Chegar a Belém é entrar na Amazônia pela porta da frente. É onde tudo começou. Chamada de Metrópole da Amazônia, Santa Maria de Belém do Grão-Pará, a Feliz Lusitânia, fundada pelos portugueses, é o destino certo para os viajantes que querem vivenciar a Amazônia brasileira.
Belém é uma cidade fascinante, na zona equatorial do mundo, entrada da maior floresta tropical do planeta. Uma cidade que vive a natureza plenamente harmonizada com a cultura, local e universal, desde o século XIX, com o progresso e o conforto que se exigem neste século XXI. Uma cidade surpreendente, onde algumas de suas principais vias são ladeadas por centenárias mangueiras, o que originou o título de Cidade das Mangueiras. Vibrante, colorida, cheia de surpresas, Belém é um portão aberto a diversas experiências imersivas.
Cidade Velha
A Cidade Velha, onde tudo nasceu, evoca um passado grandioso, de belíssimas igrejas, de casarões revestidos de azulejos portugueses, de ruas muito estreitas, onde se encontra o conjunto histórico Feliz Lusitânia, que foi restaurado e abriga prédios como o Museu do Círio, o Museu de Arte Sacra, a Igreja de Santo Alexandre, o Forte do Presépio (o marco do surgimento de Belém, em 1616), a Casa das Onze Janelas, com galerias de arte e o restaurante Casa do Saulo, comandada pelo chef Saulo Jennings (onde você encontra culinária tapajônica, uma espécie de filial do famoso restaurante em Alter-do-Chão, de Santarém, também no Pará, e de outro, instalado dentro do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro).
Na Praça Frei Caetano Brandão, a majestosa Catedral Metropolitana de Belém (Paróquia Nossa Senhora da Graça) data de 1755 e seus altares têm belíssimas telas, em vez de imagens sacras. Ainda na Cidade Velha, o Bar do Rubão é de uma originalidade sem igual, temperado de sorrisos e ingredientes da floresta e dos rios.
Mercado Ver-o-Peso
Os barcos de açaí, que chegam durante a madrugada à Feira do Açaí, são o despertar do dia na cidade. O Veropa, como é chamada carinhosamente a maior feira livre da América Latina, o Ver-o-Peso, é uma experiência sensorial e olfativa: cestos carregados de frutas exóticas, peixes amazônicos e temperos de todos os sabores são um exemplo da intensidade que é conhecer a capital paraense.
No local também se encontra o Mercado de Ferro (ou de Peixe), de arquitetura deslumbrante e torres marcantes, tão significativo para essa terra quanto a Torre Eiffel é para os parisienses e o Cristo Redentor para os cariocas.
O Ver-o-Peso é uma síntese de toda a Amazônia. É onde você encontra dezenas de espécies de peixes e uma verdadeira “praça de alimentação”. Nas barracas, as boieiras (as cozinheiras que fazem a boia, a comida) exibem em suas receitas, todas originais, as melhores iguarias da vasta culinária paraense, de tapioquinhas e mingaus a peixe frito, o verdadeiro açaí e frutas que você nem imagina que existem. Também é possível encontrar uma grande variedade de farinhas, uma infinidade de ervas medicinais e/ou mágicas, banhos de cheiro, que curam os males do corpo e da alma, e produtos artesanais, especialmente a cerâmica.
Lugar de fé e natureza viva
Belém do Pará é uma cidade para ser vivenciada, e não apenas visitada. E, quanto mais rápido você se deixar levar pelo jeito paraense, mais fácil irá se apaixonar.
Entendê-la não é fácil à primeira vista. Na verdade, ela é uma cidade real e repleta de problemas, mas que transborda de emoção e tem um povo cheio de fé, extremamente apaixonado e sempre disposto a apresentar cada beleza e sabor da região aos turistas que chegam.
No mês de outubro, mais precisamente no segundo domingo, acontece o Círio de Nazaré, a maior procissão mariana do mundo, reunindo mais de 2 milhões de pessoas, que seguem para a Basílica de Nazaré, o ponto final da monumental romaria, um suntuosíssimo e riquíssimo templo, erigido em homenagem à Nossa Senhora de Nazaré.
Ainda no centro histórico, há a Estação das Docas, ao lado do Ver-o-Peso, em frente à Baía do Guajará. É a reutilização criativa, prática e confortável do antigo Port of Pará, construído pelos ingleses. Revitalizado, o porto se transformou na Estação das Docas, onde se encontram gastronomia, cultura, artesanato, turismo, exposições, feiras e espaço para eventos. Três galpões, conhecidos como “boulevards”, abrigam restaurantes, cervejaria, sorveterias, lojas, teatro/cinema e um anfiteatro. Parada obrigatória é a sorveteria Cairu, eleita uma das melhores do mundo, com originais sabores de frutos da floresta.
