Paris: raridades da Biblioteca Nacional da França


Biblioteca Nacional da França em Paris

Bandeira da França Imagine apreciar os manuscritos originais de ‘Os Miseráveis’, com anotações e correções feitas pelo próprio Victor Hugo! Essa é apenas uma das inúmeras possibilidades oferecidas aos visitantes da Biblioteca Nacional da França (Bibliothèque nationale de France ou BnF), no 2º arrondissement de Paris, próxima a importantes marcos culturais e artísticos da capital francesa, como o Louvre, o Palais-Royal, a Comédie Française e a Ópera.

Para uma primeira noção: a Biblioteca Nacional da França é atualmente dividida em quatro partes: Richelieu, Arsenal, Ópera e François-Miterrand. Neste post, vamos focar em alguns aspectos da ala Richelieu, considerada o berço histórico do lugar.

A belíssima Biblioteca Nacional da França em Paris

A entrada à ala Richelieu é gratuita e o acesso acontece por um jardim. Há um café no local, a Rose Bakery (que é um tanto irregular, vc pode curtir ou sair com uma boa dose de arrependimento de ter gastado dinheiro ali, fica o alerta). Há também uma livraria, onde é bem fácil deixar mais euros do que o planejado, mas aí não é gasto, né, gente? Investimento.

Seu objetivo ao visitar a BnF pode ser explorar a arquitetura local, com elementos clássicos e renascentistas (destaque para o majestoso Salão Oval e o jardim interno), estudar, trabalhar ou simplesmente fazer um passeio despretensioso. Não falta beleza nos ambientes, cheios de história, gente do mundo inteiro muito interessada nos 20 mil títulos alojados ali.

Mas como você está no site da UNQUIET e leu este post aqui, certamente seu interesse nesse lugar histórico e esplêndido em Paris vai muito além do que um simples passeio, certo?

Por isso, aqui vão alguns dos (muitos) itens valiosos da Biblioteca Nacional da França, para começar a passar o tempo em suas instalações.

Às obras!

Victor Hugo e seus inestimáveis manuscritos

Manuscritos de Victor Hugo

Como apontado no início deste post, a biblioteca abriga os preciosos manuscritos originais de uma das grandes obras literárias da humanidade. São fascinantes: muitos exibem desenhos entre as palavras. É importante mencionar que, no início de sua carreira, o escritor, poeta e dramaturgo francês Victor Hugo (1802-1885) fez questão de preservar os manuscritos de suas obras – não como muitos de seus contemporâneos, que faziam isso para presentear os amigos, mas com a intenção de deixar um legado para o futuro: “Dedico todos os meus manuscritos e tudo o que possa ser encontrado escrito ou desenhado por mim à Biblioteca Nacional de Paris, que se tornará um dia a Biblioteca dos Estados Unidos da Europa.

Notas musicais históricas: partituras de compositores lendários

Observar os manuscritos de grandes compositores como Mozart, Chopin e Beethoven na Biblioteca Nacional da França é mais do que acessar a matéria-prima de suas obras. É a oportunidade de ter contato com os processos criativos e pessoais desses ícones insubstituíveis da música clássica. Muitos dos manuscritos trazem correções, ajustes e anotações feitos pelos próprios compositores – uma visão incomparável sobre o desenvolvimento de suas ideias musicais. Destacam-se, na BnF, por exemplo, os manuscritos da Sinfonia nº 6, ‘Pastoral’, de Beethoven (Ms. 64), e outros documentos significativos ligados ao compositor alemão.

A BnF abriga também vários conjuntos notáveis de partituras de Chopin. Entre eles, um corpus de cera de 20 manuscritos e uma série de primeiras edições de suas obras, com várias anotações do compositor polonês. Ali estão também cerca de 15 cartas manuscritas, entre elas várias carta ao seu editor francês Maurice Schlesinger, sobre a venda de suas obras.

Esse contato com documentos tão valiosos historicamente permite perceber as variações inéditas que ilustram caminhos criativos. É poder observar o toque pessoal da caligrafia, a evolução das anotações e teorias musicais, técnicas de escrita utilizados ao longo dos séculos. Isso tudo é uma lição de história sobre a evolução da composição musical. E o melhor: aproxima o visitante não apenas da genialidade musical, mas também da humanidade desses ícones da música clássica.

O legado de Pasteur: entre a ciência e a humanidade

Reconhecido mundialmente por suas contribuições pioneiras à química, microbiologia e medicina, o cientista francês Louis Pasteur legou um acervo documental significativo de seu trabalho – parte dele foi doada à Biblioteca Nacional da França (BnF) em 1964 pelo seu neto.

O conjunto de manuscritos inclui anotações pessoais, documentos acadêmicos e registros de suas investigações e análises. Esse material não apenas evidencia a precisão científica de Pasteur, mas também revela algumas de suas fragilidades e incertezas, humanizando a figura muitas vezes percebida somente como um ícone da ciência – revelações sobre suas lutas com a saúde e o luto pela perda de filhos, por exemplo, são elementos presentes em sua correspondência. As cartas pessoais de Pasteur a seus contemporâneos são cheias de questionamentos e debates, e oferecem um panorama vivo de seu comprometimento com a busca pela verdade científica e o bem-estar público.

Além disso, evidências de sua incansável luta contra doenças, como a raiva e o antraz, o que culminou na criação de vacinas que salvaram e continuam a salvar um número incontável de vidas, também estão presentes nesses documentos. Daí a importância de estudar os próprios rascunhos e cartas de Pasteur: é um conteúdo documental que revela o processo humano por trás dos avanços científicos proporcionados pelo cientista francês, um dos maiores da história.

