Em uma das plataformas da Gare de Lausanne, num desmoderado verão europeu, com temperaturas aos pés dos Alpes acima dos 25º C, um público animado e diverso aguarda o trem que corta as cidades da Riviera Suíça, circulando o Lac Léman. A indumentária geral mescla bermudas e shorts com camisas floridas e camisetas, estampando o rosto de artistas como Björk e Radiohead, e não deixa dúvida de que o destino de todos é o Montreux Jazz Festival, um dos mais renomados do planeta.
São apenas duas estações, pontualmente percorridas, entre a cosmopolita Lausanne e a diminuta Montreux, onde a grande maioria desembarca rumo ao bulevar marcado pela famosa estátua de Freddie Mercury. O passeio, completamente tomado por tendas de comidas do mundo todo e lounges com vista para um dos lagos mais conhecidos da Europa, faz parte do cenário criado para o evento.
Anualmente, por duas semanas, no auge do verão, a pacata cidade se transforma no epicentro da boa música, recebendo atrações de peso, em shows concorridíssimos de jazz, world music e pop.
São muitos os momentos históricos do Montreux Jazz Festival. Os artistas que tocam aqui mantêm uma relação afetiva com o evento. A maioria menciona o prazer de poder caminhar à beira do lago após as apresentações, misturando-se à multidão, que viaja de todos os cantos do planeta para aproveitar dias de boa música e sol à beira do cristalino Lac Léman.
Basta conferir os registros das históricas apresentações de nomes como Miles Davis, Nina Simone, Caetano, Gil e Ney Matogrosso, para mencionar alguns, e constatar que algo especial acontece nesses palcos. No ano passado, quando estive aqui pela primeira vez, fiquei encantado com as histórias contadas pelos garçons do Jazz Café, instalado no Fairmont Le Montreux Palace, sobre apresentações surpresa feitas ali mesmo, no bar do hotel. E, ao tomar um brunch no mesmo café, me vi batendo papo com o Woodkid, o artista francês responsável pelo show mais comentado daquele ano.
Assim que pisei em Montreux, me lembrei por que o festival é tão amado. O lineup conciso não deixava nada a desejar em relação aos grandalhões, com nomes como Björk, Nick Cave, The Smile (a hypada nova banda do Thom Yorke e do Johnny Greenwood, do Radiohead), Maneskin, Anitta, The Blaze e muitos outros, em apresentações propositalmente intercaladas para curtir os lounges do evento.
O Montreux Jazz sempre tem um nome uber-concorrido e este ano não havia dúvida: todo mundo estava ali para conferir a apresentação da veterana Diana Ross, em um showzaço que deve entrar direto para o rol de apresentações históricas do festival.
Entre um drinque e outro, no idílico lounge The Lake, espaço montado pela relojoaria Piaget, conversei com Kevin Donnet, um dos organizadores do MJF. Brindamos ao privilégio de assistir a uma verdadeira diva do soul e da disco, nos transportando aos tempos da lendária Motown com incontáveis hits das Supremes, um dos primeiros supergrupos da música e inspiração para três de cada três grupos e cantoras de R’n’B do mundo. Segundo ele, dos grandes nomes em atividade, Diana Ross era uma das únicas artistas que ainda não haviam se apresentado no Montreux Jazz.
A cultura de pontualidade pode até ser um emblema suíço, mas ninguém pareceu se importar com os quase 20 minutos de atraso de Mrs. Ross, dignos de uma diva clássica, em um sábado quente em Montreux. A plateia, composta de avós, pais e filhos, cantou junto o hino oitentista “I’m Coming Out” e não parou de dançar e fazer coro por mais de duas horas.
Assim como eu, muitos ali estavam ticando um item de suas bucket lists. A minha lista de desejos foi completamente atendida com “Baby Love”, “Stop! In The Name of Love” ‒ com direito à inconfundível coreografia dos grupos da Motown, reproduzida pela orquestra e por um exército de backing vocals ‒ e “You Can’t Hurry Love”, das Supremes, logo na primeira parte do show. “Upside Down”, “What You Gave Me”, “Rescue Me” e mais uma penca de hits disco na sequência. Para completar, um interlude para as baladas, com “Missing You”, me levou aos tempos em que gravava K7 dos discos dos meus primos mais velhos.
Embarquei rumo ao Montreux Jazz Festival para ver artistas que perdi em turnê e pela preguiça de enfrentar os festivais maiores. Em especial, o show da islandesa Björk com a filarmônica de Lausanne; do Nick Cave, em um ambiente mais intimista, onde era possível sentir ainda mais a força de seu carisma e a genialidade dos Bad Seeds; e, finalmente, The Smile, o projeto de Thom Yorke e Johny Greenwood, que, para mim, deixa claro o provável fim não anunciado do Radiohead. Todos eram obrigatórios e foram incríveis.
Os suíços são conhecidos pela precisão e pela alta qualidade de seus produtos e o Montreux Jazz é a quintessência de um festival bem produzido. Ao menos entre os festivais de cidade que já conferi, em nenhum lugar se come e se bebe tão bem em cenários tão incríveis. Estamos ali, sim, pela música. Mas, ao presenciar apresentações antológicas, como a de Diana Ross, e passar bons momentos curtindo a estrutura produzida sob medida para agradar o mais exigente dos públicos, fica claro que se viveu algo especial.
Cada vez mais, recomendo a experiência para os viajantes de espírito inquieto e amantes da boa música que comecem o condicionamento de atleta para correr de um palco a outro em meio a multidões.