Outro local turístico, que reúne flora e fauna, é o Mangal das Garças, um parque zoobotânico em uma área às margens do Rio Guamá, que conta com restaurante, borboletário e aves da floresta.
Saindo do centro, chega-se à Praça da República, com fontes, coretos, monumentos e o magnífico Teatro da Paz, de beleza inigualável, em estilo neoclássico, erguido em 1878. Belém é uma cidade onde “tudo é perto” e “quase tudo” pode ser visitado e conhecido a pé, em ruas calçadas por pedras lioz trazidas de Portugal.
Em Belém, sempre faz calor, com a temperatura máxima entre 32 e 35 oC durante todo o ano. O que marca o melhor e o pior período para a viagem é a intensidade das chuvas. Durante muitos anos, era possível marcar encontros “antes” ou “depois” da chuva, que caía invariavelmente às 14 horas. Uma tradição que as mudanças climáticas extinguiram.
Outros marcos interessantes para conhecer são o Museu Emílio Goeldi, o Bosque Rodrigues Alves – Jardim Zoobotânico da Amazônia, inaugurado em 1883, com 80% de área verde representativa da Amazônia, e o Parque do Utinga.
As ilhas
Ao redor de Belém existem 42 ilhas. Mosqueiro, Cotijuba e Combu são as mais próximas e visitadas. Mosqueiro é a maior delas, um balneário com uma dezena de praias de rio, banhadas pela Baía do Marajó, com ondas, como as praias de mar. A Ilha do Combu é igualmente bem próxima, com infraestrutura turística e restaurantes, e onde se produz um famoso chocolate artesanal com cacaueiros locais, nascidos e criados na floresta. Aliás, foi pela Amazônia que o cacau chegou ao Brasil.
Os sabores
Com tantos programas, você precisa se alimentar. E é na gastronomia que vai encontrar uma das mais fortes representações culturais da cidade. Não por acaso, Belém é uma Cidade Criativa da Gastronomia, título concedido pela Unesco após um criterioso estudo, que é uma referência mundial na área.
A cozinha paraense é a mais genuinamente brasileira entre as nossas cozinhas regionais, isso porque seus ingredientes ancestrais vêm da grande floresta e dos muitos rios amazônicos. E no fazer, na elaboração dos pratos, ela adota as práticas originais e saudáveis dos indígenas, associadas aos recursos da moderna gastronomia. É um mundo mágico, em que a natureza comanda o espetáculo. Um dos principais personagens dele é a mandioca, um tubérculo cercado de lendas indígenas, que nos fornece variadas e saborosas farinhas e o tucupi (um líquido amarelado, de sabor único, presente em inúmeros pratos). Outro grande personagem é o pirarucu, o maior peixe de escamas do país e um dos maiores do mundo, que chega a medir 3 m e pesar mais de 100 kg, consumido preferencialmente “seco”, em um processo de preparação igual ao do bacalhau.
Mais famosa personagem de Belém do Pará e grande entusiasta da cidade, Fafá de Belém fala com exclusividade à UNQUIET sobre sua terra natal. Cantora, compositora, atriz, ativista e empresária brasileira, Fafá possui uma carreira de quase 50 anos, sendo reconhecida por seu carisma e voz marcante. Como ativista, ela é engajada na defesa dos direitos humanos e igualdade das mulheres, além de ser uma das figuras públicas de maior importância na causa da Amazônia.
Fafá de Belém, a voz da Amazônia
Como os viajantes podem conhecer, ver e sentir Belém?
Acredito que o que cativa o viajante é o povo de Belém. Temos essa forma de abraçar, juntar pessoas, receber com carinho, de levá-las logo para tomar um tacacá e depois um sorvete. Temos orgulho da nossa cidade. O que acho que o visitante deve fazer antes de chegar por lá é procurar a Monotur, pois eles vão levá-lo a conhecer o Pará paraense, para o igarapé, tomar um banho de cheiro. Eles são maravilhosos e irão promover uma experiência sensorial e inesquecível.
O que diferencia Belém das outras capitais do Brasil?
Belém é uma cidade que vai conquistando, que vai abraçando você. É o cheiro da mangueira, da chuva… Essa semana viajei com uma pessoa que costuma ir a Belém a trabalho. Ela é advogada e me disse que Belém é o único lugar em que ela entra num fórum e todos dizem “bom dia!”. Acho que isso resume o paraense. Belém tem esse carinho, o cafuné de um povo que recebe muito bem. É uma cidade que precisa de muitos cuidados, assim como todas as grandes metrópoles, mas a energia do povo supera esses problemas.