Escritos iluministas: páginas que mudaram o mundo

Analisar os manuscritos originais de nomes do Iluminismo como os filósofos Voltaire (1694–1778) e Rousseau (1712–1778), guardados na Biblioteca Nacional da França, é uma experiência excepcional para compreender o impacto duradouro provocado por desses pensadores. São obras que representaram a vanguarda do pensamento progressista, e que influenciaram a Revolução Francesa e outros eventos subsequentes.

Na Biblioteca Nacional da França, é possível encontrar a primeira edição de ‘Candide ou l’Optimisme’, publicada em 1759, e ainda ver as anotações à mão do filósofo ao longo do texto. Essas notas revelam sutilezas e estratégias de escrita que ele utilizava para contornar a censura. Já o manuscrito original dos “Devaneios do Caminhante Solitário”, de Rousseau, mostra vários rascunhos e revisões que detalham seus processos de pensamento.

A saber: apesar de ambos serem figuras proeminentes do Iluminismo, Voltaire e Rousseau tinham visões muito diferentes e muitas vezes polemizavam em questões filosóficas. Voltaires era um defensor do racionalismo, enquanto Rousseau enfatizava a importância das emoções e do instinto. Acredita-se que eles nunca se encontraram pessoalmente.

A Bíblia de Gutenberg: virando a página para a modernidade

Conhecida também como a Bíblia de 42 linhas, a Bíblia de Gutenberg é um divisor de águas histórico. A obra representa o início da tecnologia de impressão em massa e assinala a transição do manuscrito para a impressão, dando início à era moderna da disseminação de informações.

A Bíblia de Gutenberg foi o primeiro livro a ser impresso utilizando o aperfeiçoamento europeu da tecnologia de tipos móveis criada por Johannes Gutenberg por volta de 1450, com sua produção finalizada (estima-se) em 1455. Cerca de 180 exemplares foram produzidos: aproximadamente um terço em pergaminho em detrimento do papel. Antes dessa inovação, todos os livros eram manuscritos, o que restringia fortemente a capacidade de produzir e distribuir literatura.

Foi uma verdadeira revolução que promoveu a democratização do conhecimento, facilitando a impressão em larga escala e permitindo a propagação ampla e célere de textos religiosos, o que contribuiu significativamente para o crescimento da alfabetização e a expansão do conhecimento. Foi também crucial para a futura Reforma Protestante, ao tornar a Bíblia mais acessível a um público extenso. Além disso, apesar de impressa, a Bíblia de Gutenberg se destacava pelo artesanato minucioso e o cuidado com os detalhes; cada exemplar era confeccionado com materiais de alta qualidade e as iniciais e ilustrações coloridas manualmente.

Hoje, há aproximadamente 49 exemplares remanescentes da Bíblia de Gutenberg, em diversos graus de preservação. Eles estão espalhados pelo globo em várias coleções, tanto públicas quanto privadas.

Mapas de Cassini: desenhando o contorno da História

Os Mapas de Cassini (conhecidos como “Carte de Cassini”), notáveis pela precisão e pela riqueza de detalhes, foram elaborados entre 1756 e 1783 pelo astrônomo, engenheiro e cartógrafo francês César-François Cassini de Thury, junto com três gerações de sua família. São peças cartográficas magníficas que proporcionaram a primeira representação abrangente do território francês e marcaram um avanço significativo na história da cartografia.

A precisão sem precedentes dos Mapas de Cassini foi possível graças à aplicação da triangulação, uma metodologia inovadora que integrou conhecimentos de astronomia, matemática e topografia. Esta técnica estabeleceu as bases para as futuras redes geodésicas, indispensáveis para a cartografia de alta precisão utilizada atualmente.

Criar esses mapas foi um feito monumental. Os Cassinis percorreram extensas distâncias, munidos de instrumentos de medição avançados (e pesados). Eles enfrentaram inúmeros desafios, desde a oposição de autoridades locais até as dificuldades inerentes ao mapeamento de terrenos acidentados.

Atualmente, os Mapas de Cassini têm grande valor técnico e histórico, oferecendo uma visão da paisagem francesa antes das transformações urbanas e rurais ocorridas nos séculos XIX e XX. Além do seu valor documental, os mapas são verdadeiras peças de arte, cada um caracterizado pelo uso distintivo de hachuras para ilustrar os diferentes aspectos do relevo, como vales, montanhas, florestas e rios, sendo de grande interesse para historiadores, geógrafos e entusiastas de cartografia devido ao seu detalhamento e relevo histórico.

Confira os tesouros culturais da BnF pessoal ou virtualmente

A Biblioteca Nacional da França sempre promove exposições temporárias, com destaque para diferentes manuscritos, o que é sempre uma excelente oportunidade para apreciar esses documentos. Vale, portanto, conferir o site antes de programar sua visita, para aproveitar a experiência da melhor forma. Também: durante o passeio pela BnF, aproveite as placas informativas e os recursos multimídia que geralmente acompanham as exposições, com um contexto histórico e literário valioso.

Para uma experiência ainda mais aprofundada, é possível participar de visitas guiadas, caso estejam disponíveis.

E, caso uma viagem a Paris não esteja em seus planos imediatos, saiba que muitos dos manuscritos disponíveis na BnB foram digitalizados. Eles podem ser consultados pela biblioteca digital da BnF, o site Gallica, assim como mapas, fotos, jornais e vários outros documentos. É muito interessante e vale fazer uma visita virtual.

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