintando seu rosto de jenipapo e denunciando a ganância e a violência do Estado brasileiro contra os povos indígenas. Nos últimos anos, Krenak se tornou uma das mais importantes lideranças indígenas do Brasil e do mundo, com Davi Kopenawa, Sonia Guajajara e lideranças emergentes, como Joenia Wapichana e Txai Suruí. Ele tem publicado livros curtos de grande sucesso, mas, para mim, suas palavras mais bonitas são ainda aquelas reunidas neste volume de entrevistas e relatos, que faz parte da coleção Encontros, da editora Azougue.

O silêncio da motosserra (Claudio Angelo e Tasso Azevedo) 

Neste livro, recém-publicado, o jornalista Claudio Angelo e Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas, examinam as políticas públicas do Estado brasileiro, que, entre 2005 e 2012, foram capazes de reduzir drasticamente o desmatamento na Amazônia. Para ter uma ideia, em junho de 2005 detectou-se a queda de extraordinários 95% do desmatamento em relação ao mesmo mês do ano anterior. Como isso foi possível? Que políticas públicas, que atuação da sociedade civil tornaram isso possível? Livro imprescindível para entendermos o caminho e, sobretudo, para acreditarmos ser possível a preservação da floresta no momento ambiental mais dramático da história recente da humanidade.

Matéria publicada na edição 17 da revista UNQUIET

O Silêncio da Motosserra, de Claudio Angelo e Tasso Azevedo

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