A Varanda de Nazaré terá a 13ª edição em 2023. O que significa e como é estar à frente desse projeto?
Quando eu comecei a Varanda, há 13 anos, imaginei que a essa altura já existiriam pelo menos outras duas, com olhares diferentes do meu. O meu olhar é para pesquisadores, artistas. Mas acredito que há espaço para outros tipos de público. É um espaço que traz olhares de fora para Belém e os propaga para além da cidade. Para quem detona o espaço, recomendo fazer uma Varanda própria. Se precisarem de conselhos, eu oriento exatamente sobre como começar. (risos) É só uma brincadeira, uma provocação. É um grande orgulho e chegaremos à 20ª, 25ª, agregando artistas paraenses e levando para o mundo o nosso jeito muito particular de ser.
Como você vê o turismo na Amazônia?
O que não parece com o turismo plastificado padronizado é hoje o que chama a atenção de quem gosta de viajar. Conhecer lugares diferentes, comidas de rua. Temos que nos debruçar sobre nossas origens, nosso quintal. Fazer excursões pelo Combu, mostrar o vigor do seu Laudir, ver a cerâmica em Icoaraci, mostrar Santarém, a cerâmica tapajônica. O viajante quer descobrir coisas novas. E nós somos, absolutamente, um povo único, que encanta por tudo. Para mim, esse deve ser o foco do turismo, além de restaurantes elegantes, que também temos. Tem coisa melhor do que comer um caranguejo debaixo da Lua no Bar do Rubão? Se tem, me conta.
Belém será sede da COP 30, a Conferência Mundial do Clima em 2025. O que a cidade pode absorver com o evento?
Todos nós temos que nos preparar para a COP. Abraçá-la com um imenso refletor sobre a nossa cultura, nossas dificuldades, sobre as soluções que nossos povos apresentarem para os problemas que vivem. É um espaço para vermos e sermos vistos. Acho que temos que mostrar nosso olhar e sermos reconhecidos por ele. E pedir benefícios para a cidade e para o estado. Precisamos de saneamento básico, o fundamental. E uma lei de padronização estética. O que me incomoda muito quando chego a Belém são casarões fabulosos pintados de forma descontrolada, anunciando lojas e descaracterizando completamente o centro da cidade. Gostaria que houvesse o cuidado de retirar a poluição visual e revelar a Belém fabulosa, europeia e indígena. Tão brasileira e tão única.
A variadíssima fauna marinha vai de grandes peixes a microcamarões, uma festa para o paladar. O internacionalmente conhecido e famoso açaí tem aqui um sabor único, in natura, fresquinho. O pato no tucupi é um dos pratos mais conhecidos (assado e fervido no tucupi). A maniçoba é outro deles: trata-se da maniva, folhas de mandioca cozida por sete dias com os ingredientes de uma feijoada, exceto o feijão.
Já o tacacá é a mais emblemática comida de rua de Belém, uma espécie de sopa, que se toma numa cuia. Há também o caranguejo toc-toc, em que os crustáceos cozidos são quebrados com um pauzinho para a retirada da carne. E da pata do caranguejo é preparado o salgado, que tem o formato de coxinha e usa a massa do crustáceo como base.
Os peixes são destaques na culinária paraense. Os pratos típicos podem ser feitos com pirarucu, tambaqui, filhote, tucunaré, gurijuba e dourada, entre tantas outras espécies.
Integra o roteiro especializado em comida típica o Restaurante Avenida, de mais de 70 anos, o lugar ideal para conhecer Belém “pela barriga”. Inclua ainda Ver-o-Açaí, Casa do Saulo, Bar do Rubão e Remanso do Bosque, entre outros.
Ao visitar Belém, experimente tudo o que de novo aparecer. Assim você terá um gostinho do Pará e, certamente, vai querer voltar.
Deixe-se levar pela música do estado, como o carimbó, a guitarrada e o treme-treme do jambu. Coma castanhas em todas as suas formas (a fresca é maravilhosa), marque um encontro depois da chuva (ela sempre aparece) e vá de coração aberto e deixe que ele seja preenchido pela intensidade do povo paraense. Lembre-se de deixar um espaço na mala para levar um pouco da cidade, itens que suprirão a saudade dela.
Assim é Belém, uma cidade de cheiros, sabores e sensações. Faça como o Rio Amazonas: corra para o Pará.
Matéria publicada na edição 12 da Revista UNQUIET.